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Como a guerra tarifária de Trump acelerou validação do Acordo União Europeia-Mercosul e como isso pode mudar o jogo do comércio internacional

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Como a guerra tarifária de Trump acelerou validação do Acordo União Europeia-Mercosul e como isso pode mudar o jogo do comércio internacional

Geralmente, as guerras comerciais entre países não ficam limitadas apenas aos choques tarifários imediatos. Na realidade, as relações econômicas internacionais estão permeadas por tensões geopolíticas, reciprocidades legais assimétricas e estratégias de barganha que podem ser explicadas pela chamada Teoria dos Jogos.

A recente guerra tarifária desencadeada por Donald Trump – em 2 de abril, no que ele chamou de “Dia da Libertação” – colocou uma tarifa global mínima, com impacto sobre todos os parceiros estrangeiros, de 10%. Naquele momento, Trump mostrou uma tabela de tarifas recíprocas impondo à União Europeia (UE) uma tarifa de 20% e, paralelamente, ao Brasil uma tarifa mínima de 10%. Mas, isto mudou meses depois.

Em julho, a UE teve que aceitar um acordo desequilibrado com os EUA, que fixaram uma tarifa máxima e abrangente de 15% sobre as exportações europeias (uma redução de 5%) e, ao mesmo tempo, garantiram tarifa zero para um amplo conjunto de produtos norte-americanos vendidos na UE. Além do mais, a UE foi pressionada a comprometer-se com investimentos nos EUA (US$ 600 bilhões) e a aquisição de bens energéticos e materiais de defesa de empresas norte-americanas pelos próximos três anos (US$ 750 bilhões).

No mesmo mês, Trump ameaçou o Brasil e, em seguida, assinou um decreto impondo aos produtos brasileiros uma tarifa de 50% (adicionando 40% ao divulgado em abril). Apesar de uma longa lista de exceções divulgada pela Casa Branca, a tarifa de 50% incidirá sobre 35,9% das exportações brasileiras para os EUA, afetando produtos simbólicos como, por exemplo: café, manga e goiaba (frutas), carne, açúcar, chocolate e peças automotivas.

Janela de oportunidade que se abre

Neste cenário, quais interações estratégias internacionais a UE e o Brasil (via Mercosul) podem adotar para mitigar o tarifaço de Trump? O fato é que uma janela de oportunidade está aberta!

O contexto em questão revela que os EUA decidiram empregar o “jogo do ultimato”, em que um jogador – os EUA – adota a estratégia dominante de aplicar tarifas unilaterais, forçando os demais – neste caso, a UE e o Brasil – a aceitar ou a rejeitar suas condições comerciais. Note que, neste cenário em que vivemos, o jogador EUA resolveu adotar uma estratégia protecionista (“traição” dos acordos em vigência), desconsiderando o “dilema do prisioneiro”, já que a cooperação produziria maiores benefícios para todos.

A UE, diante deste movimento, percebeu que rejeitar as condições norte-americanas e, logo, retaliar com tarifas recíprocas colocariam em risco mais de € 800 bilhões (2024) em exportações de bens e serviços aos EUA. Embora os EUA sejam estatisticamente o maior destino das exportações da UE, sob a ótica geopolítica, tal dependência mostrou que a economia europeia está em uma posição vulnerável. É, por isso, que a UE se submeteu a um acordo desequilibrado com os EUA, confirmando a teoria econômica de que qualquer valor positivo é melhor do que nada (retaliando).

No mesmo tabuleiro, o Brasil experimentou uma ameaça geopolítica dos EUA, quando Trump declarou apoio aos interesses da família Bolsonaro, criticando a justiça brasileira e o governo Lula. Assim, além da tarifa de 50%, os EUA passaram a aplicar sanções – como a suspensão de visto e a Lei Magnitsky – a autoridades do Executivo e do Judiciário brasileiro.

Ao contrário da UE, o Brasil encontra-se economicamente menos exposto aos impasses norte-americanos. Isto porque apenas 12% do total das exportações brasileiras (US$ 40 bilhões) tem como destino os EUA. Logo, a retaliação econômica pode ser uma saída – já autorizada por Lula – para responder às sanções político-jurídicas dos EUA.

A triangulação EUA–UE–Mercosul e o “jogo de barganha”

A Teoria dos Jogos sugere que, quando um jogador (EUA) adota sistematicamente uma estratégia agressiva, os demais (UE e Brasil) podem convergir para uma cooperação entre si, com o propósito de contrabalançar o poder do desafiante (EUA).

Robert Axelrod, no livro The Evolution of Cooperation, mostra que a cooperação entre os prejudicados, em cenários de interações repetidas, tende a emergir como uma estratégia racional, em que os ganhos da cooperação são maiores do que os custos do isolamento.

É, justamente neste ponto, que a UE (responsável pela política comercial comum dos 27 países-membros) e o Mercosul (responsável pela política comercial de seus signatários, sendo que o Brasil responde por mais de 70% da economia do bloco) precisam acelerar a ratificação e a implementação do Acordo UE-Mercosul assinado em dezembro de 2024. Tal movimento estratégico pode ser visto como um “jogo de barganha”.

Enquanto os EUA buscam maximizar ganhos com tarifas unilaterais, a UE e o Brasil (via Mercosul) percebem que, diante de um rival comum, o Acordo UE–Mercosul deixa de ser apenas um tratado comercial para se tornar uma resposta estratégica a um ambiente internacional mais hostil.

Em outras palavras, isto significa redirecionar parte das exportações europeias e parte das exportações sul-americanas para um novo mercado transatlântico – com 750 milhões de consumidores – que ofereça maior previsibilidade política.

No tabuleiro internacional, a lógica é simples: ao mesmo tempo em que a UE diminui sua vulnerabilidade frente aos EUA, o Mercosul amplia sua inserção internacional, reduzindo a vulnerabilidade política do seu maior jogador regional, o Brasil.

Estudos estimam que o Acordo UE-Mercosul pode aumentar o comércio bilateral em até 70% e o comércio intrarregional latino-americano em até 38%. Desse modo, resultaria a possibilidade de consolidar um bloco econômico cujo PIB agregado se equipararia ao dos EUA.

É com este objetivo que a Comissão Europeia acabou de propor – no dia 3 de setembro de 2025 – a assinatura e a adoção do Acordo UE-Mercosul, criando a maior zona de livre comércio do mundo.

O problema é que, nas relações internacionais, os jogos são dinâmicos, com movimentos estratégicos simultâneos, o que significa dizer que os EUA não ficarão parados diante de um “jogo de barganha” da UE e do Brasil (via Mercosul).

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