Os físicos estão sempre em busca de novas teorias para melhorar nossa compreensão do Universo e resolver grandes questões ainda não respondidas.
Mas há um problema: como procurar forças ou partículas não descobertas quando não se sabe como elas são?
Veja o caso da matéria escura. Vemos sinais desse misterioso fenômeno cósmico em todo o Universo, mas do que ela poderia ser feita? Seja o que for, precisaremos de uma nova física para entender o que está acontecendo.
Graças a um novo resultado experimental publicado recentemente e a novos cálculos teóricos que acompanham, agora podemos ter uma ideia de como essa nova física deve se parecer – e talvez até mesmo algumas pistas sobre o que é a matéria escura.
Conheça o múon
Durante 20 anos, um dos sinais mais promissores desta “nova física” foi uma pequena inconsistência no magnetismo de uma partícula chamada múon. O múon é muito parecido com um elétron, mas é muito mais pesado.
Os múons são produzidos quando raios cósmicos – partículas de alta energia vindas do espaço – atingem a atmosfera da Terra. Cerca de 50 desses múons passam pelo seu corpo a cada segundo.
Os múons atravessam objetos sólidos muito melhor do que os raios X, por isso são úteis para descobrir o que há dentro de grandes estruturas. Por exemplo, eles foram usados para procurar câmaras ocultas nas pirâmides egípcias e mexicanas; para estudar câmaras de magma dentro de vulcões para prever erupções; e para ver com segurança o interior do reator nuclear de Fukushima depois que ele derreteu.
Uma pequena fenda na física?
Em 2006, pesquisadores do Laboratório Nacional de Brookhaven, nos Estados Unidos, mediram a força do magnetismo do múon com incrível precisão.
A medição foi precisa em aproximadamente seis partes em dez bilhões. Isso é equivalente a medir a massa de um trem de carga lotado com uma margem de erro de dez gramas. Esse resultado foi comparado a um cálculo teórico igualmente impressionante.
Quando os pesquisadores compararam os dois números, encontraram uma diferença pequena, mas significativa, indicando uma incompatibilidade entre a teoria e o experimento. Será que eles finalmente encontraram a nova física que estavam procurando?
Um experimento melhor
Para achar uma resposta definitiva, a comunidade científica internacional iniciou um projeto de 20 anos para aumentar a precisão de ambos os resultados.
O enorme eletroímã do experimento original foi carregado em uma barcaça, transportado pela costa leste dos EUA e depois pelo Rio Mississippi até Chicago. Lá, ele foi instalado no Fermilab para um experimento totalmente reformulado.
Recentemente, os pesquisadores anunciaram que concluíram o experimento. Seu resultado final para a força do magnetismo do múon é 4,4 vezes mais preciso que a medição original, com uma margem de 1,5 em dez bilhões.
E cálculos melhores
Para acompanhar este experimento, os físicos teóricos também tiveram que fazer grandes melhorias nos seus cálculos. Eles formaram a Muon g-2 Theory Initiative (Iniciativa Teórica Múon g-2), uma colaboração internacional de mais de 100 cientistas dedicada a fazer uma previsão teórica precisa.
Eles calcularam as contribuições de mais de 10.000 fatores para o magnetismo do múon. Eles até incluíram uma partícula chamada Bóson de Higgs, que só foi descoberta em 2012.
Mas havia um último ponto de atrito: a força nuclear forte, uma das quatro forças fundamentais do Universo. Em particular, calcular a maior contribuição da força nuclear forte para o resultado não foi tarefa fácil.
Antimatéria versus supercomputadores
Não foi possível computar essa contribuição da mesma forma que as outras, portanto, precisávamos de uma abordagem diferente.
Em 2020, a Iniciativa Teórica voltou-se para as colisões entre elétrons e suas contrapartes de antimatéria: pósitrons. As medições dessas colisões elétron-pósitron forneceram os valores que faltavam.
Em conjunto com todas as outras partes, isso deu um resultado que discordava fortemente da última medição experimental. A discordância foi quase forte o suficiente para anunciar a descoberta de uma nova física.
Ao mesmo tempo, eu estava explorando uma abordagem diferente. Juntamente com meus colegas da colaboração Budapest-Marseille-Wuppertal, realizamos uma simulação em supercomputador dessa contribuição.
Nosso resultado eliminou a tensão entre teoria e experimento. Entretanto, agora tínhamos uma nova tensão: entre nossa simulação e os resultados das colisões elétron-pósitron que haviam resistido a 20 anos de análise. Como esses resultados de 20 anos poderiam estar errados?
Desaparecem os indícios de uma nova física
Desde então, dois outros grupos produziram simulações completas que concordam com as nossas, e muitos outros validaram partes do nosso resultado. Também produzimos uma nova simulação revisada que quase dobra nossa precisão (lançada como um preprint, estudo que ainda não foi revisada por pares ou publicado em uma revista científica).
Para garantir que essas novas simulações não fossem afetadas por nenhuma preconcepção, elas foram realizadas “às cegas”. Os dados da simulação foram multiplicados por um número desconhecido antes de serem analisados, portanto, não sabíamos o que seria um resultado “bom” ou “ruim”.
Em seguida, realizamos uma reunião emocionante e estressante. O fator de cegueira foi revelado, e descobrimos os resultados de anos de trabalho de uma só vez. Depois de tudo isso, nosso último resultado está ainda mais de acordo com a medição experimental do magnetismo do múon.
Mas outros surgem
A Muon g-2 Theory Initiative passou a usar os resultados da simulação em vez dos dados das colisões elétron-pósitron em sua previsão oficial, e o indício de nova física parece ter desaparecido.
Exceto… por que os dados elétrons-pósitrons foram discordantes? Físicos de todo o mundo estudaram essa questão extensivamente e uma sugestão de explicação interessante é uma partícula hipotética chamada “fóton escuro”.
O fóton escuro não só poderia explicar a diferença entre os resultados mais recentes do múon e os experimentos com elétrons e pósitrons, mas (se existir) também poderia explicar como a matéria escura se relaciona com a matéria comum.