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Como o conflito entre Israel e Irã pode comprometer o tratado internacional de não proliferação nuclear

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Como o conflito entre Israel e Irã pode comprometer o tratado internacional de não proliferação nuclear

No último dia 12 de junho de 2025, Israel iniciou uma ofensiva militar direta contra o Irã. Entre as justificativas apresentadas por Tel Aviv está a alegação de que informações de inteligência indicavam um avanço significativo do programa nuclear iraniano. Havia estimativas de que o país estaria a poucos meses, ou mesmo semanas, de obter uma bomba atômica.

O ataque marca o ápice de uma longa trajetória de retórica beligerante e ameaças mútuas entre os dois países. Levanta, acima de tudo, questões sobre o real estágio das atividades nucleares do Irã e o papel das instituições internacionais, especialmente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e as potências ocidentais na condução deste processo.

O papel da AIEA e os dilemas do Tratado de Não Proliferação Nuclear

O primeiro ponto fundamental envolve a atuação da AIEA enquanto guardiã do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Cabe à agência não apenas garantir o direito dos Estados não detentores de armas nucleares ao acesso pacífico à tecnologia nuclear, mas também evitar a proliferação desses armamentos. Isso se dá por meio de acordos de salvaguardas e rigoroso monitoramento das atividades nucleares de seus membros.

Nas últimas décadas, o Irã tem sido um teste contínuo para os mecanismos de verificação do TNP. Apesar dos esforços da AIEA para garantir o cumprimento das obrigações pelo Irã, as dificuldades em obter informações transparentes e precisas sobre o programa nuclear iraniano têm se acumulado. Reiteradas falhas no cumprimento das salvaguardas, aliadas à ausência de esclarecimentos convincentes sobre atividades suspeitas, colocam o país em rota de colisão com o regime internacional de não proliferação – independentemente de já possuir, ou não, armamento nuclear.

Nesse contexto, o papel da AIEA torna-se ainda mais complexo diante da postura de Israel. Trata-se de um Estado que, embora possua um arsenal nuclear estimado em cerca de 90 ogivas, nunca reconheceu oficialmente tal capacidade e não é signatário do TNP). Assim, a decisão israelense de lançar uma ofensiva para impedir o avanço nuclear iraniano, sem respaldo do Conselho de Segurança da ONU, configura uma dupla afronta ao direito internacional: mina os mecanismos de negociação e monitoramento promovidos pela AIEA e enfraquece o papel do Conselho de Segurança como guardião da segurança coletiva no sistema internacional pós-Segunda Guerra Mundial.

Riscos de ataques a instalações nucleares

O uso de ataques militares contra instalações nucleares abre ainda uma nova dimensão de risco. Bombardeios desse tipo podem provocar a dispersão de materiais radioativos e desencadear desastres ambientais de proporções transnacionais. Um acidente grave poderia gerar a necessidade de zonas de exclusão permanentes ao redor das instalações afetadas, além da formação de nuvens tóxicas com potencial de atingir países vizinhos.

Atenta a esses riscos, a própria AIEA emitiu, em 13 de junho, uma nota condenando ataques a instalações nucleares sob qualquer pretexto, alertando para os perigos nucleares e radiológicos envolvidos não apenas para os materiais e estruturas, mas, sobretudo, para as populações civis.

O Ocidente, o acordo nuclear e a lógica da anarquia internacional

Outro elemento central desse debate diz respeito à conduta dos países ocidentais na gestão da crise nuclear iraniana. O episódio mais emblemático foi a retirada unilateral dos Estados Unidos do Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA) em 2018, durante o governo Trump, apenas três anos após sua assinatura. Este gesto sinalizou ao Irã – e ao mundo – que acordos internacionais podem ser abandonados a depender da conjuntura política interna dos signatários. Isso enfraquece a confiança nas instituições multilaterais e na previsibilidade das relações internacionais.

Essas inconsistências não são novidade: desde o fim da Guerra Fria, a fragilidade de compromissos políticos e institucionais contribuiu para o aumento da instabilidade e da proliferação nuclear, como evidenciam os casos da Índia, Paquistão e Coreia do Norte. O próprio sistema internacional, estruturado pela anarquia e pela incerteza, depende de instituições estáveis e do cumprimento consistente de acordos para mediar tensões e evitar escaladas. Quando esses pilares falham, Estados buscam garantir sua própria segurança por meios próprios – inclusive pelo desenvolvimento de arsenais nucleares.

Nesse sentido, as violações do Memorando de Budapeste pela Rússia, ao anexar a Criméia em 2014 e iniciar um conflito armado com a Ucrânia em 2022, ilustram o custo da incerteza: ao descumprir a promessa de respeitar a soberania ucraniana em troca da devolução do arsenal nuclear remanescente da União Soviética, as grandes potências sinalizaram que garantias de segurança podem ser descartadas, incentivando outros países a buscar sua própria capacidade dissuasória.

Irã não conseguiu dissipar as dúvidas sobre a eventual militarização de seu programa

A AIEA, por meio de seu Conselho de Governadores, divulgou em 12 de junho, uma declaração mais enfática sobre o programa nuclear do Irã. O Conselho, órgão máximo deliberativo da Agência, destacou três pontos principais de preocupação: a necessidade de esclarecimentos do Irã sobre a presença de material nuclear de origem antropogênica (ou seja, alterado por intervenção humana); a existência de urânio altamente enriquecido sem justificativas plausíveis; e a detecção de equipamentos contaminados radiologicamente, sugerindo atividades incompatíveis com o uso pacífico declarado.

Esses achados fortalecem a desconfiança internacional quanto às reais intenções do programa nuclear iraniano. Apesar de ser signatário do TNP – e, portanto, legalmente autorizado ao desenvolvimento de tecnologia nuclear apenas para fins pacíficos –, o Irã ainda não conseguiu dissipar as dúvidas sobre a eventual militarização de seu programa.

Impasses, riscos e o futuro da não proliferação

O ataque de Israel ao Irã representa muito mais do que um episódio isolado de tensão regional. Ele sugere o enfraquecimento dos mecanismos multilaterais de prevenção de conflitos e controle de armamentos, evidencia a fragilidade das normas internacionais diante da política de poder. E expõe o mundo a riscos inéditos de catástrofe nuclear – seja por escalada militar, seja por acidentes resultantes de ações bélicas contra instalações nucleares.

O futuro do regime de não proliferação nuclear depende, agora, da capacidade de reconstruir a confiança nas instituições multilaterais, restaurar a força dos acordos internacionais e desenvolver mecanismos de resolução de controvérsias que não dependam exclusivamente do uso da força. Em um mundo cada vez mais multipolar e fragmentado, o desafio não é apenas evitar que novos Estados obtenham armas nucleares, mas também garantir que a busca por segurança não leve a humanidade a novos abismos.

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