Em 2020 o Pantanal vivenciou um dos piores eventos de incêndios já registrados na sua história. Mais de 30% do bioma foi queimado e, como consequência, ao menos 17 milhões de vertebrados morreram. Infraestruturas públicas e privadas foram destruídas, e um volume enorme de recursos públicos e privados foram dispendidos na tentativa de combater às chamas.
Imagens de animais mortos e vegetação calcinada passaram a impressão de que a região estava próxima do fim. No entanto, em função da relativa resiliência dos ecossistemas, aliada às parcerias entre instituições, a ciência de qualidade e programas de governo focados na conservação, temos esperança de que o Pantanal ainda pode continuar sendo um lugar de equilíbrio entre homem e natureza.
O Pantanal é uma planície inundável que se estende do oeste do Brasil central até o leste da Bolívia e o nordeste do Paraguai, totalizando 179,000 Km2. Existem registros de ocupação humana no Pantanal de cerca de 8 mil anos. Esses povos originários sofreram um violento processo de colonização iniciado pelos espanhóis, no começo do século XVI, e depois continuado pelos portugueses.
O povo pantaneiro
A população indígena se misturou com populações de origem africana e europeus, gerando o que hoje se conhece hoje como Pantaneiro. São trabalhadores das fazendas de gado e comunidades ribeirinhas tradicionais, além de grande parte da população urbana de cidades como Cáceres, Poconé e Corumbá.
A partir do século XVII o Pantanal passou a ser utilizado para a criação de gado, gerando outra identidade cultural e econômica. Através do uso rotativo da pastagem nativa, as fazendas criaram um balanço fino entre a produção bovina e a conservação da biodiversidade. Hoje, as fazendas ocupam mais de 90% do Pantanal, e o mesmo balanço entre conservação e economia ainda está presente na grande maioria delas.
Se por um lado, são produzidos mais de 3,8 milhões de cabeças de gado, também vemos, populações de espécies ameaçadas de extinção em outras partes do país, como as onças pintadas, as araras azuis, os cervos-do-pantanal e as ariranhas. O equilíbrio também está presente na pesca tradicional. Baseada em um sistema uso rotativo das baias e profundo conhecimento dos rios e dos peixes, pescadores tradicionais utilizam as lagoas e rios do Pantanal em um maneira que permite uma constante recuperação dos estoques de peixe.
Em 2020, esse equilíbrio parecia ter acabado. A seca extrema, o calor intenso e os consequentes incêndios catastróficos (muitos causados por ação humana), não só trouxeram impactos negativos nas pessoas e espécies do Pantanal, mas também na rede de instituições. Mas o que parecia ser o fim, também foi o recomeço. Uma intensa parceria entre atores locais, instituições de pesquisa, governos e iniciativa privada começou a ser reativada.
Esse mês publicamos um volume especial da revista cientifica Conservation Science and Practice sobre o Pantanal. Na revista estão presentes diversos artigos científicos que descrevem situações importantes do Pantanal e as iniciativas de conservação da natureza. Reunimos pesquisadores, tomadores de decisão e pessoas locais para elaborar textos que ajudem a entender os problemas e sugerir direções para manter o Pantanal um grande exemplo de sustentabilidade.
Sistema de propriedade de terra facilita estratégias de conservação
Diferente de muitos outros lugares do Brasil, argumentamos que o Pantanal apresenta um sistema de propriedade de terra bastante estruturado, facilitando definir estratégias eficazes de conservação. Essa é uma das questões centrais para programas focados em sustentabilidade, como pagamentos por serviços ambientais, créditos de biodiversidade e outros benefícios financeiros diretos e indiretos. Recentemente, foi criado pelo governo do estado do Mato Grosso do Sul o Fundo Clima Pantanal, um exemplo efetivo deste tipo de estratégia.
Outro ponto importante é que o Pantanal é tradicionalmente um ambiente de interação. A imprevisibilidade e a dinâmica do ambiente tornam a colaboração e cooperação questões centrais no dia-a-dia dos pantaneiros. Esse padrão social tem se expandindo para além das fazendas e comunidades. Por exemplo, a coalizão Pontes Pantaneiras, uma parceria entre Universidade Colégio de Londres, IPE – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Embrapa Pantanal e Smithsonian Institution, organizou um evento com mais de 1000 pessoas em outubro de 2023 e tem apoiado projetos de redes de fazendas de pecuária sustentável baseada no sistema de indicadores desenvolvido pela Embrapa Pantanal, chamada Fazenda Pantaneira Sustentável. Mais de 60 fazendas estão participando no MT, enquanto que no MS foi iniciado um programa piloto em 2025. Além disso, os dois estados implementaram em suas legislações uma inédita rede de corredores ecológicos que cobrem todas as regiões do Pantanal, bem como limites para a supressão da vegetação nativa.
Mas é claro que nem tudo está resolvido. O Pantanal ainda enfrenta desafios importantes: um projeto de intervenções no rio Paraguai para aumentar a navegabilidade, a mudança climática e o estabelecimento de políticas de conservação sem a participação social ainda trazem ameaças ao equilíbrio homem-natureza. Ainda há questões de infraestrutura, de serviços públicos às populações, apoio à bioeconomia e ao turismo, as quais merecem políticas corajosas.
No entanto, assim como as áreas do Pantanal afetadas pelos incêndios renascem das cinzas, a esperança de um Pantanal conservado para futuras gerações também ressurge com o avanço do diálogo maduro e das parcerias entre diferentes governanças, públicas e privadas, o terceiro setor e as populações locais. Nesse volume especial mostramos os diferentes caminhos que estão sendo tomados nesta direção, sem deixar de trazer à luz os principais desafios.