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Como vírus antigos podem ajudar a combater a resistência de bactérias a antibióticos

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Como vírus antigos podem ajudar a combater a resistência de bactérias a antibióticos

Se as bactérias fizessem uma lista de coisas que devem temer, os bacteriófagos – ou simplesmente “fagos” – estariam no topo dela. Esses vírus são especialistas em encontrá-las, infectá-las e matá-las – e vêm fazendo isso há bilhões de anos. Agora, essa batalha milenar está oferecendo aos cientistas pistas sobre como podemos combater infecções resistentes a antibióticos.

À medida que mais e mais bactérias evoluem para resistir aos antibióticos existentes, infecções anteriormente tratáveis estão se tornando mais difíceis — e, em alguns casos, impossíveis — de curar. Essa crise, conhecida como resistência antimicrobiana (RAM), já causa mais de um milhão de mortes por ano em todo o mundo, e o número está aumentando rapidamente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) há tempos classificou a RAM como uma das dez principais ameaças à saúde pública global.

A chamada “terapia fágica” — o uso de fagos para tratar infecções bacterianas — está ganhando atenção como uma solução potencial. Os fagos são altamente específicos, capazes de atingir mesmo cepas resistentes a medicamentos. Em alguns casos de uso compassivo no Reino Unido, eles eliminaram infecções nas quais todos os antibióticos falharam. Mas os fagos ainda enfrentam um desafio que muitas vezes é esquecido: as próprias bactérias.

As bactérias desenvolveram sistemas sofisticados para detectar e destruir os fagos. Essas defesas são diversas: algumas cortam o DNA viral, outras bloqueiam a entrada e algumas iniciam uma espécie de desligamento intracelular para impedir a invasão viral. Em um novo estudo publicado na revista científica Cell, e e meus colegas descrevemos um sistema que funciona de maneira diferente, chamado Kiwa. Ele age como um sensor embutido na membrana bacteriana, detectando os primeiros sinais de ataque.

O que exatamente o Kiwa está detectando ainda é uma questão em aberto, mas nossas descobertas sugerem que ele responde ao estresse mecânico que ocorre quando um fago se liga à célula bacteriana e injeta seu DNA. Uma vez acionado, o Kiwa age rapidamente. Ele desativa a capacidade do fago de produzir os componentes necessários para construir novos fagos, impedindo a infecção antes que ela possa tomar conta da célula.

Mas assim como as bactérias desenvolvem maneiras de se defender, os fagos desenvolvem maneiras de revidar. Em nossos experimentos mais recentes, observamos duas estratégias em ação.

Uma bactéria (laranja) sendo atacada por fagos (pontos pretos). Universidade de Southampton, CC BY

Alguns fagos desenvolveram pequenas mutações nas proteínas que usam para se ligar à superfície bacteriana – mudanças sutis que os ajudaram a evitar acionar o sistema de detecção do Kiwa. Outros adotaram uma abordagem diferente: permitiram que fossem detectados, mas escaparam das consequências.

Esses fagos carregavam mutações em uma proteína viral que parece estar envolvida na forma como o Kiwa neutraliza a infecção. Ainda não sabemos exatamente como isso funciona, mas o resultado é claro: com apenas algumas mudanças, o vírus continua se replicando, mesmo depois que o Kiwa é ativado.

Essa flexibilidade evolutiva é parte do que torna os fagos tão poderosos, e por que eles são tão promissores no tratamento de infecções resistentes. Mas também destaca um desafio importante: para tornar a terapia com fagos eficaz, precisamos entender como essas batalhas microbianas se desenrolam.

Regras de combate

Se uma cepa bacteriana possui uma defesa como o Kiwa, nem todos os fagos serão eficazes contra ela. Alguns podem ser totalmente bloqueados. Mas outros, com as mutações certas, podem passar despercebidos. Isso significa que escolher ou criar o fago certo para a tarefa não é apenas uma questão de tentativa e erro – é uma questão de conhecer as regras de combate.

Estudar sistemas de defesa bacteriana como o Kiwa nos dá uma compreensão mais profunda dessas regras. Isso ajuda a explicar por que alguns fagos falham, por que outros têm sucesso e como podemos projetar melhores terapias com fagos no futuro. Com o tempo, poderemos ser capazes de prever quais defesas bacterianas uma determinada cepa possui e selecionar fagos que sejam naturalmente equipados – ou artificialmente ajustados – para superá-las.

Essa é a ideia por trás do nosso crescente projeto de coleção de fagos. Estamos reunindo fagos de todo o Reino Unido e além, incluindo enviados pelo público – água suja costuma ser uma mina de ouro –, e testando-os para ver quais podem superar as defesas montadas por bactérias perigosas. Com mais de 600 tipos já catalogados, estamos construindo um recurso que pode ajudar a orientar a futura terapia com fagos, combinando o fago certo com a infecção certa.

Mas o Kiwa é apenas uma peça do quebra-cabeça. As bactérias codificam muitos desses sistemas de defesa, cada um adicionando uma camada de complexidade — e oportunidade — a essa corrida armamentista microbiana. Algumas detectam o DNA viral diretamente, outras detectam danos ou estresse, e algumas até coordenam respostas com células vizinhas. Quanto mais aprendermos, mais precisamente poderemos intervir.

Esta não é uma guerra nova. Bactérias e fagos estão envolvidos nela há bilhões de anos. Mas, pela primeira vez, estamos começando a observar estas batalhas. E se aprendermos a navegar pelas estratégias que eles desenvolveram, poderemos encontrar novas maneiras de tratar as infecções que nossos antibióticos não conseguem mais combater.

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