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Compartilhamento de diretores em cooperativas pode afetar isenção decisória e transparência

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Compartilhamento de diretores em cooperativas pode afetar isenção decisória e transparência

Notícias recentes na mídia nacional chamaram a atenção para um antigo dilema do mundo financeiro: a informação privilegiada. Segundo dados da imprensa, transações no mercado de câmbio pareciam se relacionar com a divulgação de taxas de importação dos EUA. Se essa informação privilegiada existiu, pode ter sido obtida por meio de redes de relacionamento.

Mas esta não é a única situação em que os relacionamentos impactam. As redes sociais influenciam também no meio corporativo, principalmente por meio do Board Interlocking. Esta situação ocorre quando integrantes do Conselho Diretivo de uma organização participam da gestão de outra organização, ao mesmo tempo. Nessas posições de comando, informações obtidas em uma empresa podem influenciar na estratégia de outra, em função da Teoria da Dependência.

Além disso, em nítido conflito de interesse, um diretor pode influenciar diretamente decisões em uma organização, para beneficiar à outra. Por isso, o chamado Board Interlocking é desestimulado em uma série de dispositivos legais, com responsabilização para quem o utiliza de forma escusa.

Esses arranjos recebem pouca atenção em cooperativas. Acreditava-se até que a sua natureza societária tornava isso impossível. Mas a prática existe e impacta profundamente.

Transparência decisória é fundamental

As cooperativas têm como característica o controle democrático, onde os associados compartilham o mesmo peso decisório. É algo totalmente diferente de empresas mercantis, onde o peso do voto é proporcional ao capital investido. Este é um fator afetado pelo Board Interlocking, pois em organizações pautadas pela isonomia, a transparência decisória é fundamental.

Um levantamento realizado em uma região do Rio Grande do Sul, demonstra como cooperativas compartilham posições estratégicas nos Conselhos, com ênfase na posição da presidência. Conselheiros e diretores participam da administração de mais de uma cooperativa, mantendo relações comerciais ou operacionais.

Algumas cooperativas estabelecem um compartilhamento mais profundo do que aquele destacado na literatura tradicional. Em determinado caso, o principal grupo gestor da cooperativa que contrata serviços ou produtos, é o mesmo naquela que os fornece. Em ambos os lados da transação, são as mesmas pessoas que autorizam diretrizes para contratos (preços, condições de pagamento, etc.).

Entrevistas mostraram indícios de que esse compartilhamento faz parte de uma estratégia intencional. Isso afeta não apenas o conceito de liberdade econômica, mas também interfere em processos institucionais. Criam-se desde constrangimentos, passando por eventuais desconfianças até vantagens em pleitos eleitorais.

Em favor das boas práticas, empresas de auditoria deveriam ao menos solicitar a especificação como fato relevante; o que não foi percebido nos relatórios consultados. Seria uma exigência no mínimo prudente, já que seria exigido se um dia se tornasse objeto de análise de ato de concentração por parte do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Nesse caso, ele imediatamente solicita “uma lista dos membros dos seus órgãos de gestão que sejam igualmente membros dos órgãos de gestão ou de fiscalização de quaisquer outras empresas atuantes nas mesmas atividades econômicas” (Resolução 33, de 2022).

Se em empresas mercantis o compartilhamento de diretores é visto com ressalvas; em cooperativas a atenção deveria ser ainda maior. São diretores responsáveis pela gestão de um patrimônio de terceiros (associados), em uma organização cujas premissas deveriam ser transparência e isenção. Eventual desajuste oriundo dessas relações imbricadas tem efeitos nefastos, pois diferentemente de uma S/A onde a responsabilidade se estende até o valor da ação, no caso das cooperativas não é assim. Conforme a Lei das Cooperativas, o associado pode vir a ser chamado a compensar prejuízos.

Questão é mais comum do que parece

Há ainda um fato de interesse público envolvido. Algumas das cooperativas estudadas atuam em segmentos fortemente regulados, a exemplo do Financeiro e de Concessões de Serviços Públicos. Prestam conta a órgãos reguladores que exigem lisura e transparência.

Preocupa também o fato da prática ser menos exceção do que se imagina. O levantamento delimitado em uma região específica viabilizou o estudo; porém, novos estudos podem confirmar uma utilização mais ampla.

Uma rápida e sistemática pesquisa na Internet confirma o uso do artifício em outras regiões do Brasil, por grandes e tradicionais cooperativas. Por exemplo, em Campo Mourão (PR), Presidente e Vice-presidente de uma das maiores cooperativas do agronegócio do Sul, são também Presidente e Vice-presidente de outra Cooperativa de Crédito surgida no bojo na primeira, e que hoje também figura entre as maiores do país no seu ramo. Já no Sudeste, em Bebedouro (SP), o Presidente da maior cooperativa de Citricultores é Presidente de outra cooperativa de produtores; e não é o único Diretor compartilhado.

Embora não tenha sido objeto principal do estudo, detectamos que a prática também se alastra para Conselhos Fiscais, podendo impactar no grau de isenção ao fiscalizar. E da mesma forma que detectamos na região do levantamento; também há exemplos em outras regiões, como no Nordeste, onde o Conselheiro de Administração de uma grande cooperativa de crédito de Fortaleza (CE), ocupa, ao mesmo tempo, assento no Conselho Fiscal de uma das maiores cooperativas de serviços de saúde daquela região.

A governança em cooperativas precisa ir além de aspectos triviais de compliance, que observam apenas a conformidade à leis e normas. Precisa garantir padrões éticos que superem lacunas da legislação, promovendo uma cultura organizacional de real transparência, independentes da vontade da equipe de gestão.

O sistema cooperativo tem sete princípios globais, entre os quais, a intercooperação. Esta deve ser voluntária, por crença na filosofia da cooperação; não baseada em relações instrumentais ou substitutivas de confiança.

Portanto, a prática do Board Interlocking deve ser repensada e, até lá, acompanhada com rigor quanto aos seus riscos e influências. Para o sistema cooperativo, este Ano Internacional das Cooperativas que lhe confere maior visibilidade, deve ser tempo de olhar para o que é necessário ajustar. Só transparência verdadeira permitirá que continue contribuindo para o desenvolvimento, com credibilidade.

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