Os navios de combate litoral da classe Independence: USS Tulsa (LCS 16), à direita; USS Manchester (LCS 14), ao centro; e USS Independence (LCS 2), à esquerda, navegam em formação no Oceano Pacífico, em 27 de fevereiro de 2019. Essas embarcações estão entre os quatro tipos de navios de guerra que, segundo informações, foram enviados à região do Caribe. Foto: U.S. Pacific Fleet, via Flickr (CC BY-NC 2.0).
No extremo sul de Trinidad, o vilarejo de Icacos fica a menos de 15 quilômetros da Venezuela. Em dias claros, é possível avistar a costa do país sul-americano. Durante décadas, as águas entre os dois territórios foram cenário do constante vai e vem da pesca e do comércio em pequena escala. Hoje, porém, elas se encontram em uma delicada linha geopolítica que ameaça o sustento e a segurança da comunidade.
Nos últimos meses, o governo dos Estados Unidos intensificou as operações militares no sul do Caribe, enviando navios de guerra e aeronaves de operações especiais a áreas próximas às águas venezuelanas. Já o governo da Venezuela alertou que países vizinhos, como Trinidad e Tobago, podem se tornar alvos caso considerem que sua soberania foi violada. Para as comunidades fronteiriças de Trinidad, isso não representa um problema abstrato de política externa: traz consequências muito reais para a segurança cidadã, a governança local e o desenvolvimento.
Cresce a pressão sobre segurança nas comunidades costeiras
Pescadores de vilarejos como Icacos e Cedros dizem que estão evitando áreas de pesca mais distantes da costa. “Os Estados Unidos estão lá, e o exército venezuelano diz que aumentou sua presença, então é preciso ter cuidado. A qualquer momento, se estiver no mar, você pode ser atingido”, contou um pescador à Associated Press. Essa decisão reflete o medo de ser pego no fogo cruzado. Quando o patrulhamento, as embarcações militares e a vigilância se intensificam, pequenos pescadores perdem acesso às zonas onde tradicionalmente pescam. A produção cai, a renda diminui e o resultado é uma ameaça direta aos meios de subsistência, que, por sua vez, enfraquece a resiliência local e aumenta a vulnerabilidade ao crime, à tensão social e à instabilidade.
Trinidad e Tobago abriga a maior concentração per capita de imigrantes venezuelanos no Caribe, muitos deles chegando pelo mar em condições precárias. O aumento da atividade militar ao longo da costa eleva o risco de erros de identificação no mar, sobretudo em áreas marítimas onde atividades civis e ilícitas se confundem.
O contrabando de armas, drogas e combustível nas águas ao sul de Trinidad há muito representa um desafio para as forças de segurança locais. A região sul do país está profundamente inserida em redes informais, em parte devido à proximidade geográfica com a Venezuela. Pescadores locais, por exemplo, podem acabar atuando em áreas também utilizadas por contrabandistas, o que os torna vulneráveis a operações de forças de segurança estrangeiras. Embora essas operações tenham como alvo redes criminosas transnacionais, em um ambiente militarizado, a linha entre civil e suspeito pode se confundir, gerando tensão, confusão e medo entre trabalhadores costeiros legítimos, para os quais a possibilidade de serem envolvidos em ações de repressão torna-se uma preocupação cotidiana.
Vínculo entre desenvolvimento e segurança cidadã
A intersecção entre o agravamento das tensões de segurança e o bem-estar local é especialmente crítica nas pequenas comunidades costeiras. Quando populações que vivem em áreas de fronteira enfrentam perturbações em seus meios de subsistência e riscos crescentes, seja pela redução da pesca ou por fluxos migratórios precários, o tecido social começa a se desgastar. Em toda a região, comunidades costeiras e fronteiriças vêm enfrentando dificuldades diante da intensificação das tensões globais e regionais ligadas à segurança.
Ao longo da fronteira entre a República Dominicana e o Haiti, por exemplo, a construção de uma cerca militarizada em 2022 e o envio de forças de segurança adicionais interromperam antigas redes de comércio informal e enfraqueceram a coesão social entre moradores da região fronteiriça. Da mesma forma, cartas abertas recentes enviadas por organizações da sociedade civil regional ao atual presidente da Comunidade do Caribe (CARICOM, na sigla em inglês), o primeiro-ministro da Jamaica, Andrew Holness, alertaram que o aumento da presença militar estrangeira no mar do Caribe ameaça minar meios de subsistência que dependem do livre acesso marítimo, especialmente os de pescadores artesanais.
Além das pressões geopolíticas, a securitização também afetou as economias locais por meio de medidas de controle interno. Na Reserva Marinha de Soufriere/Scotts Head, em Dominica, por exemplo, o aumento da vigilância e o endurecimento das exigências para a obtenção de licenças na área protegida, originalmente voltadas à conservação ambiental, modificaram o acesso tradicional à pesca e geraram tensões entre as comunidades costeiras e as autoridades de fiscalização.
Padrões semelhantes também foram observados em outras partes do mundo. Na África do Sul, pescadores artesanais da cidade portuária de Durban foram impedidos de acessar o porto à medida que zonas marítimas passaram por um processo de securitização, o que corroeu seus meios de subsistência e a coesão social. Da mesma forma, comunidades ao longo das fronteiras entre a Índia e o Paquistão, e entre o Paquistão e o Afeganistão, enfrentam restrições de circulação, pressões ligadas ao contrabando e enfraquecimento do capital social local, resultado da militarização prolongada e do baixo investimento estatal.
O fato é que escolas, serviços de saúde e estruturas de governança local não foram projetados para lidar com pressões repentinas decorrentes de dinâmicas militarizadas. O termo “segurança cidadã” refere-se à condição de estar livre da ameaça de violência ou de privação e abrange dimensões objetivas e subjetivas. Aplicado a esse contexto e à vida cotidiana, está centrado na capacidade de viver, trabalhar e deslocar-se livremente, sem medo de ser envolvido em conflitos externos ou de tornar-se alvo durante operações de segurança. Assim, quanto mais as tensões se intensificam, mais difícil se torna preservar uma sensação de segurança no dia a dia, essencial para o desenvolvimento e a confiança cívica.
Para o governo de Trinidad e Tobago, o desafio é especialmente delicado. Por um lado, o Estado apoia o reforço das medidas de controle de fronteira e a cooperação internacional; por outro, reconhece que a república das ilhas gêmeas não deseja envolver-se diretamente em um confronto militar entre Estados Unidos e Venezuela, embora o risco de ser arrastada para ele seja real.
Em nível regional, a CARICOM tem feito repetidos apelos para que o Caribe permaneça uma zona de paz. Na prática, isso significa que Trinidad e Tobago precisa conciliar dois imperativos: garantir a segurança cidadã e a resiliência do desenvolvimento, enquanto preserva a soberania e evita tornar-se um peão na disputa entre grandes potências.
A pressão sobre as comunidades locais costuma passar despercebida na diplomacia de alto nível. Enquanto líderes governamentais participam de negociações formais sobre segurança regional, as realidades cotidianas de moradores de lugares como Icacos e Cedros raramente são mencionadas na conversa. Seja para pescadores que perdem o acesso às águas das quais dependem há gerações, seja para famílias que não sabem como ações externas afetarão seu deslocamento, os custos sociais são concretos e, sem atenção dedicada das autoridades governamentais, essas populações correm o risco de se tornarem invisíveis em uma narrativa de segurança da qual não escolheram fazer parte.
O que pode fortalecer a resiliência?
Com o aumento das tensões nas águas ao sul de Trinidad, a resiliência das comunidades fronteiriças não pode depender apenas do planejamento de longo prazo. É necessária uma ação imediata e coordenada para reduzir riscos e fortalecer a segurança pública diante da incerteza.
Uma medida prática seria implementar ações de resposta rápida em áreas costeiras de alto risco, especialmente onde a atividade civil se sobrepõe à intensificação das operações de segurança. Mecanismos locais poderiam atuar de forma coordenada para definir corredores de pesca seguros, fornecer orientações claras aos operadores de embarcações e criar sistemas de check-in móveis para reduzir o risco de identificações equivocadas no mar. Reforçar a comunicação em tempo real entre autoridades e moradores também ajudaria a conter o medo, a desinformação e a sensação de abandono das comunidades diante da situação.
Em nível regional, mesmo quando o alinhamento diplomático formal é limitado, os países do Caribe ainda podem manter uma coordenação discreta e pragmática em torno de preocupações de segurança comuns. Isso pode incluir protocolos de segurança marítima, intercâmbio de informações de inteligência e planos de contingência para proteger vidas civis caso o ambiente de segurança se deteriore ainda mais.
Nessa fase, a colaboração nos bastidores pode ser mais viável do que declarações públicas. Ainda assim, sinaliza que a região reconhece o que está em jogo para pequenas comunidades expostas às linhas de fratura de conflitos externos. Ao priorizar intervenções práticas e centradas nos cidadãos, em vez de aguardar resoluções diplomáticas, os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID) podem ajudar a garantir que populações locais não permaneçam vulneráveis diante do aumento das tensões geopolíticas.
Manter-se firme em casa
Para a população do sul de Trinidad, tensões militares entre dois vizinhos poderosos não são uma questão internacional distante. À medida que a situação se desenrola em águas que antes sustentavam meios de subsistência e garantiam estabilidade, o desafio agora é assegurar que, ao responder a preocupações mais amplas de segurança, a região não negligencie justamente as comunidades mais vulneráveis.
Como qualquer território dos PEID sabe, desenvolvimento e segurança são indissociáveis: proteger um depende de salvaguardar o outro. À medida que as condições se transformam, também deve evoluir a resposta, com atenção e urgência voltadas às realidades locais. Só assim comunidades como Icacos, Cedros e localidades próximas poderão preservar a estabilidade diante das tempestades que se formam em alto-mar.

