O artigo abaixo é fruto de uma parceria do The Conversation Brasil com o movimento Ciência e Vozes da Amazônia na COP-30, criado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) com o objetivo de ampliar a participação de populações ribeirinhas e povos originários da região no processo das negociações climáticas que ocorrerão durante a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém, ampliando a visibilidade das propostas de soluções para combater os efeitos do aquecimento global que estão sendo gestadas na região.
As mudanças climáticas atingem indiscriminadamente a todos, mas os impactos negativos são sofridos desigualmente em desfavor da parcela populacional vulnerável: pobres, negros e populações tradicionais. Apesar disso, existe uma ausência — ou mesmo desprezo — de políticas públicas ambientais para este contingente populacional.
Isso é o racismo climático, que sujeita grupos sociais vulneráveis à maior impactação das mudanças do clima e está umbilicalmente vinculado à questão de raça, etnia, gênero, condição socioeconômica e territorialidade/localização geográfica. O racismo climático leva à injustiça climática, já que essa parcela populacional em nada (ou muito pouco) contribui para as mudanças do clima.
COP 30 e a luta por justiça climática
A realização da COP 30 em Belém, na Amazônia, entre 10 a 21 de novembro deste ano, é uma oportunidade para que o Brasil exija dos países desenvolvidos o financiamento climático, com transferências financeira e tecnológica, para enfrentamento das alterações do clima em favor das populações tradicionais da Amazônia.
Com o financiamento por meio de transferências financeira e tecnológica, será possível implementar programas, projetos e políticas públicas que beneficiem ribeirinhos, indígenas e quilombolas, além da parcela vulnerável de moradores das zonas marginais ao meio urbano — especialmente áreas sazonalmente alagadas, chamadas baixadas —, composta de pobres, pessoas não-brancas, famílias geralmente chefiadas por mulheres e outros vulneráveis.
Mitigar e adaptar as populações vulneráveis às mudanças climáticas nada mais é do que justiça climática. Com ela, pode-se evitar, por exemplo, que as populações tradicionais amazônicas sofram prejuízo de vida, como ocorreu recentemente em duas secas consecutivas severas nos rios amazônicos, em 2023 e 2024.
Como os rios são o único meio de transporte e comunicação local, essas secas deixaram os ribeirinhos sem navegação, o que impossibilitou o acesso a alimentos, saúde e escolas. A economia de muitas comunidades que vivem do turismo ecológico de base comunitária também foi fortemente abalada, além de outros impactos negativos, devido ao isolamento a que foram condenados.
Os caminhos da discussão ambiental rumo à justiça climática
A preocupação com a sustentabilidade não é de hoje. O embrião está em 1896, quando o químico sueco Svante Arrhenius evidenciou as consequências da duplicação da quantidade de dióxido de carbono (CO2) sobre a temperatura da Terra.
Mais próximo a nós, em 1968, o chamado Clube de Roma, formado por um grupo de líderes empresariais, cientistas, acadêmicos e diplomatas, preocupados com a sociedade industrial, construíram um documento visionário denominado “The Limits to Growth”, no qual propuseram soluções para um futuro sustentável.
Em 1972, na Conferência das Nações Unidades sobre Meio Ambiente, foi produzido um marco global para a sustentabilidade: a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, que estabeleceu as bases fundantes para proteção do meio ambiente e do bem estar humano. A Declaração estabeleceu a interdependência entre desenvolvimento e meio ambiente em uma expressão: desenvolvimento sustentável.
Todavia, o documento-chave para a sustentabilidade reside no que se chama Carta do Clima da ONU, composta por três outros documentos universais: a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (1992); o Protocolo de Quioto (1997); e o Acordo de Paris (2015).
A Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, ou simplesmente COP (Conferência das Partes), foi um dos cinco documentos globais resultantes da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida também como Rio-92 (porque realizada no Rio de Janeiro em 1992). A COP é uma reunião global entre países, entidades internacionais, representantes da sociedade civil e corporações empresariais que se preocupam com o enfrentamento das mudanças climáticas.
O Protocolo de Quioto, produzido na 3ª COP, é o primeiro tratado internacional voltado ao combate à emissão de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera.
Já do Acordo de Paris, produzido na COP 21, em 2015, resultou no acerto de estabelecimento de governança global e de políticas públicas que limitassem o aumento da temperatura global em 1,5º C em relação aos níveis pré-industriais. Os países signatários se comprometeram a reduzir as emissões de GEE e, para tanto, criaram as Contribuições Nacionais Determinadas (NDC).
Todos esses documentos universais têm como foco o enfrentamento das mudanças climáticas, o que implica em governança, ações estruturais e políticas públicas com o fim de implementar estratégias de mitigação e adaptação às alterações do clima.
A mitigação significa mudanças de comportamento e inovações tecnológicas que reduzam os GEE e incrementem processos que os removam da atmosfera. Já a adaptação é a instituição de medidas que reduzam a vulnerabilidade dos sistemas naturais e dos seres humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança climática.
A COP 30, a ser realizada na Amazônia, terá como direcionamento mais especifico a revisão das metas do Acordo de Paris, já que muitos países não têm cumprido seus compromissos. A Conferência também terá o objetivo de discutir as necessidades dos países mais vulneráveis para o enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas.
E essa discussão se desdobra na responsabilidade do Norte Global — de onde vem a grande maioria dos GEE emitidos na atmosfera — de financiar a implantação de infraestrutura resiliente e tecnológica de mitigação e adaptação às alterações climáticas. É fundamental que se discutam, por exemplo, ações e políticas em áreas como energia renovável ou transição justa para a economia verde.
Guardiões da sustentabilidade
Na “COP da Floresta”, é preciso que a população mundial se lembre de que o bioma Amazônia presta serviços ambientais ao planeta que permitem a sobrevivência de vidas humanas e não-humanas. Regulação do clima, sequestro de carbono, abrigo da maior biodiversidade do planeta e formação de rios voadores que contribuem com as chuvas no Sudeste e Sul brasileiros e na América do Sul são alguns dos serviços ambientais providos pela Amazônia.
A preservação desta realidade tem a viva contribuição das populações tradicionais, com seus modos de vida e práticas de atividades e de economia sustentáveis, que respeitam os ciclos biológicos e a biodiversidade da região. Porque protagonizam a sustentabilidade ambiental amazônica, na COP 30 as comunidades tradicionais merecem o respeito do olhar internacional e a garantia de que o Norte Global contribua para a conservação e preservação dos ecossistemas e biomas do planeta. Só assim evitaremos o ponto de não retorno, que ameaçaria a própria existência humana.