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COP da Amazônia catalisou soluções, mas Brasil ainda lida com devastação e excesso de desinformação climática

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COP da Amazônia catalisou soluções, mas Brasil ainda lida com devastação e excesso de desinformação climática

A crise climática é um dos maiores desafios civilizacionais do século XXI. Suas manifestações são múltiplas e desiguais, afetando de modo intenso as regiões periféricas do capitalismo global, como o Brasil, que concentra riquezas naturais de valor inestimável, mas historicamente submetidas a dinâmicas predatórias. O país ocupa uma posição estratégica na mitigação das mudanças climáticas, mas esse potencial de liderança contrasta com uma trajetória marcada por retrocessos ambientais, desmonte institucional, conflitos fundiários e aceleração do desmatamento. A realização da COP 30 em Belém funcionou como um evento catalizador de possíveis soluções para a crise do clima, mas também de proliferação de desinformação.

O desmatamento é um dos principais vetores da crise climática no Brasil. O bioma Amazônico, responsável por regular o ciclo hidrológico continental e por sequestrar grandes volumes de CO₂, vem sendo sistematicamente degradado por práticas ilegais de grilagem, pecuária extensiva, mineração predatória e exploração madeireira. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), entre 2019 e 2021, o desmatamento anual ultrapassou os 10 mil km², representando um aumento de 56,6% em relação ao triênio anterior.

A destruição de áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação, compromete não apenas a biodiversidade, mas também os serviços ecossistêmicos essenciais à vida. Entre 2019 e 2021, o desmatamento em Terras Indígenas cresceu 153% e, nas Unidades de Conservação, 63,7%.

Em contraposição às informações do período entre 2019 e 2022, os dados mais recentes convergem para uma queda no desmatamento, mas ainda com altos índices na Amazônia e, sobretudo, no Cerrado. Segundo o sistema PRODES do INPE, a taxa estimada de desmatamento na Amazônia em 2024 foi de 6.288 km², o que representa uma redução de cerca de 30,6% em relação a 2023, alcançando o menor valor em mais de uma década; no Cerrado, o PRODES também registrou queda de 25,7% na perda de vegetação nativa em 2024, consolidando a reversão da curva de alta observada nos anos anteriores.

Na Amazônia, o Sistema de Alerta de Desmatamento-SAD do Imazon registrou uma forte redução ao longo de 2024 em comparação com 2023, com boletins que apontam, por exemplo, 119 km² desmatados em fevereiro de 2024, um queda de 64% em relação a fevereiro de 2023, e 124 km² em março de 2024, também com redução de 64% frente a março do ano anterior; em dezembro de 2024, o SAD detectou 85 km² desmatados, 21% a menos que em dezembro de 2023, evidenciando uma tendência anual de desaceleração, embora já se observe leve recrudescimento em 2025. Em fevereiro deste ano, por exemplo, houve um aumento de 2% no desmatamento em relação a fevereiro do ano anterior.

No Cerrado, o SAD Cerrado operado pelo IPAM estimou que, em 2024, foram suprimidos cerca de 712 mil hectares de vegetação nativa, uma redução de 33% em relação a 2023 (quando o bioma perdeu aproximadamente 1 milhão de hectares), mas ainda equivalente a uma área maior do que o Distrito Federal, o que mantém o bioma sob forte pressão agropecuária e climática.

Um dos conceitos centrais para compreender a gravidade da situação amazônica e de outros biomas, é o de ponto de não retorno (“tipping point”). Trata-se de um limiar crítico a partir do qual a floresta entra em colapso ecológico, perdendo sua capacidade de regeneração e transformando-se progressivamente em uma savana. Uma pesquisa publicada na Nature, em 2022, afirma que o desmatamento associado aos efeitos das mudanças climáticas – períodos estendidos e mais frequentes de seca – pode já ter feito a floresta amazônica atingir um estado de desequilíbrio irreversível, capaz de transformá-la em savana em apenas algumas décadas. Isso significa que a Amazônia perdeu 75% de sua resiliência desde o início dos anos 2000, aproximando-se do ponto de não retorno.

Nesse contexto, uma variável intermitente tem contribuído para agravar os danos à natureza no Brasil. Tal variável se consolida como um fenômeno mercadológico, coletivo e social de produção e circulação de desinformação.

Percepções públicas, lacuna informacional e desinformação sobre o clima

Apesar da crescente visibilidade da crise climática, a compreensão pública sobre suas causas e consequências ainda é limitada. Pesquisa do IBOPE aponta que, embora 77% dos brasileiros considerem o aquecimento global um tema muito importante, apenas 25% afirmam saber muito sobre o assunto. O grau de informação está diretamente relacionado à escolaridade, à faixa etária e ao acesso à internet, o que revela uma profunda desigualdade informacional.

No Brasil, a desinformação climática se articula em um complexo ecossistema de atores políticos, empresariais e midiáticos, que se utilizam das brechas comunicacionais, das desigualdades estruturais e da concentração de meios para difundir narrativas negacionistas ou relativizadoras. Como aponta o relatório Amazônia Livre de Fake, trata-se menos de uma disputa sobre o que é verdadeiro ou falso e mais uma estratégia de dominação econômica.

Esse ambiente repercute no comportamento social. Segundo a pesquisa Datafolha, de abril de 2025, embora 88% dos brasileiros reconheçam os riscos associados às mudanças climáticas, o número de negacionistas saltou de 5% em junho de 2024 para 9% em abril de 2025. Esse crescimento ocorre justamente em meio à multiplicação de eventos extremos, o que indica que o impacto da tragédia não é suficiente para gerar consenso social ou mobilização efetiva.

As plataformas digitais têm papel ativo nessa amplificação: impulsionamento pago, baixa transparência na moderação de conteúdo e facilidades para sites anônimos criarem terreno fértil para campanhas coordenadas de desinformação, além dos potenciais incentivos ofertados pelos modelos de negócios das plataformas, a partir da recomendação e da monetização.

A disputa em torno da legislação ambiental é, também, profundamente marcada por estratégias desinformativas. O relatório do Instituto Democracia em Xeque evidencia que as campanhas de descredibilização, misoginia e fake news contra autoridades ambientais buscam associar a proteção ambiental a uma suposta ameaça ao desenvolvimento, criando um falso antagonismo entre sustentabilidade e prosperidade econômica. Tal narrativa, frequentemente alimentada por interesses do agronegócio e setores industriais, reforça a legitimação da flexibilização de regras ambientais em nome de projetos considerados “estratégicos” para o país.

Um exemplo recente desses interesses e ações envolvendo atores internacionais, foi divulgado por uma reportagem do The Guardian que revelou que a ExxonMobil financiou a rede de think-tanks da Atlas Network, visando semear negacionismo climático na América Latina, com o intuito explícito de enfraquecer o apoio de países em desenvolvimento às negociações das Nações Unidas sobre clima.

O Dossiê Integridade da Informação publicado pelo Observatório da Integridade da Informação Climática apresenta a desinformação como uma nova face do financiamento para supostas soluções da crise climática, o que por si só, carrega todas as incongruências do processo e tal prática se reproduz no Brasil.

Desinformação climática no Brasil

A ubiquidade das redes digitais é um traço distintivo da desinformação climática contemporânea. Temas conspiratórios circulam entre grupos antivacina, esoterismo e discursos de “globalismo”, mostrando que o negacionismo climático integra uma ecologia comunicacional mais ampla.

A desinformação corrói a confiança pública, alimenta a polarização e o ceticismo científico, gera confusão e facilita a rejeição de consensos. Isso favorece soluções ineficazes ou danosas ao meio ambiente e dificulta políticas baseadas em evidências.

Nossa pesquisa identificou 1.312 ocorrências nas plataformas Facebook, X, YouTube e Bluesky entre junho de 2024 e junho de 2025 envolvendo meio ambiente e crise climática, que mesclam informações e desinformações. Entre os temas de maior alcance, destaca-se o negacionismo da crise/mudança climática.

O contexto brasileiro, revela-se marcado pela recorrente pauta da suposta internacionalização da Amazônia e por uma suposta antítese entre preservação e desenvolvimento, ilustra uma adaptação local das estratégias de desinformação internacional, que historicamente questionam a existência e gravidade das mudanças climáticas.

Enquanto os “ToxicTen” identificados pelo Centro de Combate ao Ódio Digital-CCDH exploram teorias conspiratórias globais sobre o aquecimento ser uma farsa orquestrada por interesses financeiros, no que se denomina de velho negacionismo, no Brasil há uma sobreposição a discursos nacionalistas que defendem a soberania territorial como elemento-chave para mobilizar o público. A conjunção entre negação climática, aceitação das mudanças, mas sem consenso sobre as consequências e protecionismo geopolítico legitima, assim, narrativas alarmistas contra comunidades tradicionais, transformando fatos científicos em tema de debate político ideológico.

A desinformação climática também se manifesta e se intensifica na banalização dos riscos de eventos extremos, secas, inundações e desertificação, que afetam de modo mais intenso as populações periféricas. Tal fenômeno tem sido observado em eventos como as cheias no Rio Grande do Sul em 2024 e o tornado em Santa Catarina em 2025. A desinformação, portanto, não é apenas uma ameaça abstrata, mas um fator real de aumento do risco social e ambiental.

Em nossa conclusão destacamos que, embora haja uma consonância de estratégias gerais e temas globais entre os desinformadores climáticos brasileiros e internacionais, a presença de elementos genuinamente nacionais, destaca a necessidade de estratégias específicas para combater eficazmente a desinformação climática no Brasil.

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