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Corrigindo o rumo: o jogo geopolítico de Trump e a reaproximação de Putin

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Corrigindo o rumo: o jogo geopolítico de Trump e a reaproximação de Putin

A atuação de Donald Trump frente ao conflito na Ucrânia alcançou seu turning point com os encontros de alto nível entre a diplomacia russa e norte-americana em Riad, na Arábia Saudita, em fevereiro, para discutir o fim do conflito.

Sem representantes ucranianos e europeus, a nova administração de Washington indicou que a solução do conflito não passaria necessariamente por Kiev e Bruxelas.

A administração de Joe Biden foi catastrófica para os interesses norte-americanos sob o ponto de vista geopolítico. Sua tentativa de estrangular ainda mais a Rússia pela invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022, por meio do congelamento de bilhões de dólares em ativos depositados em bancos ocidentais e da exclusão da Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT em inglês), serviu para Moscou se adaptar ao novo cenário econômico desfavorável que surgiu.

Para enfrentar o novo desafio, Vladimir Putin estreitou laços com Pequim, Pyongyang e Teerã, criando um cenário desconfortável para Washington, que viu adversários históricos se aproximarem da Rússia. Diante desse quadro, o pragmatismo geopolítico de Washington parece ser o novo objetivo de Donald Trump, e ele está correto.

O que parece ser uma mudança considerável na política externa norte-americana (ataques à Organização do Tratado do Atlântico Norte/OTAN e reavaliação do papel da Europa para os EUA) sob o comando de Donald Trump, segundo analistas, é, na realidade, uma correção de rumo da administração Biden.

A transformação de um embate que deveria ter ficado no âmbito regional (a invasão da Crimeia em 2014 e do leste da Ucrânia em 2022) acabou se tornando um conflito com repercussões geoeconômicas internacionais.

A reaproximação entre Washington e Moscou coloca Donald Trump como um articulador pragmático e ciente dos efeitos provocados pelas “hipersanções” contra a Rússia. Vale lembrar que, na primeira administração Trump, foram aplicadas sanções contra Moscou.

Como solucionar o aumento da importância do BRICS, a formação do eixo Moscou-Pequim que se consolidou nos últimos três anos, a aproximação entre russos, norte-coreanos e iranianos, além da conscientização de que a dependência do dólar deve ser diminuída no longo prazo pelo Sul Global, por exemplo?

Este é o quadro que deve ser analisado na atual postura de Donald Trump. Washington está ciente de que os estragos feitos no período afetam os interesses dos EUA.

Também é verdade que o atual mandatário dos EUA possui uma atuação, no mínimo, controversa em vários temas que não obedecem a uma lógica de fácil entendimento para o público em geral. Vamos analisar alguns aspectos que marcam a atuação de Donald Trump neste início de segundo mandato.

O elevado número de sanções contra a Rússia e sua expulsão do SWIFT após 2022 obrigaram Moscou a criar mecanismos para suportar a pressão imposta por Washington e Bruxelas.

Certamente Vladimir Putin não esperava o alto nível de retaliação do Ocidente após a segunda onda de invasão da Ucrânia. Um aspecto fundamental para a sobrevivência de Moscou foi sua “Parceria Estratégica” com a China.

Sendo os EUA um rival importante, principalmente na questão taiwanesa, Pequim sabe que a Rússia desempenha um papel relevante na disputa geopolítica ao seu lado. Dessa forma, uma parceria de alto nível, nunca vista em tempos soviéticos, pode se concretizar.

Duas potências nucleares, uma delas figurando entre as principais economias do mundo e com um projeto geopolítico consistente e disposto a encontrar um papel proeminente no sistema internacional, configuraram-se como um dos principais problemas geopolíticos para os EUA nesta segunda década do século XXI.

A expansão do BRICS é outro componente importante neste cenário desafiador para os EUA e para Donald Trump. O líder norte-americano tem a noção exata do problema do BRICS+, sua nova versão expandida.

Por se apresentar como uma proposta de novo posicionamento de inúmeros países emergentes em seus variados estágios agora no cenário internacional, possui um soft power importante do ponto de vista da propaganda.

Além disso, conta com estruturas econômicas de acesso mais fácil, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e a Nova Rota da Seda, patrocinada pela China.

Ao mesmo tempo, esses países passaram a perceber de maneira mais intensa a importância da diminuição do dólar no comércio internacional no longo prazo. As hipersanções e a exclusão total da Rússia do SWIFT demonstraram o perigo da dependência de um sistema baseado na moeda de um único país.

Mas isso não é novo; vários países já estavam usando suas moedas no comércio intra-BRICS. O avanço das discussões sobre um sistema de pagamento alternativo ao SWIFT, por exemplo, é fruto do cerco do eixo Washington-Bruxelas a Moscou.

Outro aspecto que deve ser mencionado é que os ataques de Donald Trump à União Europeia e à OTAN não são novos. Desde seu primeiro mandato, Trump já reclamava dos poucos gastos dos parceiros europeus com sua própria defesa. O que mudou foi o cenário.

À luz da lógica, o dinheiro gasto pelo contribuinte norte-americano com o conflito russo-ucraniano foi escandaloso. Imagine uma sociedade com uma série de problemas sociais e orçamentários vendo o dinheiro de seus impostos indo para o outro lado do Atlântico, às portas da Rússia, para financiar uma guerra que não faz o menor sentido para o público interno.

Mesmo com uma máquina de propaganda pró-financiamento atuando o tempo todo dizendo o contrário, o contribuinte norte-americano não acreditou nisso e deu uma vitória ampla a Donald Trump contra Joe Biden.

Donald Trump, atuando pragmaticamente, é o maior obstáculo à lógica beligerante de setores euro-americanos. Apesar das inúmeras críticas que possam existir à liderança de Trump em vários setores, fato é que sua atual política externa para o conflito russo-ucraniano é a mais lógica para os interesses geopolíticos imediatos dos EUA.

O sinal é claro: que os europeus cuidem de sua segurança sem recursos norte-americanos e que os russos cuidem de seu espaço pós-soviético. Ao mesmo tempo, Washington deve desestimular ou enfraquecer mais ações antissistêmicas, como as parcerias sino-russas, Moscou-Pyongyang ou russo-iranianas.

Há muito o que corrigir. Agora é esperar a próxima movimentação de Donald Trump no xadrez geopolítico.

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