A V Cúpula Presidencial Amazônica de Bogotá, realizada no final de agosto, representa uma inflexão no debate sobre o futuro da maior floresta tropical do mundo, ao mesmo tempo em que expõe as persistentes tensões entre a retórica climática e os interesses geoestratégicos e econômicos dos países amazônicos. Como observador próximo do arranjo geopolítico regional, registro que a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) buscou, neste encontro, repaginar seu papel frente a novos desafios globais.
Destaca-se como avanço o compromisso em institucionalizar a participação formal dos povos indígenas nos processos de tomada de decisão no âmbito da OTCA. A presença de representantes indígenas, cada qual ao lado de um emissário governamental por país, inaugura uma nova dinâmica de cogestão, configurando um marco nas relações entre Estados nacionais e povos originários na arena internacional.
Impasse sobre combustíveis fósseis foi notório
Essa conquista resulta da intensa mobilização dos próprios indígenas, aliados a organizações da sociedade civil pan-amazônica. Ainda assim, permanece a lacuna relativa à inclusão de outros segmentos tradicionais, como comunidades negras, quilombolas e povos ribeirinhos, frequentemente preteridos das instâncias decisórias.
O impasse sobre combustíveis fósseis foi notório. Enquanto a proposta de declarar a Amazônia “livre de esses combustíveis”,proposta colombiana para a COP 30, ganhou corpo entre atores científicos e indígenas, a declaração oficial dos chefes de Estado evitou qualquer compromisso concreto.Optou-se por manter a retórica de “transição energética justa, ordenada e equitativa”, demonstrando a resiliência das divergências nacionais.
Países como Venezuela, Equador e Peru reiteraram a centralidade do petróleo, gás e carvão em suas economias. Simultaneamente, o principal ator regional, o Brasil, manteve posição ambígua: aspirando liderança internacional na agenda climática em razão da COP30, mas aprofundando sua própria fronteira de exploração petrolífera na Bacia Amazônica.
19 novas autorizações de exploração na Amazônia em 2025
Cabe lembrar que, apenas este ano, já foram autorizadas licitações para 19 novos blocos situados próximos ao delta do Amazonas. Tal fato evidencia o paradoxo fundamental enfrentado pelos países da região: conciliar agendas de desenvolvimento e expectativas de transição energética em um contexto de dependência econômica dos fósseis. De outro lado, organizações indígenas internacionais – International Work Group for Indigenous Affairs (IWGIA), International Indian Treaty Council (IITC), Indigenous Peoples Rights International (IPRI)- endereçaram cartas públicas à OTCA, sinalizando a distância entre os anseios das bases e os avanços reais obtidos no plano diplomático.
Outro eixo de decisões refere-se à segurança regional. O anúncio da inauguração, em junho, do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazonia (Manaus), visa combater atividades ilícitas transfronteiriças que ameaçam a integridade da floresta: desde organização criminosa ao tráfico, mineração ilegal e grilagem. Medidas voltadas à rastreabilidade do ouro e integração de dados sob os auspícios da Convenção da ONU contra o Crime Organizado marcam novo patamar de articulação regional, embora ainda careçam de implementação concreta.
Por fim, a agenda financeira ganhou destaque com a proposta, inspirada no Fundo para Florestas Tropicais (TFFF), de planejar mecanismos de remuneração internacional para países que preservem áreas extensas de floresta, além dos tradicionais mercados de carbono. Diante da realização da COP30 em Belém, tal política coloca pressão sobre países desenvolvidos para que assumam compromissos financeiros proporcionais ao seu passivo histórico em emissões.
A Cúpula de Bogotá renovou institucionalmente consensos regionais, especialmente ao reconhecer o cogoverno indígena e propor instrumentos de justiça financeira. Porém, explicitou os limites impostos pelos interesses nacionais no tocante a combustíveis fósseis, tornando a próxima COP30 um teste decisivo para a credibilidade dos compromissos assumidos em defesa da Amazônia.