De pequeno porte, com pelo preto e branco, bigodes de competição e um olhar comovente, Añemó, que na língua kamentsá significa “ser forte”, entrou na minha vida em 7 de agosto de 2021, durante um ano decisivo na minha história pessoal, intelectual e acadêmica. Tinha começado o meu doutorado em Direito poucos meses antes, com uma bolsa de estudos da Universidad del Rosario em Bogotá, na Colômbia, onde assumi o desafio de noticiar, através das lentes jurídicas, outras formas de estar no mundo.
Añemó. Foto do autor, compartilhada com sua autorização.
Em 2020, encontrei pela primeira vez, o povo Awá, uma comunidade binacional da selva vivendo entre a Colômbia e o Equador, que abriu as portas para Katsa Su, a sua Casa Grande, como eles chamam em awapit, a língua deles.
De acordo com os Awá, tudo que habita Katsa Su é gente. A árvore que sangra, o riacho que olha ao redor, os pássaros que orientam com seu canto; todos eles coabitam quatro mundos: o primeiro, dos seres menores como formigas ou tatus; o segundo, o que os Awá pisam; o terceiro, onde os espíritos habitam e, quarto, o lugar do criador.
Para os Awá, a Katsa Su é a mãe que cuida e provê, mas que também nos faz ficar doentes quando seus limites e códigos sagrados não são obedecidos. Por exemplo, quando não pedimos permissão na primeira vez que encontramos um rio ou quando ela se recusa a ser visitada, as pessoas se perdem nas suas profundezas.
Através do povo Awá e da Katsa Su, aprendi um estilo de vida diferente. Também aprendi o conceito do Wat Uzán, viver lindamente, de um povo que vem sendo atacado desde a conquista espanhola, e mais recentemente, de 1990 a 2016, durante o conflito armado na Colômbia. Em 2019, a Justiça Especial para a Paz da Colômbia (Jurisdicción Especial para la Paz), que foi criada em 2017 para levar justiça para as vítimas do conflito armado, declarou seu território vítima da guerra, em conjunto com o próprio povo Awá.
Katsa Su está localizada em Nariño, no sul da Colômbia, uma área onde, nesse mesmo ano, os direitos da natureza foram reconhecidos. O Decreto 348 do governo de Nariño estabeleceu direitos para todos os ecossistemas estratégicos da região. O direito de ser respeitado, protegido, conservado e restaurado.
Durante os estudos para o doutorado, foquei meus esforços em escrever minha tese, a qual foi publicada em 2024 após aprovação pelos meus pares, sem correções. Porém antes de escrever minha tese, Añemó inspirou meu primeiro livro sobre os direitos dos outros animais, publicado em 2023, o ano que terminei meu doutorado. A presença deles na minha vida, a sabedoria juntamente com as palavras generosas dos Awá, e suas interações com outros seres — que, assim como nós humanos, têm vontade e se comunicam, embora não através de palavras, a forma deles de ser — ajudaram-me a reavaliar a ideia ultrapassada de que somente os seres humanos, pela sua dignidade e atributos, possam ser sujeitos de direitos. Minha tese de doutorado sobre a natureza como sujeitos de direitos e os Awá foi publicada como livro em outubro de 2024.
Esses dois livros são o produto de dois anos de pesquisa, e foram escritos com amor e rigor. Ambos foram publicados pela Editorial del Rosario após serem aprovados por pares acadêmicos fora da universidade. Ambas as obras são fruto da expansão do amor para além do ser humano, da minha nova maneira de expressar, minha convicção de que não somos superiores e que, como São Francisco de Assis dizia em seu tempo, somos todos irmãos e irmãs. Assim como os Awá na Colômbia ou os Maori na Nova Zelândia, podemos ampliar nosso parentesco para além de nossa espécie.
Añemó me possibilitou adotar outra espécie e estabelecer um laço profundo na nossa pequena e multiespécie família de dois. Por sua vez, os Awá me ensinaram que, se estivermos atentos, se aprendermos com pessoas sábias como eles, poderemos compreender como outros seres falam conosco, nos guiam e nos protegem.
Minha consciência do meu lugarejo, como mais uma filha da Mãe Terra, motivou, e continua a motivar, meu ativismo acadêmico e jornalístico a favor do reconhecimento dos direitos de todos os seres vivos pelo sistema jurídico, direitos que os povos que nos precederam reconheceram em seus sistemas de crença e em sua maneira ancestral de coexistir em harmonia com os seres vivos de seu meio ambiente.