Muitas vezes despercebidos, ou até mesmo vistos como pragas, os insetos aquáticos são organismos essenciais para a saúde dos ecossistemas. Eles participam de processos vitais na natureza, como na decomposição da matéria orgânica, na ciclagem de nutrientes e na alimentação de outros animais, além de serem bons indicadores da qualidade da água.
O Laboratório de Citaxonomia e Insetos Aquáticos (LACIA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), nasceu justamente com o propósito de estudar a diversidade, a biologia e a ecologia desses insetos na Amazônia.
Com 38 anos de atuação, percebeu-se que não bastava gerar ciência apenas dentro dos laboratórios: era preciso levá-la para quem vive próximo destes ambientes aquáticos, convivendo diretamente com os insetos, para mostrar a importância de preservá-los.
Foi assim que, há mais de 15 anos, surgiram as primeiras ações de divulgação e popularização científica do LACIA
, com ênfase em experiências lúdicas e interativas que aproximam crianças e jovens dos insetos nos ambientes onde vivem.
No entanto, o financiamento contínuo de ações como essas e o desafio de manter uma constante inserção nos territórios onde essas informações fazem a diferença são barreiras comumente enfrentadas em estratégias de divulgação científica.
Importância da divulgação científica
A divulgação científica tem sido definida como “uso de processos e recursos técnicos para a comunicação da informação científica e tecnológica ao público em geral”, ainda que outros pontos de vista estejam disponíveis na literatura especializada.
Em geral, as universidades e institutos de pesquisas, do Brasil e da Amazônia, ainda têm dificuldade de posicionar suas missões em divulgação científica, ora confundindo-a com outras ações de marketing institucional, ora pela dificuldade em valorizar este tipo de função entre os pesquisadores.
E, no século 21, as tecnologias digitais tornaram os espaços de discussão mais complexos e evidenciaram os limites de estratégias de divulgação que apenas “transmitem” saberes, de maneira passiva, sem interatividade, sem ocupar os espaços e territórios onde a Ciência pode gerar benefícios.
Essa problemática é especialmente relevante nos contextos amazônicos.
Historicamente, a Amazônia foi estudada por pesquisadoras e pesquisadores de outras regiões. Na divulgação científica na Amazônia, portanto, é preciso se perguntar: sobre que Amazônia estamos falando? E qual público queremos sensibilizar: os locais, nacionais ou globais? Enfim, como falar de Ciência de forma que seja territorialmente relevante para quem vive aqui?
Experiências do LACIA
Buscando dialogar com o público infanto-juvenil, o LACIA privilegia ferramentas interativas e lúdicas, que convidam as crianças e jovens a manipular objetos e modelos que lhes permitam ver de perto organismos que, normalmente, passariam despercebidos por eles.
Adicionalmente, livros paradidáticos, atividades para colorir, recortar e colar, jogos de cartas, jogo da memória, boliche, arremesso de bolinhas e quebra-cabeças são alguns dos recursos desenvolvidos, visando sua fácil reprodução em escolas.
Entre as ferramentas que mais utilizamos está a ‘calha móvel’: uma maquete que representa um igarapé amazônico com vegetação ripária e diferentes micro-habitats. Ali, representações de insetos aquáticos em pelúcia e EVA podem ser manipuladas pelas crianças. O “passeio” pela calha vem acompanhado de histórias sobre como cada grupo de insetos vive, se alimenta e participa do equilíbrio ambiental, além de curiosidades sobre as estruturas morfológicas desses insetos.
Na calha, também conversamos sobre o impacto da degradação ambiental e seus efeitos sobre a fauna aquática, sempre reforçando a importância de manter a vegetação ao redor do corpo d’água e não descartar lixo na água, visando a preservação desses ecossistemas.
Outra atividade que merece destaque é a pescaria temática, que consiste em uma piscina redonda de plástico que simula um ambiente aquático repleto de insetos impressos em papel com alças e varinhas de pescar. O objetivo dessa atividade é fazer com que as crianças “pesquem” os insetos e aprendam sobre o hábito alimentar de cada um.
Nessas atividades, os participantes aprendem que a presença de determinados insetos indica se a água está limpa ou poluída, que a vegetação das margens protege os riachos e que mudanças no ambiente afetam toda a cadeia de vida.
Indo mais longe
A divulgação científica precisa extrapolar os muros das universidades e instituições de pesquisa.
No início, as atividades do LACIA estavam concentradas no Bosque da Ciência, no campus do próprio INPA. Hoje alcançam escolas periféricas de Manaus e municípios do interior do Amazonas, como Itapiranga e São Gabriel da Cachoeira. Também foram desenvolvidas atividades em municípios de outros estados, como Ribeirão Preto (SP), Brasília (DF) e Belém (PA).
No contexto amazônico, também é de crucial relevância valorizar as culturas locais nas ações de divulgação científica. Um dos nossos livros publicados, O mundo dos insetos aquáticos, foi traduzido para as línguas indígenas Apurinã e Paumari, em parceria com professores locais, suprindo a ausência quase total de materiais científicos voltados a essas etnias.
Além de facilitar o acesso ao conhecimento, a obra contribui para a preservação e o fortalecimento dessas línguas. Atualmente, o laboratório está em processo de tradução de materiais para as línguas Tukano e Nheengatu, ampliando ainda mais esse alcance e resgate linguístico.
Como avançar com a divulgação científica no país?
Para que ações como as desenvolvidas pelo LACIA tenham impacto duradouro, é essencial garantir financiamento contínuo, assegurando presença regular nas comunidades e evitando a descontinuidade de projetos. Iniciativas de editais exclusivamente voltados para divulgação científica, como da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), são exemplos positivos. Indo além, chamadas como SinBiose (CNPq) financiam grupos de comunicação com o propósito de apoiar outros projetos aprovados, demonstrando a importância estratégica que se dá ao tema.
Nos últimos anos, ganharam destaque também chamadas que combinam fomento à pesquisa e ações de divulgação, como a iniciativa Amazônia +10, voltada à valorização e à inclusão social e cultural, ao diálogo com comunidades tradicionais — povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos — e à integração de saberes locais à ciência acadêmica.
A interiorização da ciência, levando projetos a áreas rurais, ribeirinhas e indígenas, contribui para reduzir desigualdades no acesso ao conhecimento e fortalece o vínculo das populações locais com a conservação ambiental. Além disso, a valorização cultural, por meio da inclusão de línguas, símbolos e saberes tradicionais em materiais educativos, aumenta a aceitação das mensagens e o engajamento das comunidades.
Por esses motivos, chamadas de apoio a projetos de pesquisa podem exigir planos de divulgação voltados a ações nos territórios, com a coparticipação das comunidades nesse desenho.
Por fim, avanços em divulgação científica dependem da valorização dessa atividade no âmbito das instituições de ensino e pesquisa. Isso envolve, em primeiro lugar, investir na formação de professores e pesquisadores, capacitando-os para utilizar materiais e métodos lúdicos que ampliem o alcance e a efetividade das iniciativas.
Envolve também reconhecer e recompensar essas ações, conferindo-lhes maior peso nos critérios de avaliações institucionais. Afinal, divulgar ciência é tão importante quanto produzi-la: é o que permite que o conhecimento ultrapasse os muros da academia e transforme vidas.