Ao longo de 2025, o Ministério da Saúde brasileiro ampliou o investimento em fitoterapia ao destinar R$ 30 milhões para expandir o programa nacional Farmácia Viva. A prática já está presente em 1.757 municípios e a proposta é chegar aos 5.571 municípios do país até 2027. O reforço ocorre em um momento em que a demanda cresce: o uso de fitoterápicos na rede pública subiu de 500 mil registros em 2023 para 562 mil em 2024.
O impacto dos recursos destinados à fitoterapia no SUS vai além da gestão farmacêutica. É um movimento alinhado à Estratégia Global de Medicina Tradicional, Complementar e Integrativa 2025–2034, da Organização Mundial de Saúde (OMS) que orientará governos na próxima década na busca por soberania sanitária e climática. Enraizada na biodiversidade e sustentada pela ciência, a fitoterapia é parte essencial da transição ecológica que redefine a saúde e o futuro do planeta.
Ao fortalecer a sua Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), instituída em 2006,, o Brasil está reforçando diretrizes que unem ciência, saúde, meio ambiente e desenvolvimento regional sustentável.
Especialistas críticos alegam falta de evidências robustas para parte dos fitoterápicos, mas o próprio investimento federal busca fortalecer a pesquisa aplicada, controle sanitário, validação clínica e qualificação da oferta. Na prática, projetos em andamento já exploram o grande potencial da integração entre saber tradicional e métodos científicos mostrando que esse é o caminho para garantir segurança e evitar usos inadequados.
A Universidade Estadual Paulista (Unesp), por exemplo, testa hoje 20 espécies medicinais, com resultados promissores contra úlceras, inflamações e diabetes. Para se ter ideia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 11% dos 252 medicamentos essenciais recomendados globalmente são de origem vegetal, entre eles a aspirina, a digoxina e o paclitaxel, pilares da farmacologia moderna.
Um caso ilustrativo da articulação entre pesquisa e assistência acontece em Ipatinga (MG). No município, o programa Farmácia Viva passou por uma avaliação aprofundada conduzida pela prefeitura e por pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Os pesquisadores examinaram, por sete anos, os registros de dispensação de medicamentos da rede municipal para entender se a incorporação de fitoterápicos estava produzindo efeitos mensuráveis no cuidado. Entre os resultados obtidos, viu-se que a oferta da tintura de Passiflora edulis (Maracujá) estava associada a uma redução de até 36% nas prescrições de ansiolíticos sob controle especial. Os pesquisadores ressaltam que fitoterápicos produzidos com rigor técnico podem ampliar opções terapêuticas e ajudar a desafogar a demanda por medicamentos mais restritos.
Mapas de evidências
Em relação à busca por evidências, o acervo científico sobre fitoterapia é expressivo. A Biblioteca Virtual em Saúde em Medicinas Tradicionais (BVS MTCI), da BIREME-OPAS/OMS, reúne um grande volume de artigos sobre estudos clínicos em humanos usando plantas medicinais no tratamento de sintomas e doenças.
Além disso, a pedido do Ministério da Saúde, em 2021, o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e a BIREME construíram mapas de evidências de efetividade clínica de plantas medicinais, com recorte de saúde mental, doenças crônicas e cicatrização de feridas, sob coordenação de Betina Ruppelt, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esses mapas orientam prescritores, pesquisadores, gestores e todos que fazem parte da cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos nas tomadas de decisão.
Atualmente, há 12 fitoterápicos disponíveis na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), todos submetidos a rigoroso controle de qualidade, feito segundo a Farmacopeia Brasileira, e não são distribuídos aleatoriamente. O xarope de Guaco (Mikania glomerata), por exemplo, é indicado para doenças respiratórias e segue todos os critérios farmacológicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Vale lembrar que o uso de fitoterápicos já validados cientificamente demonstra impacto econômico e social expressivo. Em Maracanaú, no Ceará, a produção local do xarope de guaco reduziu o custo unitário em 600% em comparação ao medicamento industrializado, e, em Toledo, no Paraná, a economia anual ultrapassa R$ 1,3 milhão.
A agência reguladora brasileira estabelece duas categorias para produtos derivados de plantas medicinais no país. Segundo a RDC nº 26/2014, que estabelece que os Medicamentos Fitoterápicos precisam comprovar eficácia e segurança por meio de estudos clínicos, seguindo padrões semelhantes aos exigidos para outros medicamentos registrados. Já os Produtos Tradicionais Fitoterápicos podem ser aprovados sem estudos clínicos completos, desde que tenham literatura técnica reconhecida e um histórico de uso seguro por pelo menos 30 anos, sendo 15 deles no Brasil.
Experiências bem-sucedidas
O contexto internacional reforça a necessidade de investimentos e mais pesquisas para comprovar propriedades e encontrar novos ativos e aplicações. O mercado global de fitoterápicos movimentou quase R$ 800 bilhões em 2024. Países como a Alemanha, que tem biodiversidade muito menor, consomem 45 mil toneladas anuais de plantas medicinais, com 75% da população preferindo fitoterápicos aos fármacos sintéticos.
O Brasil, que abriga 20% da biodiversidade do planeta, tem potencial não apenas terapêutico, mas econômico, ambiental e diplomático. A integração entre as políticas existentes (a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, de Práticas Integrativas e Complementares e a Estratégia de Bioeconomia Sustentável) é um caminho para a valorização da ciência das plantas.
Uma das áreas mais promissoras para estudos sobre uso de fitoterápicos é a oncologia, segundo o médico e professor Ricardo Ghelman, consultor da Organização Mundial da Saúde e membro do Comitê Global da Society of Integrative Oncology (SIO), instituição que publica diretrizes para sintomas relacionados ao câncer juntamente com a American Society of Clinical Oncology (ASCO).
Estudos clínicos recentes com espécies nativas brasileiras da Amazônia demonstraram, por exemplo, a segurança e a eficácia de extratos de unha de gato (Uncaria tomentosa) e guaraná (Paullinia cupana) com efeitos positivos contra fadiga em pacientes com tumores sólidos. Os estudos indicam que essas substâncias vegetais que não interferem no efeito dos quimioterápicos convencionais, não oferecem riscos de interação medicamentosa e podem reduzir os efeitos adversos do tratamento. Ghelman lembra ainda que alguns dos quimioterápicos mais usados no mundo foram extraídos de plantas medicinais. A vincristina e a vinblastina, por exemplo, derivam da vinca (Catharanthus roseus), e revolucionaram o tratamento de leucemias e linfomas.
Cuidado territorializado
Voltando ao Brasil, destinar R$ 30 milhões à fitoterapia — menos de 0,2% do orçamento da assistência farmacêutica — significa também investir em inovação social. Num país que registrou mais de 9 milhões de atendimentos em práticas integrativas em 2024, o avanço da fitoterapia responde a uma demanda concreta da população. E mais: em um mundo que enfrenta pandemias e colapsos ecológicos, integrar práticas baseadas em biodiversidade e ciência aplicada é parte da lógica contemporânea da sustentabilidade.
Aportar recursos na pesquisa de fitoterápicos é também enfrentar desigualdades históricas. Em muitas comunidades indígenas, ribeirinhas e rurais, as plantas medicinais são a forma de cuidado tradicional e mais acessível — e, em alguns casos, a única. Ignorar essa realidade é reforçar assimetrias que já atravessam o sistema de saúde. Por isso, ampliar o acesso não é apenas uma escolha técnica, mas um compromisso com equidade territorial.
O próprio Ministério da Saúde reconhece que a expansão da fitoterapia precisa corrigir um desequilíbrio estrutural. Um mapeamento da Fiocruz identificou 457 serviços no país, sendo que mais de 60% estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Nas regiões amazônicas, onde o conhecimento sobre plantas medicinais é especialmente vasto, comunidades tradicionais seguem enfrentando problemas de logística, pouco apoio técnico e baixa interlocução com políticas públicas. Isso resulta em uma expansão assimétrica, que reproduz desigualdades no acesso à atenção básica.
Corrigir essas distâncias é condição para que o investimento em fitoterapia cumpra seu papel: transformar evidências já existentes em cuidado seguro, territorializado e capaz de responder à diversidade de realidades do país.
