Países emergentes de médio porte, como África do Sul, Índia e Brasil, enfrentam desigualdades crescentes. Ao mesmo tempo, a vida cotidiana está se tornando cada vez mais digital – desde pagamento de contas e leitura de notícias até o contato com empresas e serviços. É preciso encontrar maneiras de incluir todos no mundo online, independentemente de quanto dinheiro tenham. Ashraf Patel é especialista em políticas de tecnologia da informação e comunicação e vem pesquisando o G20 há vários anos. Em seu capítulo de um novo livro de acesso aberto, G20 no Brasil e na África do Sul: Prioridades, Agendas e Vozes do Sul Global, ele discute como a África do Sul se compara ao Brasil em termos de economia digital.
Quais são as principais áreas da economia digital?
O grupo de trabalho sobre Economia Digital do G20 aborda discussões sobre acesso digital, igualdade, governança da inteligência artificial (IA), segurança, inovação e sustentabilidade. Ele também analisa como o espaço digital pode ser regulamentado para não causar danos à sociedade. Nos últimos dois ou três anos, este tema ganhou muita força entre as nações que estão tentando lidar com as desigualdades na economia digital.
Por exemplo, o advento da inteligência artificial está causando preocupação em todos os setores, especialmente em torno de empregos e mão de obra, ética e as enormes quantidades de energia que ela consome. Esses são temas importantes que foram discutidos no G20.
Como a África do Sul se compara ao Brasil em termos de acesso digital?
A África do Sul tem 31 anos de democracia e, em geral, tem obtido resultados abaixo do ideal. Por exemplo, a África do Sul tem um dos maiores custos de dados da África.
Há também uma falta de banda larga em espaços públicos. Isso apesar da Autoridade Independente de Comunicações da África do Sul e da Comissão da Competição promoverem a concorrência para manter os preços acessíveis.
O Brasil é um país em desenvolvimento, mas superou em muito a África do Sul no acesso digital. A implantação da banda larga na África do Sul para pessoas comuns, clínicas, áreas rurais e escolas é fraca em comparação com muitos países de renda média e baixa.
Isso significa que a conectividade e a desigualdade digital são duas grandes barreiras. Quando as pessoas não têm acesso, não têm condições financeiras ou não têm alfabetização digital, elas não podem usar os serviços de governo eletrônico.
Uma grande parte do problema é que a África do Sul está presa entre um crescimento sem empregos, desindustrialização e desigualdade.
O acadêmico Dani Rodrik analisou a desigualdade, o desemprego, o desenvolvimento de habilidades e o mundo desigual e chegou a este trilema. Na África do Sul, os aspectos da economia digital da Quarta Revolução Industrial (4IR) dizem respeito à automação, big data, IA e a Internet das Coisas. Mas muito poucos países, exceto os do Norte Global e a China, dominam esses quatro aspectos.
Por esse motivo, não mais do que 10 países dominam a produção, as patentes, a pesquisa e o desenvolvimento, e são capazes de comercializar os produtos decorrentes deste domínio. O resto do planeta é composto principalmente por consumidores.
Se os países não tiverem políticas, sistemas e desenvolvimento de competências devidamente geridos em matéria de economia digital, não poderão participar na Quarta Revolução Industrial. Isso causará perturbações na sociedade e no mercado de trabalho.
Na área de desenvolvimento da economia digital, o Brasil se sai muito melhor do que a África do Sul, Índia, Quênia e outros países em desenvolvimento. Isso se deve principalmente ao fato de ter tido um governo trabalhista muito progressista, o Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil por dois mandatos, totalizando 15 anos. Desde o início, estes governos progressistas investiram em desenvolvimento social, financiaram a expansão de infraestruturas e serviços e programas de educação muito sólidos.
O Brasil liderou a primeira geração de telecentros nas favelas. Os telecentros são instalações públicas que oferecem acesso a computadores, internet e programas de treinamento digital para mulheres, jovens e comunidades de baixa renda.
O Plano Nacional de Banda Larga do Brasil usa satélites para expandir a internet para áreas rurais. O país também tem instituições científicas e tecnológicas de nível internacional e sistemas regulatórios muito bons. Tudo isso se une nessa agenda social e conta com uma liderança sólida.
Portanto, eu diria que não há comparação — o Brasil supera de longe a África do Sul em todos os aspectos da economia digital. Mas, felizmente, o Brasil disponibilizou muitos dos conhecimentos ganhos com este processo. Cabe às instituições, universidades e reguladores governamentais sul-africanos pegar esses conhecimentos e implementá-los. É assim que a África do Sul pode reduzir a desigualdade digital.
Que progressos foram feitos sob a presidência sul-africana do G20 para impulsionar a economia digital?
A presidência do país no G20 foi afetada pela geopolítica global e pela oposição do governo Trump nos EUA. Os grupos de trabalho específicos do G20 enfrentaram, portanto, grandes dificuldades. Por exemplo, o grupo de trabalho sobre Economia Digital não conseguiu chegar a um acordo sobre as declarações finais porque a delegação dos EUA se opôs a qualquer discussão sobre igualdade, diversidade, gênero e clima.
Esses são temas importantes na economia digital. A declaração final da cúpula de lideranças, no entanto, foi em geral diluída para acomodar as preocupações dos EUA.
Mas a presidência sul-africana do G20 apresentou algumas boas declarações sobre como a IA e as ferramentas digitais podem apoiar o crescimento das pequenas e médias empresas.
A África está lidando com o rápido crescimento da tecnologia financeira – ferramentas digitais, aplicações e plataformas que facilitam a prestação de serviços financeiros, tais como pagamentos, empréstimos, poupanças, seguros e investimentos.
Na Nigéria e no Quênia, os novos sistemas financeiros digitais expandiram-se mais rapidamente do que as regulamentações conseguiram acompanhar. O resultado foi uma intervenção caótica por parte do Estado. Em contrapartida, as iniciativas de industrialização digital do BRICS estabeleceram um modelo adequado para os países do Sul Global. (Elas definiram maneiras para os países do Sul Global se apoiarem mutuamente, compartilhando conhecimentos e tecnologias, em vez de apenas permitir a expansão não regulamentada do mercado.)
A presidência sul-africana do G20 valeu a pena?
O G20 foi um exercício caro para a África do Sul. Custou bem mais de um bilhão de rands (US$ 58,3 milhões, ou cerca de R$ 310 milhões). E eu argumento que isso dificilmente teve impacto nos temas ou diálogos relacionados à sociedade civil.
A ausência de envolvimento e mobilização do público em questões como a crise da dívida, as pressões do custo de vida e a exclusão e o preconceito da IA foram os “pontos fracos” (as fraquezas mais óbvias) do ano da África do Sul no G20. Em conclusão, a presidência da África do Sul no G20 foi forte em simbolismo, cobertura da mídia e marketing, mas fraca em resultados e acordos concretos.






