A Casa Branca declarou, na segunda-feira 11, uma intervenção federal na segurança pública da capital americana, Washington DC. Cerca de 800 soldados da Guarda Nacional foram mobilizados e assumiram o controle da Polícia Metropolitana.
A ordem executiva, invocando a seção 740 da Lei de Autonomia Municipal, descreve a capital como “um pesadelo de assassinatos e crimes”. Afirma também que Washington está “entre as jurisdições mais violentas dos Estados Unidos” e até mesmo “entre as 20% das cidades mais perigosas do mundo”.
O anúncio causou surpresa nos Estados Unidos e em todo o mundo. O problema é que a capital dos Estados Unidos não é a capital do crime do país, como Donald Trump alega, muito menos do mundo: na verdade, ela é mais segura hoje do que tem sido nas últimas três décadas.
A retórica da Casa Branca está totalmente em desacordo com os dados. Os crimes violentos no distrito caíram mais de 25% no primeiro semestre de 2025 em comparação com o mesmo período de 2024. Os homicídios caíram 32% entre 2023 e 2024. Mesmo durante o alarme alimentado pela mídia em 2023, a taxa de homicídios em Washington — 39 por 100.000 habitantes — estava muito abaixo da pior do mundo.
A geografia da violência letal nos EUA
A decisão de federalizar o policiamento na capital segue uma mobilização semelhante e igualmente controversa da Guarda Nacional na Califórnia, também apresentada como uma medida de combate ao crime. Outras medidas podem ser tomadas em outras jurisdições de tendência democrata, apesar do fato de que os estados e cidades azuis geralmente registram taxas de homicídio mais baixas do que nos estados vermelhos (de maioria republicana).
Em 2021 e 2022, a taxa média de homicídios nos estados republicanos foi 33% maior do que nos estados democratas; entre 2000 e 2022, a diferença foi em média de 24%. Em 2024, St. Louis (48 por 100.000), Memphis (38) e Detroit (37) lideraram o ranking de homicídios nos Estados Unidos. Washington, por outro lado, registrou 26 por 100.000 habitantes.
A discrepância entre a percepção e a realidade não é novidade. Os políticos há muito tempo brandem estatísticas de criminalidade para projetar firmeza. A imagem — medidas de segurança exibidas em território inimigo — lembra o presidente de extrema direita de El Salvador, Nayib Bukele, cujas repressões militarizadas foram publicamente elogiadas por Donald Trump.
No entanto, as últimas medidas são falhas por duas razões: os números não sustentam a afirmação de que Washington é a capital do homicídio dos Estados Unidos; e, globalmente, as cidades mais letais estão concentradas em outros lugares.
Analisando as cidades mais violentas do mundo
As cidades mais violentas do mundo mais uma vez se concentraram na América Latina em 2024. Durán, no Equador, liderou o ranking com 146 homicídios por 100.000 habitantes, seguida por Nelson Mandela Bay, na África do Sul (102), Manta, no Equador (92), e Acapulco e Celaya, no México (83 e 80). Das 50 cidades mais violentas, 13 estão no México, 11 no Brasil, 9 na África do Sul e 5 no Equador; as demais estão em Colômbia, Guatemala, Lesoto, Jamaica, Haiti e Trinidad e Tobago. Apenas três ficaram nos EUA, e nenhuma delas foi Washington.
A ascensão do Equador à lista está ligada à sua transformação em um centro de distribuição de cocaína, devastado por guerras territoriais entre cartéis albaneses, colombianos e mexicanos e gangues locais.
As cidades mais violentas do México, de Acapulco e Culiacán a Juárez e Tijuana, são campos de batalha para facções criminosas rivais. Pontos críticos da África do Sul, como Nelson Mandela Bay e Cidade do Cabo, sofrem com rivalidades entre gangues e impunidade arraigada.
O nordeste do Brasil continua atormentado pela violência dos gangues. Capitais caribenhas como Porto Príncipe (11ª), Port of Spain (16ª) e Kingston/St Andrew (17ª) sofrem com taxas de homicídio acima de 60 por 100.000 habitantes, níveis comparáveis às cidades mais sangrentas da América Latina.
Teatro político e segurança pública
Em 2023, Washington ocupava a 51ª posição entre as cidades globais com mais de 250.000 habitantes. Em 2024, caiu para a 87ª posição, com uma taxa de homicídios de aproximadamente um oitavo da de Durán. Até agora, em 2025, os homicídios caíram mais 11% em relação ao ano passado.
A intervenção federal parece, portanto, menos uma necessidade específica de aplicação da lei e mais uma performance política. Assim como nas repressões “mano dura” da América Latina, o objetivo é projetar controle, gerar manchetes e mobilizar uma base política, muitas vezes em desacordo com a redução sustentável da criminalidade.
Apesar de seu apelo regional, o histórico das respostas militarizadas ao crime é, na melhor das hipóteses, inconsistente. Bukele reduziu drasticamente a taxa de homicídios em El Salvador por meio de prisões em massa e expansão do sistema prisional, mas à custa do devido processo legal e com efeitos de longo prazo incertos.
No Brasil, Colômbia, Equador, Haiti e México, tipos semelhantes de mobilização em áreas com alta criminalidade muitas vezes coincidiram com picos de homicídios, à medida que cartéis e gangues se fragmentavam.
Ao contrário do que afirma a Casa Branca, o progresso de Washington deve-se mais ao policiamento direcionado e à estreita coordenação com os promotores contra algumas centenas de infratores crônicos do que aos soldados nas ruas.
Os exemplos mais bem-sucedidos em outros lugares vieram da desarticulação do crime organizado com base em informações de inteligência, do investimento constante em instituições e da cooperação com as comunidades, medidas que não têm o drama das diretrizes presidenciais e do envio da Guarda Nacional, mas que produzem resultados duradouros.
Washington não é Durán, Acapulco ou Port of Spain. Sua taxa de homicídios é uma fração da pior do mundo e está caindo. Declará-lo capital mundial do crime serve a fins políticos. A repressão pode ganhar manchetes e votos, mas raramente proporciona segurança duradoura.