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De agulhas a projéteis: a tecnologia que encontra metais perdidos no corpo

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De agulhas a projéteis: a tecnologia que encontra metais perdidos no corpo

Já parou para pensar nas pessoas que têm objetos metálicos perdidos dentro do corpo? Segundo alertas médicos, moedas e baterias estão entre os itens mais ingeridos por crianças pequenas. Na maioria dos casos, é possível resolver o problema no consultório por meio de uma endoscopia – exame que usa um tubo com câmera para visualizar e retirar o objeto do esôfago ou estômago. Mas, quando o item passa desse ponto, a retirada fica muito mais complexa.

E há situações mais inusitadas, como a de uma jovem paulistana que inalou um pequeno brinco enquanto dormia. Durante anos ela procurou pelo adereço, até encontrá-lo dentro das vias nasais, por acaso, em um raio-X dentário. Apesar de ter precisado de uma cirurgia para a remoção, teve sorte por ele não ter ido parar na laringe, traqueia ou no pulmão. O objeto tinha dimensão suficiente para causar uma obstrução grave e insuficiência respiratória.

Também existem os casos de pessoas com projéteis de arma de fogo alojados no corpo. Muitas vezes, a cirurgia de retirada representa risco maior do que simplesmente deixá-los onde estão. Mas isso também é um risco, podendo levar à inflamação e contaminação por metais pesados. Portanto, encontrar métodos precisos para localizar esses objetos é essencial. Quanto mais exata for a determinação da localização do objeto, menor será a incisão e o tempo de intervenção cirúrgica, menores serão os riscos para o paciente e maior será a chance de sucesso do procedimento para remoção do objeto.

Ciência aplicada à medicina

Nosso primeiro contato com esse tipo de problema foi nos anos 1990, quando trabalhávamos juntos em pesquisas sobre biomagnetismo, no Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com o Prof. Paulo Costa Ribeiro – Carlos Hall ainda era estudante de graduação em Engenharia Elétrica, e Elisabeth, doutoranda em Biofísica na UFRJ. Nesse período, durante uma injeção, a agulha hipodérmica se soltou da base de plástico e se alojou no corpo de uma criança.

Coincidentemente, o caso ocorreu no orfanato apoiado pelas irmãs que gerenciavam o Bar das Freiras na PUC-Rio. O caso foi conduzido pelo cirurgião pediátrico Paulo Boechat, que colaborou com o nosso estudo. Paulo comentou sobre a grande dificuldade no processo convencional para remoção, no qual, após 7 horas de procedimento, caso o objeto não seja alcançado, o procedimento é encerrado, caracterizando-se como um insucesso cirúrgico.

Limitações dos métodos tradicionais

Os métodos tradicionalmente usados para localizar esse tipo de objeto em organismos são os exames de raios X tradicionais, tomografias computadorizadas ou radioscopias. Mas, embora eles identifiquem a região geral onde o material está, não têm resolução espacial para indicar a posição e profundidade exatas. Além disso, não há referências anatômicas viáveis, pois os objetos em geral estão alojados em tecidos moles, transparentes aos raios X. Uma desvantagem adicional é que expõem pacientes e equipe médica à radiação.

O ultrassom também pode ser útil em alguns casos, mas não detecta bem fragmentos muito pequenos ou localizados em áreas mais profundas. Ele também não indica a posição exata do objeto e a projeção do corpo estranho na pele para orientação cirúrgica. Já a ressonância magnética não é uma opção viável nesses casos, pois usa campos magnéticos intensos que atraem objetos metálicos, podendo causar lesões graves.

Busca por um novo método

Como a agulha perdida no caso da criança era feita de material ferromagnético (aço), usamos os sensores magnéticos (magnetômetros) originalmente destinados aos estudos de Biomagnetismo – chamados de SQUIDs – capazes de detectar campos magnéticos muito fracos. Assim, trabalhamos no desenvolvimento de um método de localização que foi capaz de identificar a posição exata do objeto no corpo em três dimensões: profundidade, orientação e centro. Os parâmetros foram usados em combinação com a projeção do corpo estranho na pele para planejar o procedimento e definir a incisão cirúrgica.

O paciente é colocado sobre uma cama móvel, sob o magnetômetro. A posição plana (horizontal) do corpo em relação ao sensor é monitorada por uma mesa digitalizadora acoplada à cama. Fonte: acervo pessoal.

O resultado foi extremamente animador. Além de ajudar aquela criança, depois validamos experimentalmente essa técnica em outros seis casos de remoção bem sucedida de agulhas de costura perdidas em outras pessoas. Em todos os casos, foi possível localizar com exatidão os objetos, reduzindo significativamente o tempo cirúrgico, e garantindo o sucesso do procedimento para remoção.

Radiografia feita do primeiro paciente, antes do procedimento cirúrgico. Após nossa análise, dois marcadores, em forma de 0 e 1, foram fixados sobre a pele da criança. O marcador Fonte: acervo pessoal.

Essa experiência foi tão marcante que definiu nosso caminho acadêmico. Seguimos com esse tema como uma de nossas linhas de pesquisa até hoje, como pesquisadores do Laboratório de Biometrologia (LaBioMet) da PUC-Rio – e com apoios da FAPERJ, CNPq, CAPES e FINEP.

Afinal, ainda havia muito a aprimorar. Apesar da elevada exatidão de nossa técnica, o sensor precisava operar em temperaturas muito baixas, o que encarecia o equipamento, tornava complexa sua operação e dificultava sua fabricação. Isso acabou inviabilizando sua adoção em larga escala como dispositivo biomédico.

Até que, alguns anos depois, surgiram os novos magnetômetros baseados no fenômeno da magnetoimpedância gigante (GMI). Eles são sensores muito sensíveis, de baixo custo e capazes de funcionar à temperatura ambiente. Então, em 2008, adaptamos um novo protótipo com essa nova tecnologia para aplicações médicas.

Na busca por projéteis

Porém, ainda nos restava outro desafio: nem todos os objetos metálicos são magnéticos. Exemplos importantes para a área médica são os projéteis de armas de fogo. Eles costumam ser feitos de chumbo, que não possui magnetismo residual. Para localizá-los, era necessário ir além.

Para solucionar essa questão, pensamos em formas de magnetizar levemente os objetos metálicos dentro das pessoas, apenas o suficiente para permitir sua detecção pelos sensores. Em termos simples, criamos um pequeno campo magnético alternado (como o gerado por uma bobina elétrica) que gera correntes minúsculas no objeto.

Essas correntes produzem um campo magnético secundário, extremamente fraco, mas que pode ser detectado por magnetômetros GMI. Mas a primeira versão desse sistema tinha uma limitação. Os sensores acabavam sendo afetados pelo campo magnético primário, o que prejudicava a sensibilidade em casos de objetos muito pequenos ou profundos.

A última versão, que publicamos recentemente na revista científica Frontiers in Physics, supera mais esse obstáculo com uma configuração inovadora. O novo sistema separa a parte que gera o campo magnético da parte que faz a medição. Para isso, usamos bobinas especiais, bem finas e achatadas, chamadas solenoides planares, junto com sensores GMI colocados em posições estratégicas. Essa combinação impede que o campo magnético interfira na leitura dos sensores.

Essa estratégia aumentou a capacidade de detecção, permitindo localizar com precisão até pequenos fragmentos de projéteis de chumbo a maiores profundidades. Tudo de maneira não invasiva e sem expor pacientes à radiação ionizante, dentro dos limites de segurança estabelecidos pela Comissão Internacional de Proteção contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP).

Esperamos que essa tecnologia finalmente abra caminho para que seja possível difundir em larga escala, num futuro breve, um dispositivo portátil, acessível e seguro para uso clínico. E que isso possa fazer a diferença para as pessoas que passam por situações médicas tão variadas quanto a deglutição de uma moeda, a inalação de um brinco, a inserção acidental de uma agulha no corpo, ou que são vítimas de violência armada. E que os objetos metálicos perdidos nessas pessoas possam ser localizados com rapidez e precisão, reduzindo de forma significativa o tempo cirúrgico, os riscos de insucesso e os custos hospitalares.

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