Ad image

De Baku a Belém: a presidência brasileira dos BRICS e os caminhos para financiar a justiça climática

8 Leitura mínima
De Baku a Belém: a presidência brasileira dos BRICS e os caminhos para financiar a justiça climática

Entre as seis prioridades definidas pelo Brasil para sua presidência do BRICS em 2025, a mudança do clima ocupa lugar central — com especial atenção ao financiamento climático. O tema também ganha força diante de outro marco importante no calendário internacional: a realização da 30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP 30), que será sediada em Belém (PA).

Um dos principais desafios da conferência será justamente mobilizar recursos na escala necessária para que os países em desenvolvimento enfrentem a crise climática: estima-se que esse valor deva chegar a US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.

Foi com essa ambição que o Brasil lançou a iniciativa “Rota de Baku a Belém: rumo ao US$1,3 trilhão”. A proposta surge em resposta direta à decisão da COP 29, realizada em Baku (Azerbaijão), que estabeleceu uma nova meta coletiva e quantificável de financiamento climático (a chamada NCQG), no valor de US$ 300 bilhões por ano até 2035. Essa cifra, porém, ficou muito abaixo das estimativas do Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível em Financiamento Climático (IHLEG), que apontam que os países em desenvolvimento — exceto a China — precisarão de pelo menos US$ 2,7 trilhões anuais até 2030 para cumprir seus compromissos climáticos e ambientais. Desse total, US$ 1,3 trilhão deveriam vir de fontes externas.

Assim, os US$ 1,3 trilhão se consolidam como uma referência mais realista das necessidades de financiamento internacional até 2035. Não surpreende, portanto, que a meta anunciada em Baku tenha sido recebida com frustração pelos países do Sul Global. Além de insuficiente em termos de volume, ela também dilui responsabilidades: ao invés de se restringir aos países desenvolvidos — historicamente mais responsáveis pela crise climática —, a decisão inclui uma “ampla variedade de fontes” (públicas, privadas, bilaterais e multilaterais) e encoraja que países em desenvolvimento contribuam voluntariamente. Essa demanda, articulada principalmente pelos países ricos, mira especialmente a China, classificada como país em desenvolvimento, mas com grande peso industrial e emissões elevadas.

Aumento substancial de financiamento a partir de diferentes fontes

Essa abordagem, no entanto, colide com o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” estabelecido na Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Segundo esse princípio, os países devem agir conforme suas capacidades e responsabilidades históricas, reconhecendo que o Norte Global — com sua dívida ecológica e climática — deve liderar o enfrentamento da crise, priorizando o apoio aos países mais vulneráveis.

A “Rota de Baku a Belém” busca impulsionar um aumento substancial do financiamento climático, também a partir de diferentes fontes: bilateral (entre países), multilateral (como bancos de desenvolvimento e fundos climáticos), capital privado mobilizado por recursos públicos, e também “fontes alternativas”, como tributos internacionais.

Nesse contexto, diante da lentidão do financiamento tradicional, até países do Sul Global — incluindo o Brasil — têm proposto mecanismos alternativos de financiamento climático, como o fortalecimento dos bancos de desenvolvimento multilaterais, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB); o combate à evasão e elisão fiscal; e a taxação de corporações transnacionais e grandes fortunas.

A ideia é que as presidências da COP 29 e da COP 30 atuem de forma articulada para identificar caminhos viáveis para elevar o financiamento climático da ordem de bilhões para trilhões. Mas isso exigirá mais do que promessas: a COP 30 terá o desafio de transformar essa rota em uma agenda concreta, capaz de gerar recursos em tempo hábil e de forma justa. O Brasil pode se beneficiar de sua atuação recente no G20, onde colocou em pauta temas como a taxação de super-ricos e do transporte marítimo internacional.

Ações coordenadas em prol do Sul Global

Nesse esforço, a presidência brasileira dos BRICS tem um papel estratégico. No dia 28 de maio, os vice-ministros dos países do grupo aprovaram uma Declaração-Quadro sobre Financiamento Climático, que será levada aos chefes de Estado. Trata-se do primeiro documento conjunto dos BRICS voltado exclusivamente para essa agenda. A proposta defende ações coordenadas para ampliar o acesso a financiamento climático no Sul Global, incluindo reformas nos bancos multilaterais, ampliação do crédito concessional (com juros baixos e prazos longos), mobilização de capital privado e medidas regulatórias que facilitem o fluxo de recursos.

Outro destaque é a proposta brasileira do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), apresentado pelo Brasil na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2023. A iniciativa pretende mobilizar investimentos privados para remunerar países tropicais que mantêm suas florestas em pé — incentivando a conservação e o combate ao desmatamento. A expectativa é constitua um mecanismo inovador de financiamento climático baseado na valorização da floresta viva.

Para nós, da Plataforma Socioambiental, no entanto, o debate sobre financiamento climático precisa ir além dos números. Não basta discutir quanto e de onde virão os recursos: é preciso perguntar como, para quê e para quem eles serão destinados. A justiça climática deve orientar essas decisões. Afinal, embora a crise climática seja global, seus impactos são desiguais — e recaem com mais força sobre quem menos contribuiu para causá-la. Muitas vezes, essas mesmas populações também ficam de fora das soluções, que não levam em conta suas realidades.

Alcançar a justiça climática exige enfrentar desigualdades estruturais e criar mecanismos de reparação, redistribuição e acesso ao financiamento para a justiça climática. Isso passa por políticas que garantam transferência de tecnologias socioambientalmente adequadas, fundos comunitários e tributação internacional justa.


Read more: Justiça climática: como reduzir o impacto sobre os que sofrem com as mudanças ambientais e responsabilizar quem contribui para causá-las


A transição energética, o financiamento climático e a justiça climática devem caminhar juntos — o que exige debates qualificados não apenas sobre as fontes dos recursos e os instrumentos utilizados, mas também sobre seus destinos e quem os administra. Afinal, há o risco de que esses recursos sejam direcionados, por exemplo, ao agronegócio para a produção de biocombustíveis ou a projetos de energia “limpa” voltados à exportação, sem beneficiar diretamente as comunidades e territórios mais vulneráveis.

Isso não é justiça climática. Justiça climática implica não apenas garantir que os investimentos cheguem a quem mais precisa e tem historicamente protegido os ecossistemas, mas também assegurar que essas comunidades tenham poder para decidir, implementar e gerir esses recursos de acordo com suas prioridades e saberes.

Compartilhe este artigo
Sair da versão mobile