A nova linguagem da política global tem os acrônimos em grande apreço. Donald Trump parece ter contribuído muito para o sucesso desse formato a partir do MAGA (Make America Great Again). Por sua vez, o mundo financeiro – apesar de não ser exatamente simpático ao presidente, como se pode perceber nas 18 páginas do processo judicial Trump vs. Rupert Murdoch – respondeu à nova tendência. Acesse aqui a íntegra deste processo.
No último 1º de maio de 2025, o jornalista Robert Armstrong, do jornal Financial Times, lançou uma teoria que chamou de TACO (Trump Always Chickens Out– Trump Sempre Amarela), para explicar que a então recente recuperação dos mercados estava ligada ao fato de os países terem percebido que o governo dos Estados Unidos não tinha uma tolerância muito alta a pressões econômicas e que recuaria rapidamente quando as tarifas causassem dor.
Em uma mídia necessariamente ágil como a financeira, demorou apenas trinta dias para que TACO fosse atualizado pelos jornalistas, Stephen Culp e Suzanne McGee, da Agência Reuters, em FAFO (Fuck Around and Find Out – Faça merda e descubra o que você fez), empregado para designar a volatilidade e o caos do mercado financeiro criado pelo processo de elaboração de políticas de Donald Trump.
Acompanhando a incerteza e a especulação que corriam soltas nos mercados, no dia 22 de julho, também na Reuters, a jornalista Almee Donellan lançou o mais recente acrônimo: TOFU (_Trump Occasionally Follows up – Trump às vezes cumpre o que diz).
A criação foi motivada pelo hesitante comportamento da Big Pharma, como é conhecido o conjunto dos grandes laboratórios farmacêuticos multinacionais, que começaram a anunciar planos de reabrir unidades de produção nos Estados Unidos após terem sido ameaçados por Trump com taxações que poderiam chegar aos 200% para medicamentos importados. Neste ponto, é Pascal Soriot, CEO da AstraZeneca, quem melhor expressa o pensamento do setor farmacêutico: “Faz sentido esperar por TACO, mas também devemos estar preparados para TOFU”.
Impacto na economia norte-americana
Desde o surgimento do TACO, alguns analistas já haviam alertado para o potencial de danos à economia americana causados pela elevação tarifária. Mais ainda, o FMI e grandes empresas do setor financeiro, como a J.P. Morgan, apontaram para o impacto negativo das tarifas sobre o PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos e do mundo, em meio à incerteza provocada por retaliações.
Por outro lado, como sabe todo entertainer, se um truque for utilizado de modo excessivo, o público pode começar a perder seu interesse ou confiança. Deste modo, no mercado financeiro, se Trump oscila e muda sempre, os investidores tendem a acreditar que as ameaças só serão executadas excepcionalmente e passam a traduzir insegurança jurídico-política em especulação.
Para desagrado do presidente americano, TACO também se tornou um de seus apelidos, colocando-o mais como motivo de riso do que temor. A incapacidade em produzir os 200 acordos comerciais que havia prometido no final de abril retirou-lhe ainda mais a credibilidade que tanto agrada ao mercado.
De fato, até o final de julho, Trump obteve somente uma dúzia de acordos comerciais, alguns apenas verbais e outros até mesmo em uma única página. Ainda sem assinar ficaram parceiros comerciais importantes como o Canadá, Taiwan e México, enquanto a China assinou apenas um acordo temporário. Desse modo, o clima de desconfiança gerado pelas tarifas começa a levar parceiros comerciais tradicionais, como o Canadá, a União Europeia e o próprio Reino Unido, a se afastarem de uma ordem comercial global cujo centro é ocupado pelos Estados Unidos há mais de cinquenta anos.
Este movimento centrífugo é agravado pela falta de clareza a respeito do que as equipes de comércio exterior norte-americanas pretendem para chegar a um acordo final.
Os apoiadores do presidente consideram as tarifas como táticas de negociação para obter concessões ou persuadir governos relutantes a fechar acordos comerciais. Mas, para os investidores financeiros, a brincadeira tem um peso e um custo que não lhes interessa carregar.
O espetáculo no Brasil
O documento de tarifação de 50% para o Brasil, além de compor o teatral modelo TACO, no qual se insere a passagem dos apocalípticos 200% com que Trump ameaçou taxar os fármacos europeus para 15%, inclui uma extensa lista com 700 produtos isentos. Especificamente, no caso dos fármacos, o Brasil importa muito mais do que exporta para os Estados Unidos.
Assim, esta tarifa não tem um impacto tão direto no preço dos medicamentos quanto, por exemplo, se o governo americano impusesse tarifas altas para a Índia e a China, de onde provêm a maior parte dos medicamentos mais comuns, especialmente os genéricos. Estes são produzidos no Brasil, mas com base em 95% dos insumos farmacêuticos vindos da China.
O governo brasileiro faz sua parte na encenação, respondendo com ameaças vagas de reciprocidade de tarifas, em meio a discordâncias das autoridades, em um campo particularmente importante para a economia americana – os medicamentos. Quais medicamentos importados dos Estados Unidos seriam licenciados compulsoriamente e taxados ainda é um campo nebuloso, e muito menos fica claro se, a partir daí, teria início uma guerra comercial.
No caso da indústria farmacêutica, porém, arroubos nacionalistas de parte à parte não conseguem de fato abalar um setor que, em 2023, movimentou cerca de US$ 1,5 trilhão de dólares. Seja como for, até o momento, a situação está longe de desrespeitar leis e acordos internacionais já firmados, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS). Se posto de lado por qualquer um dos signatários, como Brasil e Estados Unidos, abre uma brecha estratégica que coloca em risco patentes e licenciamentos de fármacos variados e complexos. Para se ter uma ideia do capital em jogo, contando apenas um certo número de patentes que devem vencer até 2028, o mercado brasileiro de fármacos está avaliado em mais de US$ 5 bilhões de dólares.
Seguindo o dinheiro
Neste contexto teatral, nada impede que uma águia e uma galinha dividam a mesma cena. Alguns falam em tragédia, outros em farsa. Independente do gênero, a programação é variada e, entre outros espetáculos, inclui uma negociação tarifária com a União Europeia, representada por Ursula von der Leyen, que não obteve sucesso nem mesmo na Alemanha, além de ameaças e tarifas à quase totalidade dos países do mundo, inclusive contra os BRICS.
De modo geral, o clima é de insegurança, como mostra a dúbia posição das Big Pharmas. No mundo financeiro, tal clima se traduz rapidamente em especulação. Neste sentido, discutir o valor de tarifas apoiadas em motivos vagos leva pouco adiante. Mais produtivo, como defendeu o ministro Alexandre de Moraes, seria investigar a quem interessa, quem aproveita tal especulação, especialmente se envolver informação privilegiada, considerada crime, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.
Tendo em vista algumas operações financeiras incomuns de compra e venda de moedas imediatamente antes e depois do anúncio das tarifas, o jornal The New York Times questionou se Donald Trump havia manipulado o mercado.Na mesma matéria, o NYT conta que as repartições que poderiam fazer tal investigação seriam o Departamento de Justiça e a Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio dos Estados Unidos, ambas sob controle do presidente. Neste momento, vêm à mente as palavras do antigo filósofo romano Sêneca: quem ganha com o crime é aquele que o comete.