Em conversa na Zona Azul da COP 30 com Luciana Julião, editora de ambiente do The Conversation Brasil, a professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Regina Rodrigues explicou como funciona o World Weather Attribution, iniciativa criada em 2014 pelo climatologista Geert Jan van Oldenborgh, da Holanda, e Friederike Otto, da Alemanha, que utiliza modelos matemáticos para definir, com o máximo possível de precisão, o grau de responsabilidade que as mudanças climáticas exercem sobre a formação de um evento climático extremo – de incêndios florestais e furacões a até mesmo processos de mais difícil compreensão, como o branqueamento dos corais. Confira um trecho da conversa:
“Meu nome é Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estou aqui na COP 30 para mostrar o trabalho que eu e um time de pesquisadores realizamos na análise de eventos extremos causados por calor e acidificação na região do Atlântico Sul, especialmente na costa brasileira.
Minha equipe analisou que quando esses dois fatores ocorrem simultaneamente, o impacto para a biodiversidade local é imenso. Quanto mais acidez combinada com calor, maior o estresse.
Recentemente, juntamos a esses fatores um terceiro, que é a disponibilidade de alimento.
A disponibilidade de alimento pode mitigar os efeitos negativos de um evento extremo. Mas quando você tem a combinação de calor, ácido e pouco alimento, o resultado pode ser ainda mais extremo.
Nossos estudos identificaram que, em várias regiões ao longo da costa brasileira e da África, desde 2014 todo mês há pelo menos um evento extremo provocado por alguma combinação desses três fatores.
Essa profusão de eventos envolvendo um, dois ou três desses fatores provoca os efeitos visíveis que já se registram no mundo inteiro, como o branqueamento dos corais em todos os oceanos, e o colapso da pesca em certos trechos da costa da África.
Entre 2016 e 2020, o branqueamento dos corais era um fenômeno mais restrito às águas do Oceano Índico, especialmente na região da Grande Barreira de Corais da Austrália. Mas, desde 2020, ele vem se manifestando em todos os mares do mundo, inclusive no Brasil, especialmente no litoral da Região Nordeste. Neste caso da acidificação, estamos no limiar de um tipping point, isto é, de ponto de não retorno para o problema.
Para que a gente faça hoje essa relação direta que eu e minha equipe pudemos fazer entre eventos extremos e mudanças climáticas, não foi um caminho fácil. Até há alguns anos, era impossível provar que um furacão, por exemplo, tinha algum grau de sua severidade aumentado pela ação do homem, ou se era só mais um evento natural – afinal, os furacões sempre existiram…
Então, um grupo de cientistas europeus, liderados por Geert Jan van Oldenborgh, começou a desenvolver uma metodologia de estudos que desaguou num projeto internacional chamado World Weather Attribution.
Essa metologia cruza dados climáticos históricos da região onde houve o evento extremo em estudo e compara com as características específicas daquele evento: a intensidade da chuva, a velocidade dos ventos, altura das ondas etc. Calcula-se também a média histórico de ocorrências do gênero naquele local. Esses cruzamentos de dados permitem estipular um coeficiente de alteração no comportamento dos eventos extremos ali. Essa diferença, segundo a metodologia, pode ser considerada influência das mudanças climáticas. Assim, podemos afirmar hoje, por exemplo, quantas vezes um evento se tornou mais intenso ou mais frequente devido às mudanças climáticas.
A partir dessa metodologia, tive a oportunidade de aplicá-la em três eventos climáticos extremos importantes que ocorreram recentemente no Brasil: a seca da Amazônia em 2023, as enchentes do Rio Grande do Sul em 2024 e as queimadas no Pantanal, também em 2024. Em todos eles, pudemos mostrar, com modelos matemáticos robustos, o quanto que a mão do homem teve de responsabilidade nestas tragédias. É uma forma de provar aos negacionistas, mais uma vez, a existência das mudanças climáticas, seus efeitos e os riscos que elas estão oferecendo ao planeta”.






