Grupo de mulheres Samburu em treinamento sobre a conservação do sândalo, Foto por Carroll Omuom, usada sob permissão.
Por Linda Ngari, com o apoio do Resillience Fund e Unganisha Cultures.
A árvore de sândalo, conhecida como losesiai na língua samburu, possui grande valor tradicional para o povo do condado de Samburu, no Quênia. Segundo Lillian Letiwa, uma das mulheres à frente dos esforços de conservação na região, as folhas de sândalo têm vários usos, entre eles afastar espíritos malignos de recém-nascidos. Lillian comentou:
We believe that by tying sandalwood leaves around a newborn’s neck it brings the child good luck. So the tree is one of the most valuable in our culture.
Acreditamos que colocar folhas de sândalo no pescoço de um recém-nascido traz boa sorte à criança. Por isso, a árvore é considerada uma das mais importantes em nossa cultura.
Ela acrescentou que as folhas de sândalo também são usadas com fins medicinais.
We heat up the leaves and press to shrink lumps in the breast.
Aquecemos as folhas e aplicamos nos seios para reduzir nódulos.
As mulheres Samburu juram que esse procedimento pode curar o câncer de mama.
Embora Peter Gachie, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Florestal do Quênia (KEFRI, na sigla em inglês), afirme que não há evidências de que as folhas de sândalo possam curar o câncer de mama, ele não descarta os inúmeros benefícios medicinais da planta. Segundo Gachie, partes da árvore possuem valor terapêutico, com propriedades antimaláricas, antibacterianas e antifúngicas, além de se mostrarem úteis no tratamento da impotência, problemas respiratórios, dores nas articulações, fadiga, diarreia e micose. Ele explicou:
Locals have been using the tree for years without it being threatened. Mostly using the barks or the leaves. But when it gained international recognition, it became a threatened species because now the whole tree is uprooted to acquire the sandalwood oil found in the roots. Traditionally, the bark would be used to brew herbal tea. Powder made from the barks is used as an antivenom against snake and centipede bites. It is further used as a painkiller after circumcision, or for toothaches, and even menstrual cramps. In Tanzania, it is used to cure anemia, sexually transmitted diseases and typhoid.
Os moradores locais usam a árvore de sândalo há anos, sem que isso represente risco à espécie. Usam principalmente a casca e as folhas. No entanto, após ganhar reconhecimento internacional, ela passou a ser ameaçada, já que agora é arrancada inteira para a extração do óleo presente nas raízes. Tradicionalmente, a casca era usada no preparo do chá de ervas. O pó obtido dela funciona como antídoto contra picadas de cobras e centopeias, além de servir como analgésico após a circuncisão, para dores de dente e cólicas menstruais. Na Tanzânia, também é usado no tratamento da anemia, doenças sexualmente transmissíveis e febre tifoide.
A árvore de sândalo cresce naturalmente em regiões áridas, como Samburu. Nas comunidades locais, ter uma dessas árvores em casa simboliza riqueza. O aroma adocicado que exala era usado em sacrifícios nos santuários e também oferecido a casais que desejavam se divorciar, para que voltassem a ficar juntos. Devido à variedade de usos domésticos, as mulheres assumem automaticamente o papel de principais guardiãs da espécie. Os homens costumam passar longos períodos fora de casa com o gado, pois o povo samburu é uma comunidade pastoril. Lillian explicou:
For example we build houses, and have to think about where it is so we’re not cutting trees or encroaching protected areas. We look for food for the home, and often sell cow milk while farming on the side.
Por exemplo, ao construir nossas casas, precisamos considerar a localização das árvores de sândalo, para não cortá-las nem ocupar áreas protegidas. Também buscamos alimentos para o lar e, muitas vezes, vendemos leite de vaca enquanto cultivamos a terra.
Lillian é coordenadora do Ngari Green Project. A iniciativa combate crimes ambientais por meio de programas de rádio voltados à conscientização da população. O projeto também oferece treinamento às comunidades em métodos de cozimento ecológicos e em atividades sustentáveis que geram renda. Dos 50 membros da organização, 48 são mulheres.
Lillian Letiwa (ao centro) com membros da organização Ngari Green Project. Photo por Lillian Letiwa. Usada sob permissão.
Procura pelo sândalo da África Oriental
O sândalo da África Oriental não está entre os mais procurados no mercado global. A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES, na sigla em inglês) o classifica como “falso” sândalo. Ásia e Austrália são os maiores produtores do óleo da árvore considerada “verdadeira”. Segundo a CITES, o sândalo australiano (Santalum spicatum) e o indiano (Santalum album) pertencem à mesma espécie e possuem “excelentes propriedades de mistura e uma alta proporção de componentes de elevado ponto de ebulição no óleo, o que o torna valioso como fixador para outras fragrâncias”.
Um litro de óleo de sândalo pode chegar a valer até US$ 3.000 no mercado global. Segundo a CITES, Ásia e Austrália sempre foram as principais fornecedoras, mas recentemente descobriu-se que o sândalo da África Oriental, do gênero Osyris, produz um óleo com propriedades semelhantes, ainda que de qualidade inferior. A CITES destacou:
There is high demand for Sandalwood oils by the perfumery and pharmaceutical industries driven by limited supplies from traditional source countries such as India, Indonesia, Pacific and Australia putting pressure on the alternative source, the East African Sandalwood.
Há uma grande demanda por óleos de sândalo nas indústrias de perfumaria e farmacêutica, impulsionada pela oferta limitada dos produtores tradicionais, como Índia, Indonésia, Pacífico e Austrália, o que acaba pressionando a fonte alternativa: o sândalo da África Oriental.
Na Índia e na China, o sândalo é protegido pelo Estado e considerado uma árvore sagrada. Por isso, a extração na natureza é proibida, o que deslocou o comércio para o sândalo da África Oriental e levou à exploração excessiva da espécie. Diferente dos sistemas de controles existentes nos países fornecedores tradicionais, não há mecanismos semelhantes para a Osyris lanceolata. Além do Quênia, a CITES identificou exploração insustentável de árvores de sândalo na Tanzânia, em Uganda e no Sudão do Sul, sendo o Quênia o país com o maior volume de comércio.
Como resultado, a Osyris lanceolata, o sândalo da África Oriental, foi incluída tanto na Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) quanto na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Em 2007, o governo do Quênia também proibiu a extração do sândalo.
Tráfico ilegal de sândalo
Willis Okumu, pesquisador sênior do Instituto de Estudos de Segurança, investiga o comércio ilegal de sândalo em Samburu desde 2020 e rastreou a cadeia de abastecimento até a China. Em 2022, sua pesquisa revelou os principais atores e redes que facilitam o contrabando de sândalo no Quênia.
“Na delegacia de polícia de Kilindini, em Mombaça, havia cerca de seis contêineres de sândalo apreendidos no porto da cidade. Documentos policiais indicavam que a maioria tinha como destino a China, onde há uma grande indústria ligada à chamada ‘medicina tradicional chinesa‘. Assim como o povo samburu, os chineses também acreditam que o sândalo pode curar várias doenças”, disse Okumu em entrevista por telefone à Global Voices.
Segundo Okumu, moradores de Samburu vendem um quilo de sândalo por cerca de um dólar, enquanto a mesma quantidade pode render até 20 mililitros de óleo, avaliados em aproximadamente 40 dólares.
As mulheres do condado, principais provedoras da família, também desempenham um papel central na extração do sândalo. “São elas que vão às florestas comunitárias arrancar as árvores para vender e cortar a madeira em pedaços, conforme o pedido dos clientes. Algumas chegam a formar associações para arrecadar dinheiro e facilitar o comércio. Se você for à delegacia de polícia de Samburu, verá que a maioria dos nomes na lista de presos ligados ao tráfico de sândalo, incluindo os donos dos veículos usados, pertence a mulheres”, disse Okumu.
Gráfico da cadeia de abastecimento do sândalo, segundo o Dr. Willis Okumu. Usado sob permissão.
Solução do KEFRI quanto à extinção do sândalo
Desde 2019, o KEFRI testa no Quênia o cultivo do sândalo indiano por meio de propagação artificial. Considerada uma das espécies “verdadeiras”, cresce mais rápido, produz mais óleo e tem mais demanda no mercado internacional. O instituto pretende, futuramente, introduzi-la nas comunidades para uso comercial, preservando ao mesmo tempo o sândalo nativo.
“Até agora, o sândalo indiano está se saindo ainda melhor do que o nosso”, diz Gachie. “Enquanto o cultivado aqui cresce como arbusto, com vários caules, o indiano desenvolve apenas um, o que lhe dá características de árvore. Assim, prevemos que produzirá madeira mais resistente. Seu óleo também tem mais valor de mercado”.
Árvores de sândalo cultivadas em 2022, no mesmo período. Sândalo indiano (à esquerda) e sândalo da África Oriental (à direita), nos campos do KEFRI em Rumuruti, condado de Laikipia. Usado sob permissão.
De acordo com Lillian, a maior parte do trabalho realizado pelas mulheres é improdutiva, pois exige muito esforço físico e gera pouco ou nenhum retorno financeiro. Ela pretende envolver as mulheres Samburu na venda de sândalo indiano assim que o KEFRI lançar a iniciativa.