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Debate: A Inteligência Artificial precisa ser realmente inteligente para ser eficiente?

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Debate: A Inteligência Artificial precisa ser realmente inteligente para ser eficiente?

Aqueles que estudam o campo de Inteligência Artificial (IA) não raro se deparam com um problema: a inteligência humana continua sem uma definição consensual e, consequentemente, a própria definição científica de IA também padece do mesmo dilema. Embora saibamos que somos uma espécie mais inteligente que um rato, não temos um conceito científico para definir inequivocamente o termo, e a nossa superioridade, digamos assim, continua sem uma definição.

De fato, num relatório de 2016 da Universidade de Stanford escrito por pesquisadores destacados da área, a IA foi assim definida: “um ramo da ciência da computação que estuda as propriedades da inteligência por meio de inteligência sintética”. Como apontou a pesquisadora Melanie Mitchell no seu livro Artificial Intelligence: A Guide for Thinking Humans, esta definição é um tanto circular.

Para ela, a área de IA tem focado em dois aspectos: um científico e outro prático. Do lado científico, os pesquisadores estão investigando os princípios biológicos da inteligência “natural” para integrá-los aos modelos de IA. Basta ver o Projeto Conectoma do Google, que mapeou os neurônios presentes em 1 milímetro cúbico do cérebro humano. Do lado prático, outras pesquisas estão tentando criar modelos que realizam tarefas tão bem ou melhor que humanos, sem se preocupar se esse modelos pensam como os humanos pensam.

O desacoplamento promovido pela IA

O desencontro entre esses aspectos naturais e práticos da IA parece corroborar o pensamento de Luciano Floridi, filósofo italiano da Universidade de Oxford, autor de “A ética da inteligência artificial”. Segundo ele, “a IA não diz respeito à capacidade de reproduzir o pensamento humano, mas sim à capacidade de abrir mão dele”. Ela seria então uma forma de agir que não precisa ser inteligente para ter sucesso. Segundo ele, a IA funciona como se fosse inteligente, e isso é suficiente. Esta ideia é ilustrada através da analogia da máquina lava-louças, que limpa pratos pelo menos tão bem quanto um humano, mas não os limpa da mesma maneira que um humano limpa, nem requer inteligência semelhante à humana para realizar a tarefa.

Floridi descarta a falácia de inferir inteligência a partir de resultados bem-sucedidos. Seria equivalente a assumir que um rio é inteligente porque encontra o melhor caminho para o mar. Ele afirma que a questão é executar uma tarefa com sucesso de modo que o resultado seja pelo menos equivalente ao que a inteligência humana teria sido capaz de alcançar. Ou seja, o meio não está em questão, apenas o fim. Porém, ocorre que para nós humanos considerar os meios é fundamental, e como a IA alcança seus resultados deveria entrar também na equação da eficiência e da eficácia.

Esse conceito central introduzido por Floridi – a separação entre inteligência e eficácia – é o “desacoplamento”, que descreve a separação entre um resultado e o meio pelo qual foi alcançado. Ele argumenta que a revolução digital e a internet tornaram a IA não apenas possível, mas cada vez mais útil ao desacoplar a capacidade de resolver um problema, ou completar uma tarefa com sucesso, de qualquer necessidade de ser inteligente.

Isto é apresentado como o ponto crucial do sucesso da IA: ela executa uma tarefa com sucesso apenas se conseguir completá-la sem requerer inteligência. Portanto, se a IA é bem-sucedida, significa que a tarefa foi apresentada como “desacoplável” da inteligência, que anteriormente parecia necessária para seu sucesso.

Este aspecto destacado pelo filósofo italiano revela que a IA não equivale a reproduzir inteligência humana, mas a substituí-la. Exemplos como o AlphaGo vencendo mestres humanos de Go (um jogo de tabuleiro mais complexo que o xadrez) e carros autônomos reinventando o transporte, ao invés de serem dirigidos por robôs humanoides, reforçam isto. Na IA, o resultado é o que importa, não a constatação de que o agente, ou seu comportamento, é de fato inteligente.

A IA não diz respeito a reproduzir qualquer tipo de inteligência biológica. Diz respeito a fazer sem ela. Esta IA reprodutiva é enquadrada como a continuação bem-sucedida da inteligência humana por outros meios. Isso implica que o avanço da IA depende de parar de competir com a inteligência humana e focar em substituí-la em tarefas específicas.

Vale notar que críticos da IA, como Noam Chomsky e Miguel Nicolelis, afirmam que a IA atual é apenas uma simulação de inteligência, baseada em correlações estatísticas e padrões de dados, sem compreensão real do mundo. Ocorre, então, que simulação de inteligência não é sinônimo de inteligência de fato.

A definição vaga de IA e inteligência

Uma parte significativa do argumento de Floridi diz respeito à dificuldade inerente em definir o que é uma IA, destacando que não há uma definição única e universalmente aceita. Uma pesquisa anterior listou 53 definições para “inteligência” e 18 para “IA”. A definição da Wikipedia de IA como “inteligência demonstrada por máquinas, em contraste com a inteligência natural exibida por humanos” é considerada pelos críticos uma tautologia, ou seja, uma redundância.

O filósofo de Oxford faz uma analogia interessante, comparando IA, amizade e amor à pornografia: essas “coisas” podem não ser definíveis no sentido estrito em que a água é definível e definida como H20, mas você as reconhece quando as vê.

Esta definição aceitável para a vida cotidiana, no entanto, leva à conclusão de que A IA provavelmente não é um termo científico, como “triângulo” ou “mamífero”. Em vez disso, é uma expressão genérica para definir serviços e produtos que às vezes são apenas genericamente relacionados. A IA pode então ser como uma família de técnicas, onde a semelhança e às vezes apenas algumas características em comum, já são critério suficiente para defini-la como tal.

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