Parece uma obviedade, mas nos tempos atuais, nunca é demais reforçar o quanto ciência precisa ocupar o centro da conversa quando falamos de transformação tecnológica. Nesta sexta 27 de junho, durante o II Seminário Deep Tech Brasil, organizado pela FINEP, foi realizada no auditório da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) uma mesa de debates intitulada “Desafios e oportunidades para as deep techs nas tecnologias disruptivas”. Nela, foi proposta uma reflexão estratégica sobre o papel das tecnologias de fronteira na redefinição da produção, da saúde, da economia e da inovação.
Ao reunir diferentes olhares sobre essas transformações, a mesa representará um debate que busca identificar oportunidades concretas para o avanço científico e tecnológico do Brasil, especialmente em áreas críticas para sua soberania e desenvolvimento sustentável.
Mais do que discutir tendências, os organizadores, como atores do próprio ecossistema de inovação, buscam construir uma política nacional de promoção das deep techs, reconhecendo esse campo como a nova fronteira tecnológica que o país precisa ocupar.
Disrupção que abre fronteiras da ciência
Tecnologias disruptivas não são simples inovações incrementais. Elas representam mudanças radicais que nascem na fronteira da ciência, desafiam paradigmas estabelecidos e abrem caminhos inteiramente novos para setores estratégicos como saúde, energia, materiais e informação.
São exemplos concretos dessa nova fronteira tecnológica: a Inteligência Artificial generativa, a computação quântica, a edição genética, a engenharia de biomoléculas, a síntese automatizada de compostos e materiais avançados. Trata-se de um ciclo no qual o progresso depende da integração entre pesquisa fundamental e capacidades tecnológicas sofisticadas, muitas vezes viabilizadas por iniciativas do tipo deep tech.
As deep techs se distinguem por enfrentar problemas científicos e tecnológicos ainda não resolvidos, que exigem soluções inéditas, conhecimento profundo e experimentação intensiva. Muitas delas nascem em universidades e centros de pesquisa, a partir de descobertas fundamentais que ainda não têm aplicação imediata. Ao lidar com riscos altos e horizontes de maturação longos, essas iniciativas avançam além da transferência tecnológica tradicional e se posicionam como protagonistas no desenvolvimento de inovações disruptivas.
A inteligência artificial generativa está entre as tecnologias mais disruptivas em rápida expansão. Ferramentas como o AlphaFold, capazes de predizer a estrutura tridimensional de proteínas com alta precisão, estão mudando a forma como conduzimos a pesquisa biomolecular. Modelos avançados de linguagem, treinados com dados experimentais, estruturais e clínicos, vêm sendo aplicados na biotecnologia) e na descoberta de fármacos).
Em vez de apenas automatizar tarefas, esses sistemas aprendem padrões complexos e conseguem estimar propriedades moleculares e interações com alvos terapêuticos. Também são capazes de sugerir rotas sintéticas com base em grandes volumes de dados químicos, alcançando resultados que, em muitos casos, se aproximam daqueles obtidos por abordagens experimentais convencionais).
Diversas empresas vêm liderando a convergência entre inteligência artificial e biotecnologia, consolidando o campo emergente conhecido como TechBio, em que plataformas computacionais e digitais impulsionam o desenvolvimento de soluções biológicas e terapêuticas).
Computação quântica na liderança da disrupção
Empresas como Insilico Medicine, Atomwise, BPGbio, Generate:Biomedicines, Exscientia e Recursion Pharmaceuticals integram plataformas computacionais avançadas, modelagem molecular, predição de alvos e priorização pré-clínica de candidatos a fármacos. Ao aplicar IA em todas as etapas do ciclo de descoberta, essas companhias estão transformando o modo como novas terapias são concebidas: com velocidade, precisão e racionalidade singulares no setor.
A computação quântica é uma das apostas mais ousadas entre as tecnologias disruptivas. Baseados em qubits, unidades que operam com múltiplos estados simultâneos, os computadores quânticos têm potencial para resolver problemas que desafiam os limites da computação clássica).
Suas aplicações vão da simulação de sistemas moleculares à otimização de processos industriais, passando por inteligência artificial, criptografia e design de novos materiais. Empresas como IBM, Google e D‑Wave, bem como startups avançadas como Rigetti e Pasqal, estão na vanguarda desse campo. Universidades e centros de pesquisa de todo o mundo investem em arquiteturas inovadoras, algoritmos especializados e estratégias robustas de correção de erro quântico.
Edição genética
Ferramentas de edição genética vêm ocupando um papel central entre as tecnologias emergentes na medicina. A técnica CRISPR, juntamente com abordagens mais recentes como a edição de RNA e a edição epigenética, permite intervenções precisas no genoma e no transcriptoma. Após décadas de pesquisa básica, essas estratégias começam a ser aplicadas no tratamento de doenças genéticas, cânceres específicos e distúrbios imunológicos, abrindo caminho para uma nova era de terapias personalizadas.
Entre as terapias personalizadas mais promissoras, destacam-se as células CAR-T, que reprogramam linfócitos T do próprio paciente para atacar células tumorais. Essa abordagem vem sendo aplicada no tratamento de cânceres hematológicos, como linfomas, leucemias e mieloma múltiplo. Também avançam as pesquisas em terapias gênicas in vivo, edição somática voltada a doenças hereditárias e engenharia de biomoléculas, que abrem caminho para soluções adaptativas e regenerativas em medicina de precisão.
Materiais emergentes como estruturas bidimensionais, biomateriais inteligentes, ligas quânticas e sistemas porosos estão expandindo as fronteiras da inovação em setores como eletrônica, energia, transporte e saúde. A criação dessas estruturas exige síntese química refinada, aliada a simulações computacionais sofisticadas e experimentação automatizada com apoio de inteligência artificial). Startups e centros de pesquisa exploram aplicações como baterias de nova geração, sensores biomédicos e superfícies com propriedades funcionalizadas.
A convergência entre física, química, biologia, ciência dos materiais, medicina e engenharia caracteriza a essência das deep techs, impulsionadas por ciência de alta complexidade, criatividade e risco elevado. As tecnologias disruptivas que moldarão o futuro não nascem de modismos nem de soluções prontas, mas de pesquisa rigorosa que desafia limites, cruza disciplinas e exige colaboração internacional.
As deep techs são hoje protagonistas dessa transição, e seu avanço depende da integração entre conhecimento consolidado, validação experimental e visão de longo prazo.