Ao longo desta semana, especialistas, gestores, profissionais da saúde, ONGs e pacientes estarão reunidos em São Paulo para fazer um balanço da evolução do acesso aos tratamentos do câncer no Brasil desde o ano passado. A 15ª edição do Fórum Nacional Oncoguia, nos dias 23 e 24 de abril, terá como tema central “Os direitos dos pacientes com câncer: adquiridos, mas não garantidos”. Serão debatidos os avanços e as dificuldades práticas enfrentadas para a implementação das políticas oncológicas.
É um excelente momento para discutir a evolução do acesso aos tratamentos e cuidados do câncer no país. Do ano passado para cá, os avanços incluem a publicação de três portarias importantes para regulamentar a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), anunciada no final de 2023.
Uma das portarias criou uma rede que visa melhorar a coordenação e a qualidade do atendimento oncológico. Outra portaria estabelece o programa de navegação para ajudar os pacientes a acessarem os serviços de saúde de forma mais eficiente.
A terceira portaria aborda a política de cuidados paliativos, reconhecendo a importância do suporte a pacientes em estágios avançados da doença. Esses avanços são frutos de uma grande mobilização da sociedade civil que contou com o apoio da comissão do câncer criada no Congresso. No entanto, apesar dessas conquistas, ainda há desafios significativos, especialmente em relação à implementação dessas políticas e ao financiamento adequado.
A tão esperada quarta portaria, porém, que deve tratar do financiamento e organizar a assistência farmacêutica, ainda não foi publicada. Essa portaria define se os tratamentos serão adquiridos por meio de compra centralizada ou não e como seria feita a divisão de responsabilidades entre os diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal). Na prática, a falta dessa quarta portaria impede a definição clara de como os tratamentos serão financiados e disponibilizados, resultando em incertezas e desigualdades no acesso aos cuidados oncológicos.
Embora o modelo de centralização da compra seja um caminho apoiado por entidades do setor, como o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e Oncoguia, entre outras, encontra questionamentos em diferentes níveis de governo. A necessidade de aparar as arestas é uma tarefa urgente para se chegar a uma definição de mecanismos claros para assegurar o acesso dos pacientes a novas tecnologias, especialmente aquelas já recomendadas pela Conitec. A ausência de uma pactuação sobre como os medicamentos oncológicos serão financiados, adquiridos e disponibilizados tem consequências imediatas sobre o acesso aos tratamentos e que se avolumam a médio e longo prazo.
As indefinições se refletem no cotidiano do atendimento, com os hospitais enfrentando dificuldades crescentes para fornecer medicamentos atualizados. Enquanto alguns poucos locais conseguem adquirir e fornecer terapias mais modernas, como os inibidores de ciclinas para o câncer de mama, outros ainda estão longe de alcançar o básico estabelecido nos PCDTs (Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica), documentos que estabelecem as melhores práticas para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças a serem seguidos pelos profissionais e gestores do SUS.
Neste 15º Fórum, que mobiliza todo o ecossistema da atenção ao câncer, serão apresentados os resultados da segunda edição do estudo “Meu SUS continua diferente do seu SUS”. Ao longo do ano, o Oncoguia realizou uma comparação entre os tratamentos disponíveis no Brasil para cinco tipos de câncer (mama, próstata, colorretal, pulmão e melanoma) e as recomendações mínimas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da European Society for Medical Oncology (ESMO). A análise revelou uma situação que pode ser classificada como catastrófica, pois os pacientes não estão recebendo nem mesmo o que é considerado o mínimo necessário para o tratamento eficaz do câncer. Além disso, as diretrizes do governo estão defasadas, o que agrava ainda mais a falta de acesso a tratamentos adequados.
Mais um tema discutido será a necessidade de maior transparência sobre a forma como o dinheiro está sendo alocado e gasto no tratamento do câncer. Atualmente, os dados disponíveis mostram que o maior gasto se concentra no pagamento da quimioterapia, seguido pela radioterapia e com menos recursos para pagar as cirurgias realizadas.
O que essa fotografia nos mostra é a falta de investimento em atenção primária e especializada, o que resulta em diagnósticos tardios e tratamentos inadequados. Se não houver uma revisão e reordenação das prioridades, o país continuará diagnosticando tardiamente o câncer, com mais vidas perdidas e maiores gastos com quimioterapia. Apesar das conquistas recentes, o Brasil ainda enfrenta o desafio de transformar boas intenções e avanços regulatórios em acesso real, eficaz e equitativo para quem precisa. A busca por um SUS que seja igual para todos permanece uma urgência.