Bebês ainda em gestação expostos a um dos maiores desastres climáticos da história recente do Brasil – as chuvas extremas que devastaram a Região Serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011 – tiveram maiores riscos de nascer com peso inferior ao de outros bebês. Mais de uma década depois de um dos maiores desastres climáticos da história recente do Brasil, percebe-se que os impactos de longo prazo foram além da destruição material e do luto coletivo, atingindo também a saúde dessas crianças.
Na madrugada de 11 para 12 de janeiro de 2011, a Região Serrana foi palco de uma tragédia sem precedentes. Em poucas horas, a combinação de chuvas torrenciais, encostas instáveis e urbanização desordenada resultou em mais de 900 mortes e deixou cerca de 45 mil pessoas desabrigadas.
A partir da análise de mais de 35 mil nascimentos entre 2010 e 2012, nossas pesquisas revelaram que filhos de gestantes no terceiro trimestre durante o desastre nasceram, em média, 53 gramas mais leves em comparação com outros bebês. E quando a mãe enfrentou chuvas intensas em mais de um trimestre da gestação, os efeitos se acumularam, resultando em reduções ainda mais significativas no peso ao nascer.
À primeira vista, algumas dezenas de gramas podem parecer pouco. Mas, em termos populacionais, essa diferença representa milhares de novos casos de baixo peso ao nascer.
Crianças mais vulneráveis
Definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como menos de 2.500 gramas, o baixo peso ao nascer é um indicador fundamental de saúde pública. Bebês que nascem com esse peso têm maior risco de mortalidade neonatal e infantil. Além disso, estudos mostram que essa condição está associada ao pior desempenho escolar e a menores oportunidades econômicas na vida adulta. Ou seja, o peso ao nascer revela não apenas a saúde imediata da criança, mas também as condições sociais e ambientais que marcaram a gestação, antecipando desigualdades que podem se perpetuar ao longo da vida.
Nosso estudo buscou entender os efeitos de um desastre natural sobre desfechos neonatais. Para isso, recorremos a duas fontes principais: o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), que reúne dados de cada nascimento no país (peso do bebê, idade, escolaridade e raça da mãe, entre outros), e os registros diários de precipitação do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), que identificam os dias de chuva extrema em cada município.
Com o cruzamento dessas informações, analisamos os nascimentos nas cidades serranas de Nova Friburgo e Teresópolis entre 2010 e 2012. O desastre de janeiro de 2011, por sua abrangência e imprevisibilidade, configurou um “quase experimento natural”: uma situação que, embora trágica, possibilita comparar mães expostas e não expostas ao evento durante diferentes estágios da gestação.
Estudos internacionais indicam que o primeiro trimestre costuma ser o mais sensível ao estresse materno. No Chile e nos Estados Unidos, por exemplo, terremotos afetaram sobretudo bebês expostos no início da gravidez. No caso da Região Serrana, porém, o terceiro trimestre foi o mais impactado.
Uma hipótese é o efeito acumulado da sucessão de chuvas fortes. Poucas semanas antes da tragédia, Teresópolis já havia registrado um episódio severo de precipitação, em dezembro de 2010. Esse acúmulo pode ter ampliado a vulnerabilidade das gestantes no final da gravidez, quando o corpo já se encontra em maior desgaste. Outra possibilidade é que mães expostas no início da gestação tenham conseguido algum tipo de adaptação ou recebido apoio ao longo dos meses, enquanto aquelas já no fim não tiveram tempo de se recuperar.
Crise climática e de saúde pública
Os dados também revelam desigualdades. Entre mães com maior escolaridade, o peso médio dos bebês variou pouco, independentemente da exposição. Já entre as que tinham poucos anos de estudo, a redução foi mais evidente nos grupos expostos. O recorte racial aponta na mesma direção: filhos de mães não brancas nasceram, em média, mais leves em quase todos os cenários. Esses resultados mostram como desigualdades sociais e raciais atravessam até mesmo os impactos biológicos da gestação.
Entre 2000 e 2025, o Brasil registrou mais de 160 desastres naturais, a maioria relacionados a chuvas e enchentes. Com o avanço das mudanças climáticas, a expectativa é que esses eventos se tornem ainda mais frequentes e intensos.
Embora não possamos impedir a ocorrência de desastres, é possível reduzir seus efeitos sobre gestantes. Investimentos em pré-natal, apoio psicológico, segurança alimentar e políticas emergenciais em áreas de risco são fundamentais para diminuir os danos. Afinal, o mesmo desastre pode ser devastador para uma mulher em situação de pobreza e quase imperceptível para outra em condições mais estáveis.
Nossa pesquisa ainda está em andamento e abre espaço para novas perguntas. Será que houve impacto também na duração da gestação, já que partos prematuros estão diretamente associados ao baixo peso? Até que ponto políticas públicas de resposta emergencial conseguem amortecer esses efeitos?
O que já sabemos é que o debate sobre mudanças climáticas precisa ir além da infraestrutura. Quando pensamos em desastres, é comum imaginar casas destruídas, encostas desmoronadas, perdas materiais. Mas os efeitos também se manifestaram nos corpos dos bebês, logo no início da vida. Isso mostra que a crise climática é, ao mesmo tempo, uma crise de saúde pública — e que seus impactos começam ainda no útero.
Esta pesquisa foi desenvolvida com recursos do Edital Bem-Estar e Saúde Infantil, com apoio financeiro da Fundação José Luiz Egydio Setúbal e o apoio da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).
