Uma análise recente sobre a transição climática no Brasil revela um quadro contraditório: enquanto a maioria da população apoia políticas ambientais rigorosas e prioriza o combate ao aquecimento global, o Poder Legislativo tem sido dominado por um perfil majoritariamente associado à emissão de Gases de Efeito Estufa. Esse é principal diagnóstico do Policy Brief Brasil em Transição Climática: Legislativo, opinião pública e desinformação, lançado pelo Instituto Nacional de Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem) e por nós subscrito em parceria com colegas do instituto, e que oferece análises sobre o cenário climático brasileiro atual, com recomendações para subsidiar debates políticos em andamento.
Este descompasso sugere uma profunda desconexão entre as preferências do público e a atividade parlamentar, o que evidencia a necessidade urgente de novos mecanismos de responsabilização e de estratégias de comunicação e advocacy mais eficazes. Além disso, a despeito das inclinações pró-ambientais da população, a desinformação climática ainda é um problema capaz de produzir efeitos relevantes.
O Perfil Emissor da Câmara Entre 2019 e 2023, as ações legislativas na Câmara dos Deputados foram predominantemente conduzidas por representantes com um perfil climático associado à emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).
O CO₂-Index, um indicador que mede o impacto climático das ações parlamentares, revelou que mais de 50% dos deputados pontuaram acima de 0,75, indicando uma tendência antiambiental sistemática, embora não extremista.
Essa postura é fortemente correlacionada com ideologia e interesses econômicos. Partidos de direita, como NOVO, PL e PP, apresentaram médias mais elevadas (emissoras), enquanto partidos de esquerda, como PT, PSOL e REDE, registraram médias mais baixas (mitigadoras).
O setor agropecuário desempenha um papel central nesse cenário. Ele domina as proposições associadas a emissões, e a simples presença na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) aumenta, em média, o CO₂-Index dos deputados, elevando a probabilidade de um comportamento emissor.
A opinião ambiental e climática
O quadro legislativo contrasta drasticamente com a opinião pública brasileira, que se preocupa majoritariamente com o meio ambiente. De acordo com a Pesquisa de Valores Ambientais e Atitudes sobre a Amazônia (PVAAA), 80% dos entrevistados consideram que o aquecimento global deve ser “muito priorizado” pelo governo federal.
A população também demonstra confiança nas instituições de fiscalização. Entre os que conseguem identificar o IBAMA como o órgão responsável pela fiscalização ambiental (83,2% dos brasileiros), 53,7% afirmam confiar “muito” ou “em parte” no órgão.
A rejeição a projetos de lei antiambientais é generalizada. São majoritariamente rejeitadas propostas como o aumento de agrotóxicos, a permissão de garimpo em terras indígenas, a redução das regras de licenciamento ambiental e a privatização dos serviços de saneamento básico.
Em contrapartida, há apoio majoritário (56,5%) a políticas públicas para povos e comunidades tradicionais, como o aumento do número de terras destinadas aos indígenas e quilombolas.
Num olhar regional, a percepção dos residentes da Amazônia Legal revela nuances importantes. Os amazônidas demonstram ampla rejeição a atividades destrutivas como extração de madeira, garimpo e mineração, com rejeição em torno de 82%.
No entanto, o agronegócio goza de uma alta avaliação positiva, sendo avaliado positivamente por cerca de 70% dos moradores da região. Ademais, 55,3% dos residentes no Norte concordaram com a proposta de aumentar a área permitida por lei para a agricultura na Amazônia.
Vulnerabilidade e resistência à desinformação
O cenário complexo é agravado por padrões de vulnerabilidade à desinformação climática no país. Nossos dados qualitativos indicam que, quando apresentados a conteúdos falsos, participantes de grupos focais tendem a classificá-los como “verdadeiros”. Além disso, há uma alta propensão a compartilhá-los em mídias sociais. Essa suscetibilidade cognitiva é significativamente maior em grupos com menor capital educacional e informacional, a exemplo das classes de renda C e D.
Ainda que conteúdos falsos possam gerar reflexão e dúvida, o predomínio de aceitação sugere uma abertura à disseminação do negacionismo climático. Curiosamente, os residentes da Amazônia Legal se mostraram mais resistentes, apresentando a menor taxa de compartilhamento do vídeo.
Propostas para fechar o abismo
Diante do descompasso entre a elite parlamentar e as preferências do público, o Policy Brief recomenda ações de advocacy e comunicação, além de propostas para desenho de políticas.
Responsabilização Legislativa: Criar um Relatório Anual de Impacto Climático Legislativo e estabelecer indicadores públicos de desempenho climático parlamentar, vinculando metas ambientais a emendas orçamentárias.
Educação Segmentada: Implementar programas de educação midiática e científica voltados para a checagem e rastreabilidade de fontes, com foco nas classes C e D, onde a vulnerabilidade é maior.
Comunicação Empática: É sugerida a formação de “autoridades empáticas” — cientistas e comunicadores que combinem credibilidade técnica com linguagem acessível — para contrabalançar o discurso científico percebido como distante e elitizado. Além disso, campanhas de comunicação devem se basear na experiência climática vivida (enchentes, calor, seca), ancorando a mensagem no cotidiano das pessoas.
Ademais, essas evidências mostram que as políticas de desmatamento zero precisam reconhecer a aceitação social do agronegócio como um dado do contexto amazônico. Por isso, é necessário um incentivo concomitante a práticas rurais sustentáveis para produtores já estabelecidos na região, tanto para evitar a expansão de áreas agricultáveis quanto para fortalecer as sanções contra a especulação fundiária.
Tais medidas são essenciais para converter o apoio público em pressão efetiva e assegurar que as políticas climáticas e ambientais brasileiras avancem na direção pró-conservação, majoritariamente desejada pelos cidadãos.
O desafio é real: sendo um país em transição climática, o Brasil precisa garantir que o Poder Legislativo reflita, e não contrarie, a vontade de sua população em proteger o meio ambiente e se proteger das mudanças climáticas.
_ Este artigo foi produzido e publicado com apoio do INCT ReDem – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Representação e Legitimidade Democrática, financiado pelo CNPq. _






