Enquanto a Amazônia e, em menor grau, o Cerrado dominam o debate público, o Bioma Pampa — ecossistema campestre de biodiversidade única, restrito ao Sul do Brasil — desaparece em um ritmo alarmante. Proporcionalmente, é o bioma que mais perdeu cobertura natural nas últimas décadas, e também o menos protegido por unidades de conservação, com apenas cerca de 3% de sua área sob proteção oficial, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente.
Entre 1985 e 2022, o Pampa perdeu 32% de sua vegetação campestre nativa. O Pampa é, portanto, um bioma ameaçado, fortemente degradado e descaracterizado. Mas essa constatação é ofuscada por uma profunda crise de visibilidade.
A National Geographic e a desinformação ambiental
O estudo sobre a cobertura jornalística feita pela revista National Geographic Digital ilustra que o contexto mais amplo da desinformação ambiental e climática sobre o Pampa é desenvolvido a partir da opacidade na cobertura midiática. A isso, podemos aliar as táticas da desinformação que estão cada vez mais engenhosas.
A conclusão fundamental do artigo “O Pampa Invisível” é incisiva: os enquadramentos textuais e visuais adotados pela revista National Geographic em sua cobertura digital sobre o bioma Pampa “mantêm opaca a dimensão sobre a responsabilidade do agronegócio na conversão de campos naturais em áreas de monoculturas”.
Esta afirmação não sugere uma simples falha jornalística ou um lapso editorial, mas aponta para um resultado estrutural decorrente de um conjunto específico e consistente de escolhas narrativas. A opacidade, neste contexto, é o produto final de um processo que oculta as causas profundas da degradação do bioma, substituindo uma análise crítica das relações de poder por uma descrição mais superficial e fragmentada dos seus efeitos.
Essa aparente inação política e a opacidade midiática não ocorrem no vácuo; elas são, em grande parte, sustentadas e possibilitadas por um ecossistema mais amplo de desinformação. É importante salientar que a compreensão contemporânea da desinformação ambiental transcende a noção simplista de “notícias falsas” ou mentiras explícitas.
Definições como as adotadas pela Comissão Europeia e pela coligação Climate Action Against Disinformation (CAAD) caracterizam-na como a divulgação intencional de informações falsas, distorcidas ou enganosas que visam minar a confiança na ciência, enfraquecer o apoio público à ação climática e, em última análise, retardar ou bloquear políticas eficazes.
Um elemento essencial desta definição é o reconhecimento de que a desinformação pode operar através da “deturpação de dados científicos, inclusive por omissão”.
Esta estratégia de ofuscar a responsabilidade é observada em outras análises de mídia, e alinha-se perfeitamente com as táticas historicamente empregadas pelo que sociólogos ambientais designam como o “contramovimento à ação climática” (climate change counter-movement, CCCM). Este contramovimento é uma rede coordenada de atores, incluindo corporações de combustíveis fósseis, associações comerciais, think-tanks conservadores e aliados políticos, que trabalham para semear a dúvida sobre a ciência climática e obstruir a regulamentação ambiental.
Ao apresentar a degradação do Pampa como um problema de “descuido” governamental ou de falta de conhecimento sobre a sua biodiversidade, a cobertura midiática acaba por ecoar, mesmo que involuntariamente, a narrativa preferida da indústria: uma que desvia a culpa de si mesma e a coloca em atores mais difusos e abstratos, como o “Estado” ou a “sociedade”.
Embora no artigo sobre o Pampa tenhamos nos detido apenas no agronegócio, é possível traçar um paralelo relevante com as corporações do petróleo. O lobby do agronegócio, tal como o lobby dos combustíveis fósseis, opera para moldar as narrativas públicas de forma a proteger os seus interesses econômicos.
Táticas de atraso
A desinformação climática e ambiental evoluiu. A era do negacionismo explícito, com a negação da existência ou da causa humana das alterações climáticas, embora ainda presente em certos nichos, tornou-se menos defensável no debate público. Em resposta, os atores que procuram obstruir a ação ambiental adotaram táticas mais sofisticadas, conhecidas como “discursos de atraso” (discourses of delay), conforme discutido pelo pesquisador do Potsdam Institute for Climate Impact Research William Lamb e seus colegas.
Estes discursos não pretendem refutar a ciência, mas sim semear a dúvida, a apatia e a paralisia, com o objetivo de adiar, enfraquecer ou bloquear a implementação de políticas ambientais significativas. Lamb e sua equipe propõem quatro categorias essenciais que formam a base de narrativas desinformativas: o redirecionamento da responsabilidade, a promoção de soluções não transformativas, a ênfase nos lados negativos da ação e a sugestão de rendição.
A análise do enquadramento do Pampa revela que as narrativas da National Geographic e da imprensa hegemônica em geral, intencionalmente ou não, alinham-se perfeitamente com estas táticas de atraso.
Ponto de não retorno
Os elementos principais da desinformação em torno do Pampa são alimentados não só, mas também por coberturas jornalísticas cujo enquadramento favorece os discursos de negação. É frequente a crítica da produção jornalística que aponta abordagem frequentemente enviesada por um olhar desenvolvimentista, com o predomínio de notícias “sobre a conversão do Pampa através dos incentivos às lavouras, em especial de soja, mas também de arroz, milho e eucaliptos”, com raras exceções que abordam dados com maior profundidade.
A análise do caso do Pampa demonstra a evolução da desinformação ambiental, que se moveu do negacionismo explícito para táticas mais sutis e aprimoradas, fortes o suficiente para retardar a ação climática eficaz. Portanto, a desinformação não é um fenômeno marginal na crise do bioma; ela é um vetor central de sua degradação.
Ao criar uma realidade paralela em que o ecossistema parece estar conservado e a proteção ambiental é um obstáculo ao progresso, ela corrói o capital político e social necessário para implementar políticas de conservação ajustadas ao cenário socioambiental. A consequência é a paralisia que permite que a conversão dos campos nativos avance sem freios, direcionando o Pampa para um ponto de não retorno.
Para o jornalismo, importa retomar ações prioritárias no seu exercício, especialmente evitar a reprodução acrítica de informações que, embora factuais, são enganosas. A divulgação de dados sobre a “queda do desmatamento”, sem a devida contextualização de que isso se refere apenas às áreas florestais, é um exemplo de como a mídia pode, involuntariamente, amplificar a desinformação.
Desta forma, a pesquisa sobre desinformação se revela importante para que o jornalismo atue proativamente para preencher o vácuo de conhecimento a respeito do Pampa. Para isso, deve estar atento à precisão terminológica com uma abordagem explicativa e investigativa.
Adotar o termo “conversão de campo nativo” em vez do impreciso “desmatamento” para descrever a principal ameaça ao Pampa é um dos indicativos. Apresentar dados contextualizados, sempre trazendo implicações e limitações metodológicas, números que, em contraste, mostram que a perda do campo é maior que a perda de floresta.
De modo geral, o jornalismo ambiental comprometido com a ação climática deve dar visibilidade aos modelos que já existem no Pampa, que são sustentáveis, evitando o falso dilema do desenvolvimento contrário à tradição e cultura local; expor interesses políticos e econômicos que se beneficiam de sua degradação; e, por fim, atuar em aliança estratégica com os setores de checagem de fatos, capacitando o público a identificar e resistir a essas manipulações narrativas.