No dia 9 de julho, Donald Trump surpreendeu ao receber na Casa Branca os líderes de cinco países africanos — Senegal, Gabão, Libéria, Guiné-Bissau e Mauritânia — para uma cúpula estratégica. O motivo central: negociar acesso americano a minerais críticos e redefinir a posição dos Estados Unidos no continente. Embora esses países tenham PIBs relativamente baixos, são ricos em recursos estratégicos como manganês, cobre, bauxita e terras raras, fundamentais para setores como energia, baterias e tecnologia.
Por trás desse movimento está a escalada da competição global por minerais essenciais, que vem redesenhando o mapa das relações internacionais e impactando diretamente em países como Brasil e Chile, grandes exportadores de minérios e atores-chave na transição energética global. Se por muitos anos a política americana para a África foi marcada por programas de ajuda e cooperação, agora a lógica se volta ao comércio e à disputa direta com a China pelo controle das cadeias produtivas do futuro.
Durante o encontro, Trump deixou claro que a prioridade dos Estados Unidos é garantir o acesso a minerais estratégicos, mesmo que isso signifique cortar drasticamente o apoio da USAID e redirecionar recursos para acordos comerciais. O discurso “comércio, não ajuda” tornou-se um mantra, sinalizando uma ruptura com a política anterior do país. De fato, mais de 80% dos programas de ajuda humanitária americana na África foram encerrados desde março, levantando alertas sobre possíveis crises humanitárias e aumento das pressões migratórias regionais — com potencial para afetar até rotas migratórias que chegam ao Brasil.
Essa virada de chave não se dá por acaso: nos últimos anos, a China consolidou posição dominante em diversas minas africanas, exportando volumes crescentes de minerais essenciais para sua indústria tecnológica. Os EUA, ao perder terreno, enxergam nos acordos bilaterais com países menores da África uma oportunidade de retomar protagonismo e garantir segurança de suprimento para suas indústrias, num momento em que a eletrificação da frota automotiva, a digitalização e a agenda verde exigem volumes cada vez maiores de cobre, níquel, lítio e terras raras.
As novidades não param por aí. Em 11 de julho, Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre a importação de cobre procedente de Chile, Canadá e México, com início em agosto, numa tentativa clara de proteger a indústria nacional e pressionar fornecedores externos. A medida provocou aumento imediato nos preços globais do metal, prejudicando os exportadores chilenos — Chile é o principal fornecedor desse metal para os EUA — e forçando países latinoamericanos a buscarem alternativas de mercado. Para o Brasil, que não é grande exportador de cobre para o mercado americano, o movimento acende o alerta para possíveis barreiras em outros minerais estratégicos, além de estimular a busca por novos acordos regionais, inclusive com parceiros africanos.
O movimento americano ocorre em paralelo a uma tendência crescente entre países africanos de restringir a exportação de minerais em estado bruto, exigindo processamento local para geração de empregos e valor agregado. O Gabão, por exemplo, anunciou abertura para investimentos estrangeiros, desde que contribuam para industrialização doméstica. Ruanda, Namíbia e Zimbábue seguem a mesma linha. O Brasil, grande exportador de minério de ferro e lítio, sente a pressão para deixar de ser mero fornecedor de matéria-prima e investir em tecnologia, pesquisa e beneficiamento.
As recentes tensões dentro do BRICS Plus também entram nessa equação. A ausência do presidente chinês Xi Jinping e a participação virtual de Vladimir Putin na última cúpula, somadas ao bloqueio de Egito e Etiópia a uma declaração sobre reforma do Conselho de Segurança da ONU, mostram fissuras no bloco. Sua expansão, celebrada como alternativa ao G7, exibe evidentes problemas de coesão interna. Para o Brasil, isso significa repensar sua diplomacia multilateral: como se posicionar frente à crescente fragmentação do bloco e ao endurecimento da postura americana, que inclusive ameaça aplicar tarifas extras a países que se alinharem aos BRICS?
As decisões de Washington em relação à África acabarão por antecipar tendências globais que impactam diretamente a América Latina. O corte de ajuda humanitária e as restrições migratórias dos EUA afetarão os fluxos de migração da África Ocidental para o continente americano, inclusive via Brasil, obrigando governos latino-americanos a buscar respostas conjuntas em fóruns internacionais.
No centro desse tabuleiro está o desafio brasileiro de não apenas reagir, mas atuar estrategicamente. A disputa global por minerais críticos, intensificada pelas recentes ações americanas e pela resposta africana, exige do Brasil uma política industrial robusta, integração regional e visão de longo prazo para agregar valor aos seus recursos naturais. O país pode buscar alianças tecnológicas (inclusive com África e Ásia, investir em diplomacia econômica e liderar novas negociações no âmbito dos BRICS — ou correr o risco de ser espectador num jogo onde outros decidem o futuro da indústria, do emprego e do papel do Brasil no mundo. Esta é a era dos minerais críticos.
O novo ciclo de competições e alianças mostra que, num mundo conectado e multipolar, ainda que fragmentado e assimétrico, a capacidade de adaptação e de antecipação pode ser o diferencial entre o protagonismo e a irrelevância. Decisões tomadas em Washington, Pequim ou Libreville impactam sobre o cotidiano, o emprego e o futuro dos demais, incluído o Brasil e toda a América Latina.