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‘Drones submersos’: como os narcossubmarinos não tripulados poderão redefinir o tráfico internacional de drogas

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‘Drones submersos’: como os narcossubmarinos não tripulados poderão redefinir o tráfico internacional de drogas

A guerra global contra as drogas entrou numa nova e inquietante fase. Em julho de 2025, a apreensão do primeiro narcossubmarino não tripulado e guiado remotamente, feita pela Marinha da Colômbia, assinalou mais do que uma operação bem-sucedida contra o narcotráfico. Representou também a materialização de uma mudança de paradigma tecnológico e estratégico. O que começou há décadas como uma tática de contrainsurgência logística dos cartéis colombianos evoluiu para uma ameaça sofisticada que agora visa diretamente o tráfico transoceânico, com uma eficiência sem precedentes.

A evolução de uma ameaça submersa

O conceito de narcossubmarino nasceu da necessidade. No final do século XX, a intensificação da vigilância em portos e aeroportos forçou os cartéis colombianos a procurar um novo domínio para o transporte de cocaína: o ambiente submarino. As primeiras embarcações, construídas em estaleiros clandestinos nas profundezas da selva, eram rudimentares. Com o tempo, evoluíram para semissubmersíveis de propulsão própria (SPSS), projetados para navegar com um perfil mínimo acima da água, tornando-os quase invisíveis a olho nu e de difícil detecção por radar.

A operação “Maré Negra”, em novembro de 2019, que culminou na primeira apreensão de um narcossubmarino na Europa, ofereceu um vislumbre das condições desumanas a bordo. Uma tripulação de três homens navegou quase 6.500 quilômetros do Brasil à Espanha numa embarcação artesanal de 22 metros, o “Che”. Durante quase um mês, enfrentaram tempestades, saneamento inexistente e um ambiente claustrofóbico, motivados por uma carga de três toneladas de cocaína avaliada em centenas de milhões de euros. Este caso ilustra o modelo de negócio de alto risco das organizações criminosas, onde as tripulações são tratadas como ativos descartáveis.

O pivô Transatlântico: a Europa como destino primário

Enquanto as rotas do Pacífico para os Estados Unidos permanecem ativas, a última década testemunhou um monumental pivô estratégico em direção ao mercado europeu. Impulsionadas por preços mais elevados e margens de lucro maiores, as organizações criminosas estabeleceram uma robusta ponte transatlântica. As apreensões de cocaína na Europa superam agora as dos Estados Unidos, confirmando a mudança de foco.

Nesta nova geografia, o Brasil tornou-se um “pivô” logístico fundamental. A sua vasta costa atlântica e a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) criaram a plataforma de lançamento perfeita. O narcotráfico moderno opera agora num ecossistema descentralizado, semelhante a uma franquia global. Cartéis colombianos atuam como “produtores”, enquanto o PCC se estabeleceu como o principal “franqueado” de logística para o Atlântico, com presença estabelecida na África e na Europa para facilitar a distribuição.

A Península Ibérica é o principal portal de entrada. A costa acidentada da Galícia, em Espanha, tornou-se um destino ideal. Após a interceptação do “Che” em 2019, um segundo submarino, o “Poseidon”, foi descoberto em março de 2023. Embora vazio, a descoberta de lanchas rápidas (“narcolanchas”) nas proximidades sugere que a sua carga foi transferida com sucesso em alto-mar antes de a embarcação ser afundada, demonstrando um método operacional refinado.

Portugal consolidou-se como outro ponto de entrada crucial. Em março de 2025, a operação “Nautilus” interceptou um semissubmersível a 900 quilômetros dos Açores com uma carga massiva de 6,6 toneladas de cocaína. A interdição, realizada em pleno oceano, foi um sucesso notável, impedindo que a tripulação multinacional, composta por brasileiros, um colombiano e um espanhol, afundasse a embarcação. A rota, partindo da foz do rio Amazonas no Brasil com destino a Portugal, sublinha a natureza e a escala destas operações transnacionais.

A mudança de paradigma: a era do “submarino fantasma” não tripulado

A apreensão do primeiro “drone submersível” do narcotráfico em julho de 2025, no Caribe colombiano, representa uma ruptura tecnológica. A embarcação, atribuída ao Clã do Golfo, foi encontrada vazia, provavelmente numa “fase de teste”. Esta descoberta confirmou os receios dos serviços de inteligência, que há anos monitorizavam os esforços das organizações criminosas transnacionais para desenvolver submarinos não tripulados.

A sofisticação do protótipo reside na sua tecnologia. Equipado com uma antena de internet via satélite da Starlink, podia ser pilotado remotamente a partir de qualquer lugar do mundo, um salto quântico em relação aos sistemas de comunicação anteriores. O seu design hidrodinâmico e de baixo perfil torna-o extremamente furtivo e quase imune à detecção por radar.

A transição para sistemas não tripulados altera drasticamente a análise de risco-recompensa para as organizações criminosas. A principal vantagem é a eliminação do risco humano. Em caso de captura, a perda é puramente material; não há tripulação para ser presa e interrogada.

O elo mais fraco da cadeia operacional é removido, criando enormes obstáculos processuais e tornando a atribuição de responsabilidade penal quase impossível. Livres das restrições biológicas, estes UUVs (Veículos submarinos não tripulados) podem realizar missões mais longas e arriscadas, tornando o modelo de negócio global mais eficiente e resiliente.

O campo de batalha assimétrico e o futuro da narcoguerra

A luta contra os narcossubmarinos é um exemplo clássico de guerra assimétrica. A sua construção em fibra de vidro e o design de baixo perfil tornam-nos “quase invisíveis” aos sistemas de radar e sonar. A Guarda Costeira dos EUA estima que apenas um em cada quatro é interceptado, uma taxa que permite que um volume massivo de drogas chegue ao seu destino.

Dada a dificuldade de detecção, a estratégia mais viável é uma abordagem focada em inteligência para desmantelar as redes em terra, através da cooperação internacional, do controle de materiais precursores e do rastreio financeiro. No entanto, a ameaça continua a evoluir. As trajetórias futuras apontam para o uso de enxames de UUVs para saturar as defesas, navegação autônoma alimentada por IA para evitar patrulhas, e embarcações totalmente elétricas e submersíveis, que seriam virtualmente indetectáveis.

O narcossubmarino evoluiu de uma ferramenta tática improvisada para uma arma estratégica de primeira ordem no arsenal do crime organizado transnacional. A chegada dos sistemas não tripulados marca o início de uma nova era de narcoguerra, onde a tecnologia, a furtividade e a negação plausível conferem uma vantagem assimétrica avassaladora às organizações criminosas transnacionais.

A resposta dos Estados não pode ser reativa. É necessária uma transição urgente de uma estratégia de interdição física para uma de disrupção de redes, baseada em inteligência, domínio tecnológico e inovação jurídica. O fracasso em adaptar-se a esta nova realidade submersa garantirá que as organizações criminosas continuem a navegar, invisíveis e impunes, sob as ondas da segurança global.

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