Enquanto inicio este texto, o noticiário informa que 64 mortes foram registradas no que já se tornou o dia mais letal da história da segurança pública do Rio de Janeiro.
A megaoperação, capitaneada pelas forças estaduais e o Ministério Público estadual, tinha por objetivo fazer frente à expansão territorial da facção Comando Vermelho.
Em resposta à ação policial deflagrada na área do Complexo do Alemão e da Penha, a cidade registrou uma série de distúrbios em várias áreas: ônibus sequestrados, barricadas incendiadas e pedras sendo lançadas contra viaturas policiais e carros que passavam por vias expressas.
Esse cenário de caos, infelizmente, não parece novidade para quem acompanha as notícias sobre o Rio de Janeiro. Chega-se ao dia mais sangrento da história de um estado que se acostumou com a barbárie, por uma série de omissões e ações de agentes políticos e forças policiais que têm dobrado a aposta em estratégias ineficazes.
Massacres desde a posse
Em 2021, Cláudio Castro, eleito como vice-governador, se sentaria na cadeira do Palácio Guanabara após a conclusão do processo de impeachment contra Wilson Witzel. Cinco dias depois da posse, pôs sua assinatura em um massacre ocorrido no Jacarezinho – um sinal contundente do que seria seu governo nos anos seguintes.
Nos primeiros dias de sua gestão , policiais civis protagonizaram o que foi considerado, até o dia de hoje, como a maior chacina da história do Rio. Foram 28 mortos, sendo um deles um agente policial. As cenas que foram produzidas naquele dia e apresentadas à população em todos os jornais chocaram pela quantidade de sangue e pela sensação de que a população enfrentaria um dia seguinte sem mudanças significativas para suas vidas. Apenas poças de sangue para serem lavadas.
A primeira semana de seu governo, portanto, já começou com uma pilha de mortos. Desde o seu primeiro mandato à frente do Palácio Guanabara, o atual governador tem demonstrado uma incapacidade de pôr as forças de segurança sob seu comando, tendo sua autoridade questionada em uma série de ocasiões.
Sem inteligência articulada, crime avançou
Inaugurado pelo então governador Wilson Witzel, o desenho de dar autonomia para as polícias estaduais esvaziou o papel de articulação e comando da Secretaria de Segurança Pública, que foi então extinta. Dessa maneira, Witzel e, atualmente, Castro, deram um sinal claro para as polícias conduzirem suas ações à sua maneira, sem articulação, sem comando e sem estratégia.
O resultado do descalabro na polícia foi o avanço das facções criminosas, notadamente as milícias e, mais recentemente, o Comando Vermelho. Aumentaram também os registros de ações de violência armada que levam ao fechamento de escolas e estabelecimentos de saúde nas áreas de influência mais direta do tráfico e da milícia.
Além de tudo isso, o governo se viu acuado sob a ingerência política direta da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na escolha dos chefes das polícias. Sob pressão e em nova mostra de falta de autoridade, o governador se viu obrigado a aceitar uma mudança de lei para desobstruir o caminho de Marcus Amim, conhecido como “delegado influencer”, à chefia da Polícia Civil.
Até então, havia exigência em lei de 15 anos de experiência como delegado para assumir a chefia da Polícia Civil, o que Amin não possuía à época. O comando de Marcus Amin, no entanto, teria fim em menos de um ano.
Com isso, desde 2020, o Rio de Janeiro teve cinco chefes de Polícia Civil, tendo um deles ficado no cargo por apenas 17 dias, sinal claro de que falta um plano concreto para a segurança pública do estado.
Nada mudou: só a contagem de mortos e prejuízos
Quando colocamos a operação ocorrida no dia 28 de outubro de 2025 em perspectiva, vemos que só o que realmente muda é a contagem de mortos, de crianças sem aula, de agentes feridos, não raro para patamares ainda maiores.
O governador Cláudio Castro tem vendido a ideia de que essa foi a maior operação da história do Rio de Janeiro, envolvendo 2.500 agentes. Dentro de sua lista de reclamações, o governador assume que as forças de segurança estaduais não conseguem mais dar respostas efetivas aos problemas de segurança do Rio e que seria necessário o envolvimento das forças armadas.
Caso o pleito seja atendido, não seria a primeira vez que algo desse tipo acontece. Em 2018, o Rio de Janeiro esteve sob Intervenção Federal na segurança pública. A medida de força na época inédita significou a retirada de atribuições de competências do governador de turno, Pezão, para que assumisse um interventor, Braga Netto, que nomeou um militar como secretário de segurança pública.
Nos meses que se seguiram, centenas de operações foram realizadas pelas forças policiais em cooperação com as forças armadas. Ações envolvendo milhares de agentes, algumas com até 4 mil homens, tornaram-se corriqueiras em favelas e regiões periféricas da cidade. Naquele ano, o Rio de Janeiro atingiu a marca de 1.534 mortes cometidas por policiais, um aumento de 36% em relação a 2017.
E o que foi produzido sete anos depois além das cenas lamentáveis e desnecessárias que foram contabilizadas na megaoperação do Cláudio Castro? O que foi feito para coibir e enfrentar o braço econômico da facção do tráfico? Quais foram as estratégias traçadas para asfixiar os esquemas que garantem aos criminosos acesso a armamentos e munições? Quais serão as novas estratégias e como se coordenarão as forças de segurança para garantirem que a população não seja mais vítima do controle armado de grupos criminosos?
No próximos dias, os jornais seguirão noticiando os resultados desta operação até que uma nova “megaoperação” domine as manchetes. Enquanto isso, infelizmente, não haverá novidades aos moradores dos Complexos da Penha e do Alemão: eles irão acordar ainda sob o domínio armado do tráfico e continuarão à espera de políticas que produzam soluções – e não novas poças de sangue.





