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Em outubro, Bolívia redefine seus rumos em segundo turno à presidência com dois candidatos de direita

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Em outubro, Bolívia redefine seus rumos em segundo turno à presidência com dois candidatos de direita

Em 17 de agosto, a Bolívia foi às urnas para escolher seus representantes no Executivo e no Legislativo — com a eleição de deputados e senadores. Mas a disputa pela presidência ainda não terminou: o segundo turno, marcado para 19 de outubro, será decisivo para definir os rumos políticos do país.

Apesar da decisão final sobre a Presidência ainda não ter ocorrido, o resultado das urnas aponta um movimento inédito na política boliviana devido à derrota do Movimiento al Socialismo (MAS). Este partido governa a Bolívia desde 2006, quando Evo Morales assumiu seu primeiro mandato e venceu todas as eleições presidenciais desde então. Por quase 20 anos, foi a principal força política do país. Mas na eleição que se aproxima, o povo boliviano terá como opções apenas dois candidatos conservadores de direita: Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, e Jorge Quiroga, do Aliança Livre.

O início do século XXI ficou conhecido como Onda Rosa, quando houve uma série de governos de esquerda e centro-esquerda eleitos na América Latina. O primeiro caso foi a chegada de Hugo Chávez, na Venezuela, sendo seguido por outras lideranças no continente, como Néstor Kirchner (Argentina), Lula (Brasil) e Tabaré Vázquez (Uruguai), para citar alguns. Apesar da heterogeneidade das conjunturas nacionais e dos projetos políticos, havia traços em comum, como a reação ao projeto neoliberal predominante na década de 1990, buscando resgatar direitos sociais em contexto de crise socioeconômica e valorizar as condições de vida da população.

O fim da “Onda Rosa”

Na Bolívia, a vitória de Evo Morales integrou esse ciclo e sua vigência até os dias atuais mostra-se como um dos mais longevos na América Latina. Por mais de 10 anos, a Bolívia apresentou crescimento econômico e desenvolvimento social, com expressivas transformações na inclusão dos setores populares – tanto com medidas de redistribuição de renda quanto com a valorização da identidade cultural dos povos indígenas. Um dos marcos foi a promulgação de nova Constituição que define a Bolívia como Estado Plurinacional, reconhecendo que há mais de uma nação dentro daquele território. No campo econômico, tendo Luis Arce como Ministro da Economia, a Bolívia promoveu a nacionalização de seus recursos naturais, o que permitiu assegurar os investimentos nas áreas sociais e manter o custo de vida sob controle.

Já no âmbito político, um dos traços do período foi a alteração de regras eleitorais permitindo sucessivas reeleições de Morales, mesmo que tenha sido questionado em referendo popular de 2016 e permitido por decisão judicial. Precisamente no contexto de uma reeleição, em 2019, houve o golpe de Estado que depôs Morales, levando-o ao exílio político e instalando Jeanine Áñez como presidenta interina, no que foi a maior crise do país desde o início do século. Quando o processo eleitoral é retomado, Luis Arce se candidata à Presidência (Morales não participou nessas eleições), ganhando em 2020 e dando continuidade à força política do MAS.

Entretanto, ao longo de seu governo, Arce enfrentou duas frentes de instabilidade: uma no lado socioeconômico e outra no lado político-partidário. A respeito da primeira, os últimos anos evidenciaram uma conjuntura desfavorável para a economia boliviana: a desvalorização dos preços das commodities exportadas; a escassez de dólares no mercado de câmbio; a inflação puxando a alta dos preços; e a falta de uma base industrial nacional. Somados, esses elementos geraram descontentamento popular e baixa aprovação de Arce, quem decidiu não se candidatar à reeleição em 2025.

Crise e recursos naturais

Outro ponto de destaque são as reservas de gás e de lítio, que despertam interesse de companhias internacionais, inclusive estadunidenses, nos recursos naturais da Bolívia. Isso levanta debates à dificuldade de romper com o ciclo de dependência. No nível dos partidos políticos, houve um grande racha na esquerda boliviana, que se somou à desafios como a tentativa de golpe militar em 2024. Se antes Morales e Arce eram aliados, passaram a ser rivais, o que fragmentou o campo progressista no país – até então capitaneado pelo MAS.

Por um lado, tendo fundado um novo partido, Morales tentou se candidatar nas eleições, mas enfrentou dificuldades na Justiça e passou a defender o voto nulo (foram 19% no primeiro turno presidencial). Já Arce indicou seu Ministro de Governo, Eduardo del Castillo, como representante do MAS. Ademais, um terceiro candidato – que também rompeu com o MAS – emergiu como novo nome da esquerda independente: Andrónico Rodríguez.

Diante desse cenário, em agosto, Rodríguez atingiu 8%, enquanto Castillo conseguiu 3%. Foram os menores resultados da esquerda na Bolívia, como resultado da conjuntura apresentada até aqui. Além disso, as explicações decorrem da busca do eleitorado por alternativas ao grupo político preponderante nos últimos 20 anos, mesmo que buscando estratégias já conhecidas no país. Com isso, os dois candidatos que alcançaram o segundo turno foram Rodrigo Paz e Jorge Quiroga.

Nenhum dos dois é novo na política, aportando ideias de correntes tradicionais e conservadoras. Em particular, Quiroga já ocupou o Palácio Quemado, entre 2001 e 2002, sucedendo como vice-presidente a Hugo Banzer – ditador militar. Enquanto Paz, tendo sido senador e prefeito de Tarija, é filho do ex-presidente Paz Zamora (1989-1993). Ambos os candidatos apresentam propostas econômicas liberais, que atendem os interesses do empresariado, especialmente concentrado em Santa Cruz de la Sierra.

Em outubro, a população decidirá quem será o próximo presidente da Bolívia, governando da Plaza Murillo até 2030. Indubitavelmente, o governo será marcado por mudanças em relação à força política que governou desde 2006 (com exceção do período 2019-2020) e por uma linha mais conservadora e alinhada à direita. Isso decorre também da composição do Poder Legislativo, pois o MAS perdeu espaço na Assembleia Nacional e houve preponderância de deputados e senadores de direita. Contudo, os desafios sociais e econômicos permanecem para serem resolvidas, inclusive com dificuldades estruturais no âmbito interno, assim como no nível internacional.

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