A guerra tarifária imposta pelo governo Donald Trump e as transformações recentes na geoenconomia — incluindo o papel dos BRICS e as novas agendas de cooperação internacional — trazem à tona questões ainda sem respostas e a urgência de ações para evitar um colapso econômico, tanto nacional quanto global.
Nesse contexto, países como México, Canadá e, sobretudo, a China surgem como alternativas estratégicas para compensar a perda de mercados nos Estados Unidos. Reduzir a dependência e a vulnerabilidade a decisões unilaterais dos EUA tornou-se essencial. A China, por sua vez, tem se consolidado como um parceiro consistente e de longo prazo, com interesse contínuo em produtos brasileiros, especialmente commodities.
Nós, do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, publicamos recentemente um artigo na revista científica Geografía de América Central, no qual analisamos a reestruturação econômica do território fluminense e a territorialização dos investimentos chineses no estado do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XXI.
A China como investidor global
A ascensão da China como investidor internacional remonta ao último quarto do século XX. Após abrir sua economia ao capital estrangeiro, o país não apenas passou a atrair investimentos, como também expandiu sua atuação como investidor global, especialmente ao longo das primeiras décadas do século XXI.
Segundo a periodização proposta por Wang e Gao, esse processo pode ser dividido em três estágios: “restrito” (1978–1999), “relaxado” (2000–2016) e “regulado” (a partir de 2016). Mesmo com a recente redução nos fluxos de investimentos externos durante a fase “regulada”, os dados da Agência de Comércio e Desenvolvimento da ONU (UNCTAD) mostram que os estoques de investimentos diretos chineses continuaram crescendo.
Em 2022, a China manteve sua posição como uma das principais fontes de investimento externo do mundo, com US$ 146,5 bilhões em fluxos e US$ 2,9 trilhões em estoques de investimento direto, ocupando a terceira colocação global — atrás apenas dos Estados Unidos e Japão (em fluxos), e dos Estados Unidos e Países Baixos (em estoques).
Investimentos chineses no Brasil
As relações diplomáticas entre Brasil e China foram estabelecidas em 15 de agosto de 1974. Desde então, a interação entre as duas economias cresceu de forma dinâmica, com destaque para a criação da Parceria Estratégica em 1993 e, posteriormente, da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, em 2004.
Em 2012, essa relação foi elevada ao nível de Parceria Estratégica Global, com o lançamento do Plano Decenal de Cooperação (2012–2021) e a criação do Diálogo Estratégico Global.
Entre 2005 e 2022, o Brasil atraiu cerca de 48% dos investimentos chineses na América do Sul, consolidando-se como o principal destino regional do capital chinês, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC, 2023). No mesmo período (2007–2022), os investimentos totalizaram aproximadamente US$ 71,6 bilhões, distribuídos em cerca de 235 projetos em setores variados.
Inicialmente, os aportes chineses concentraram-se em commodities e atividades extrativas, como petróleo, minério de ferro e agronegócio. Com o tempo, houve diversificação para áreas como energia elétrica, infraestrutura, setor financeiro, tecnologia da informação e transporte, evidenciando um interesse crescente em setores estratégicos e de longo prazo.
O caso do Rio de Janeiro
Desde a fusão com a antiga Guanabara, o estado do Rio de Janeiro passou por profundas transformações econômicas e espaciais. Tradicionalmente centralizado na Região Metropolitana, o dinamismo econômico fluminense migrou, em parte, para o interior, que ganhou protagonismo após os anos 1990.
Apesar da perda relativa de participação na economia nacional, o estado recebeu aportes significativos de capital chinês entre 2010 e 2021, sendo o terceiro maior destino de investimentos chineses na Região Sudeste, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais.
Nesse período, os investimentos totalizaram cerca de US$ 18,9 bilhões, com foco predominante na busca por recursos naturais, principalmente nos setores de petróleo, gás e energia elétrica. Aproximadamente 88% dos aportes foram voltados para projetos de extração e fornecimento de recursos estratégicos, enquanto os outros 12% concentraram-se em iniciativas voltadas ao mercado interno, como nos setores automotivo, de informática, infraestrutura e energia.
Entre os principais investidores, destacam-se empresas estatais como Sinopec e Sinochem, que lideraram projetos de exploração de petróleo e gás natural, incluindo o complexo Polo GasLub, antigo Comperj, em Itaboraí. No setor elétrico, empresas como State Grid e SPIC Brasil investiram na implantação de linhas de transmissão (Xingu-Rio) e no desenvolvimento do parque termelétrico do Açu.
Também houve investimentos orientados pela busca de mercado, com participação de empresas como CR Zongshen (automotiva), Qihoo (informática) e China Communications Construction Company (infraestrutura). Projetos recentes da Shanghai Shemar Power Holdings, em cidades como Niterói, Magé e São Gonçalo, confirmam a continuidade desse interesse estratégico.
Esse processo de reestruturação produtiva, impulsionado por capital externo, especialmente chinês, reforça a importância do território fluminense como ponto estratégico para os interesses energéticos e comerciais da China no Brasil.
Novos horizontes para o multilateralismo
Nossos estudos buscam contribuir para uma análise mais aprofundada sobre os investimentos chineses no estado do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, alimentar reflexões em torno da adoção de políticas públicas assertivas no relacionamento bilateral Brasil-China.
A China não é apenas um dos principais destinos das exportações brasileiras, mas também um ator relevante nos investimentos produtivos no país. Diante disso, é fundamental que formuladores de política externa, pesquisadores e representantes de diversos setores se atentem à complexidade e às oportunidades dessa parceria.
Esperamos que estas reflexões contribuam para o debate público e incentivem o fortalecimento de uma política externa brasileira estratégica e fundamentada em dados concretos, capaz de aprofundar as relações com a China sem perder de vista os interesses nacionais e regionais.