Estudo realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com colaboração internacional, revela que uma variação genética pode influenciar na presença de sintomas relacionados à endometriose, uma condição ginecológica também conhecida como “a doença da mulher moderna”.
A endometriose é uma condição que acomete entre 3% e 20% das mulheres em idade reprodutiva e se caracteriza pela presença de tecido do endométrio, que é o revestimento interno do útero, fora da cavidade uterina. Esse tecido pode se implantar em órgãos da pelve como ovários, tuba uterina, bexiga, intestino, ligamentos uterinos e, em casos mais graves, em locais como diafragma ou até pulmões.
Essa condição pode causar sintomas dolorosos intensos, comprometer a fertilidade e exigir processos diagnósticos e terapêuticos invasivos, impactando negativamente o bem-estar físico, emocional e social das pacientes.
Papel hormonal e da genética
Apesar de sua alta prevalência, os mecanismos moleculares que sustentam a endometriose ainda não são completamente compreendidos. Estudos recentes, no entanto, indicam que o hormônio leptina (LEP) e seu receptor LEPR estão significativamente elevados no fluido peritoneal de mulheres com endometriose, sugerindo uma possível relação com o desenvolvimento da doença.
Produzida principalmente pelas células de gordura, a leptina é conhecida por regular o apetite, o metabolismo e também atuar em processos inflamatórios — mecanismos que estão diretamente envolvidos na fisiopatologia da endometriose, incluindo a proliferação celular, inflamação e angiogênese.
Além disso, sabe-se que a ação da leptina pode ser modulada por polimorfismos genéticos, pequenas variações na sequência do DNA que podem influenciar a expressão e o funcionamento de proteínas. A presença de determinados polimorfismos genético pode, portanto, contribuir para a intensidade dos sintomas e para a predisposição individual à doença.
Pesquisa de campo
Diante desse contexto, nosso grupo de pesquisa do Laboratório de Pesquisa de Ciências Farmacêuticas, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), buscou investigar a associação entre dois polimorfismos específicos, um no gene que codifica a leptina, conhecido por LEP rs7799039, e outro do receptor da leptina, o LEPR rs1137100, e os sintomas dolorosos da endometriose em mulheres brasileiras.
O estudo, financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi conduzido em parceria com os hospitais públicos Moncorvo Filho,da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, além da colaboração internacional do Instituto Português de Oncologia (IPO) no Porto/Portugal, reunindo um total de 237 mulheres com diagnóstico confirmado de endometriose. Os resultados foram publicados na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.
Entre elas, 107 foram diagnosticadas com endometriose por exames de laparoscopia, 39 por laparotomia e 91 por ressonância magnética, com confirmação de endometriose infiltrativa profunda. Os casos cirúrgicos foram ainda classificados de acordo com a gravidade da doença (estágios I–II e III–IV), e os sintomas clínicos foram divididos em quatro categorias: leves, moderados, graves e incapacitantes. Foram considerados sintomas leves aqueles que não exigiram uso de medicação para controle da dor. Os sintomas moderados são os controlados com medicação administrada em casa. Os sintomas graves exigiram tratamento hospitalar, porém sem alívio efetivo. E os sintomas incapacitantes são aqueles que interferem significativamente nas atividades diárias das pacientes, provocando inclusive o absenteísmo.
Para fins de análise, as participantes foram agrupadas em dois grupos principais: aquelas com sintomas graves ou incapacitantes (grupo com sintomas relacionados à endometriose) e aquelas sem sintomas graves (grupo controle).
Resultados reveladores
Os resultados revelaram uma alta prevalência de sintomas dolorosos entre as participantes: 82% relataram dor durante a menstruação (dismenorreia); 67% dor durante a relação sexual (dispareunia); 53% dor pélvica crônica; 52% sintomas intestinais cíclicos; 25% com sintomas urinários durante a menstruação (dor ou sangramento).
A análise genética mostrou que o polimorfismo LEPR rs1137100 esteve significativamente associado à presença de dor pélvica crônica e dor durante a relação sexual, sugerindo que essa variação pode influenciar diretamente a intensidade da dor em mulheres com endometriose.
Aplicação do trabalho
Nossos achados reforçam a hipótese de que alterações genéticas no receptor da leptina podem contribuir para a manifestação dos sintomas incapacitantes da doença. O polimorfismo LEPR rs1137100, em especial, surge como um possível marcador genético (biomarcador) associado à dor ginecológica relacionada à endometriose. O diagnóstico definitivo pode levar até 8 anos e metodologias não invasivas, como a análise genética utilizando amostras de saliva da mulher, por exemplo, pode ser uma ferramenta útil na prática clínica.
Acreditamos que este nosso estudo abre caminho para futuras investigações sobre o papel dos polimorfismos genéticos no desenvolvimento e prognóstico da endometriose. Além disso, os dados obtidos podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas individualizadas, baseadas na genética de cada paciente, com o objetivo de melhorar o manejo da dor e, consequentemente, a qualidade de vida das mulheres que convivem com essa condição.
A publicação deste artigo tem o apoio da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).