O grande físico russo e ganhador do Prêmio Nobel Lev Landau observou certa vez que “os cosmólogos estão frequentemente em erro, mas nunca em dúvida”. Ao estudar a história do próprio Universo, há sempre uma chance de termos entendido tudo errado, mas nunca deixamos que isso atrapalhe nossas investigações.
Há poucos dias, um novo comunicado à imprensa anunciou descobertas revolucionárias do Dark Energy Spectroscopy Instrument (DESI), instalado no Telescópio Mayall, no Arizona. Essa ampla pesquisa, que contém as posições de 15 milhões de galáxias, constitui o maior mapeamento tridimensional do Universo até hoje. Para contextualizar, a luz das galáxias mais remotas registradas no catálogo do DESI foi emitida há 11 bilhões de anos, quando o Universo tinha cerca de um quinto de sua idade atual.
Os pesquisadores do DESI estudaram uma característica na distribuição de galáxias que os astrônomos chamam de “oscilações acústicas de bárions (baryon_acoustic_oscillations)”. Ao compará-la com observações do Universo primordial e de supernovas, eles sugerem que a energia escura – a força misteriosa que impulsiona a expansão do nosso Universo – não é constante ao longo da história do Universo.
Uma visão otimista da situação é que, mais cedo ou mais tarde, a natureza da matéria escura e da energia escura será descoberta. Os primeiros vislumbres dos resultados do DESI oferecem, pelo menos, uma pequena esperança de que isso aconteça.
Entretanto, isso pode não acontecer. Podemos investigar e não fazer nenhum progresso na compreensão da situação. Se isso acontecer, precisaremos repensar não apenas nossa pesquisa, mas o próprio estudo da Cosmologia. Precisaríamos encontrar um modelo cosmológico totalmente novo, que funcionasse tão bem quanto o atual, mas que também explicasse essa discrepância. Não é preciso dizer que seria uma tarefa difícil.
Para muitos interessados em ciência, essa é uma perspectiva empolgante e potencialmente revolucionária. Entretanto, esse tipo de reinvenção da Cosmologia e, de fato, de toda a ciência, não é novo, conforme argumentado no livro de 2023 The Reinvention of Science (“A Reinvenção da Ciência”).
A busca por dois números
Em 1970, Allan Sandage escreveu um artigo muito citado apontando para dois números que nos aproximam de respostas sobre a natureza da expansão cósmica. Seu objetivo era medi-los e descobrir como eles mudam com o tempo cósmico. Esses números são a constante de Hubble, H₀, e o parâmetro de desaceleração, q₀.
O primeiro desses dois números nos informa a velocidade com que o Universo está se expandindo. O segundo é a assinatura da gravidade: como uma força atrativa, a gravidade deveria estar atuando contra a expansão cósmica. Alguns dados mostraram um desvio da Lei de Hubble-Lemaître, da qual o segundo número de Sandage, q₀, é uma medida.
Não foi possível encontrar nenhum desvio significativo da linha reta de Hubble até que foram feitas descobertas em 1997 pelo Supernova Cosmology Project de Saul Perlmutter e pela High-Z SN Search Team liderada por Adam Riess e Brian Schmidt. O objetivo desses projetos era procurar e acompanhar supernovas que explodiam em galáxias muito distantes.
Esses projetos encontraram um claro desvio da linha reta simples da Lei de Hubble-Lemaître, mas com uma diferença importante: a expansão do Universo está acelerando, não desacelerando. Perlmutter, Riess e Schmidt atribuíram esse desvio à constante cosmológica de Einstein, que é representada pela letra grega Lambda, Λ, e está relacionada ao parâmetro de desaceleração.
Seu trabalho lhes rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2011.
Energia escura: 70% do Universo
Surpreendentemente, essa “matéria Lambda”, também conhecida como energia escura, é o componente dominante do Universo. Ela tem acelerado a expansão do Universo até o ponto em que a força da gravidade é sobrepujada, e é responsável por quase 70% da densidade total do Universo.
Sabemos pouco ou nada sobre a constante cosmológica, Λ. De fato, nem mesmo sabemos que ela é uma constante. Einstein disse pela primeira vez que havia um campo de energia constante quando criou seu primeiro modelo cosmológico derivado da Relatividade Geral em 1917, mas sua solução não estava se expandindo nem se contraindo. Ela era estática e imutável e, portanto, o campo tinha de ser constante.
Construir modelos mais sofisticados que continham esse campo constante foi uma tarefa mais fácil: eles foram derivados pelo físico belga Georges Lemaître, amigo de Einstein. Os modelos cosmológicos padrão atuais baseiam-se no trabalho de Lemaître e são chamados de modelos Λ Cold Dark Matter (ΛCDM na sigla em inglês), ou “Matéria Escura Fria-Lambda”.
As medições do DESI, por si só, são totalmente consistentes com esse modelo. Entretanto, ao combiná-las com as observações da radiação cósmica de fundo em micro-ondas e de supernovas, o modelo que melhor se ajusta é aquele que envolve uma energia escura que evoluiu ao longo do tempo cósmico e que (potencialmente) não será mais dominante no futuro. Em resumo, isso significaria que a constante cosmológica não explica a energia escura.
O “Grande Colapso”
Em 1988, o ganhador do Prêmio Nobel de Física de 2019 P. J. E. Peebles escreveu um artigo com Bharat Ratra sobre a possibilidade de haver uma constante cosmológica que varia com o tempo. Na época em que eles publicaram esse artigo, não havia nenhuma opinião séria sobre Λ.
Essa é uma sugestão atraente. Nesse caso, a fase atual de expansão acelerada seria transitória e terminaria em algum momento no futuro. Outras fases da história cósmica tiveram um início e um fim: inflação, a era dominada pela radiação, a era dominada pela matéria e assim por diante.
O domínio atual da energia escura pode, portanto, diminuir ao longo do tempo cósmico, o que significa que ela não seria uma constante cosmológica. O novo paradigma implicaria que a expansão atual do Universo poderia eventualmente se reverter em um “Grande Colapso” (Big Crunch).
Outros cosmólogos são mais cautelosos, principalmente Carl Sagan, que sabiamente disse que “afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. É fundamental ter várias linhas de evidência independentes que apontem para a mesma conclusão. Ainda não chegamos lá.
As respostas podem vir de um dos projetos atuais em andamento – não apenas o DESI, mas também o Euclid e o J-PAS – que visam explorar a natureza da energia escura por meio do mapeamento em grande escala de galáxias.
Embora o funcionamento do próprio Cosmos esteja em debate, uma coisa é certa: uma época fascinante para a Cosmologia está no horizonte.