A condenação – com direito a prisão preventiva por risco de fuga – do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro não chegou a surpreender. Mas pode estar gerando apreensão na crescente cortina de extrema-direita que se forma nas Américas. Particularmente na América Latina, onde nos últimos anos foram registrados alguns impeachments controversos, eleições alimentadas por desinformação e golpes explícitos que levaram ao poder políticos conservadores e autoritários, como ocorreu na Argentina, no Equador e em El Salvador – além do próprio Bolsonaro, em 2018. Eis o que escreveu sobre isso, com exclusividade para o The Conversation Brasil, o doutor em Ciências Políticas e Sociais e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), André Araújo:
Ao longo dos últimos 15 anos, múltiplos governos de direita chegaram ao poder, seja por via eleitoral ou não. Entre os marcos iniciais, podemos citar os golpes em Honduras contra Manuel Zelaya (2009) e no Paraguai contra Fernando Lugo (2012), além da eleição de Mauricio Macri na Argentina (2015). Entretanto, os acontecimentos desde então não foram homogêneos e podem ser caracterizados em distintas fases.
Inicialmente, de modo geral, eram governos que podem ser chamados de direita tradicional, com propostas econômicas liberais que interromperam a estruturação de políticas para redução das desigualdades sociais que marcaram o primeiro período do século XXI.
Os resultados limitados que esses governos alcançaram impulsionaram a radicalização na sociedade. No final dos anos 2010, inicia-se um ciclo de governos com características que desafiam a institucionalidade e aprofundam um processo de autocratização, revertendo conquistas desenvolvidas na América Latina desde a redemocratização na década de 1980.
Não se trata de episódios isolados, mas de um fenômeno que esteve presente em múltiplos países – inclusive fora da América Latina, como visto nos Estados Unidos e na Hungria. Entre os principais exemplos, podemos citar Nayib Bukele (El Salvador) e Jair Bolsonaro (Brasil), dois integrantes das chamadas direitas neopatriotas, conforme termo cunhado por José Antonio Sanahuja e Camilo López Burian.
Diferentemente de outros governantes do espectro da direita política, ambos possuem um projeto contestatório que desafia estruturas internas, como os mecanismos de freios e contrapesos, e também internacionais, questionando a legitimidade das organizações internacionais e do multilateralismo. Tais medidas são acompanhadas de um discurso nacionalista, com componentes específicos para definir a identidade nacional e quem estaria representado nessa identidade, que tende a ser menos inclusiva e pluralista.
Respostas institucionais
Ademais, muitos desses governos impuseram desafios à democracia por meio da manipulação da legislação, questionamentos aos resultados eleitorais e tentativas de golpe de Estado. Alguns dos casos que podem ser citados são a recusa do presidente equatoriano Daniel Noboa em se afastar do cargo durante a campanha eleitoral de 2025; as ações do Ministério Público e de aliados do governo Giammattei, na Guatemala, para contestar os resultados e dificultar a transição de poder entre 2023 e 2024 para Bernardo Arévalo; e a tentativa de golpe de Estado no Brasil, liderada por Jair Bolsonaro entre 2022 e 2023.
A esse respeito, o caso brasileiro viu o ápice da tentativa de tomada do poder, com o objetivo de impedir o governo eleito e perpetuar a presidência de Bolsonaro, pela via da força, nos ataques aos palácios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
A sequência de medidas que compuseram o intento de golpe de Estado foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal, com decisão em 11 de setembro de 2025. Pela primeira vez na história brasileira, houve a condenação a um ex-presidente da República por tentativa de golpe de Estado, bem como de militares de alta patente.
No momento em que este texto foi escrito, entre 23 e 24 de novembro, a execução das penas ainda não havia sido iniciada, embora alguns dos condenados estejam presos — como é o caso de Jair Bolsonaro. Em 22 de novembro de 2025, ele foi detido preventivamente pela Polícia Federal diante da tentativa de romper a tornozeleira eletrônica, o que indicaria possível fuga. Esse acontecimento afeta não apenas as dinâmicas políticas internas, mas também internacionais.
A influência do Brasil em toda a região latino-americana provoca repercussões. Por um lado, Bolsonaro enquanto presidente (entre 2019 e 2022) encontrou alinhamento ideológico com múltiplos políticos de direita e extrema direita na região, como Iván Duque (Colômbia), Mario Abdo Benítez, que governou o Paraguai entre 2018 e 2023, e Jeanine Áñez , que presidiu a Bolívia entre 2019 e 2020.
Sua estratégia política de testar os limites institucionais e fomentar apoio nacionalista de sua base eleitoral teve eco em mais políticos da região, como o ultradireitista José Antonio Kast (Chile) e Payo Cubas.
A eleição de Bolsonaro em 2018, portanto, e seu estilo de governar acabaram servindo como referência para outras lideranças de direita e extrema direita em contextos latino-americanos similares. Sua tentativa de golpe e o não reconhecimento do segundo turno das eleições de 2022, no qual Lula foi vitorioso, se inspirou em movimentos que já haviam ocorrido – especialmente similar ao que ocorreu nos Estados Unidos, ao final do primeiro mandato de Donald Trump.
Pontos de convergência e sinais de alerta
Posteriormente, o caso brasileiro permaneceu como um ponto de convergência entre correntes políticas de extrema direita que se conectaram por meio de alianças como a Conferência de Ação Política Conservadora CPAC e também associações com movimentos e partidos europeus. A permanência da polarização no Brasil e também o apoio de uma parte da sociedade ao bolsonarismo demonstraram que era uma ação que não havia perdido toda a força política após a tentativa violenta de golpe e após a condenação judicial.
Por um lado, a prisão preventiva de Bolsonaro pode motivar as alianças políticas e apoiadores em outros países a se radicalizarem e questionarem as decisões judiciais brasileiras ou mesmo em seus próprios países. Apesar das diferenças em cada caso, convém lembrar que outros países deram continuidade a projetos radicais, com elementos conservadores e autoritários, como na Argentina, no Equador e em El Salvador. Tais propostas seguem em discussão em campanhas eleitorais recentes, como na Bolívia e no Chile.
Por outro lado, sua condenação e prisão podem ser entendidas como um elemento de demonstração, aos demais países, de que projetos autoritários possuem espaço limitado na América Latina e que há respostas institucionais sólidas.
A reação dada no caso brasileiro – que foi um dos poucos países em que a autocratização foi revertida – abre precedentes para que outros países que passem por situações semelhantes tenham condições de responder e evitar golpes. Nesse sentido, pode ser um sinal para a desmobilização de movimentos golpistas, defendendo que divergências políticas sejam resolvidas por vias institucionais, como as eleições.
