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Entre pares, livros e ideias: repensando a sustentabilidade desde o Sul Global

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Entre pares, livros e ideias: repensando a sustentabilidade desde o Sul Global

Qualquer pesquisador que já submeteu um artigo a um periódico de alto impacto conhece bem o rigor do processo de avaliação duplo-cego. Quando chegam os pareceres, já pensamos com tédio em quanto será preciso reescrever, ajustar e incorporar sugestões — muitas vezes extensas e desafiadoras —, sobretudo para quem, como tantos de nós, ainda enfrenta as barreiras linguísticas para publicar em inglês.

Em 2025, porém, vivi uma experiência completamente diferente. Recebi cinco pareceres e, para minha surpresa, três deles não apenas apontaram lacunas no trabalho submetido, mas também expressaram um genuíno desejo de contribuir para seu aprimoramento.

Um dos revisores, em especial, indicou uma leitura que ultrapassou o contexto da revisão: procurei o livro, mergulhei em suas páginas e ele acabou me acompanhando em viagens de ônibus e metrô ao longo do ano.

O que normalmente é uma etapa tensa e impessoal transformou-se em algo inspirador — uma prova de que, também nos bastidores da ciência, há espaço para o aprendizado e a generosidade intelectual.

Tratava-se de The Sustainability Class: How to Take Back Our Future from Lifestyle Environmentalists (“A aula da sustentabilidade: como recuperar nosso futuro com um estilo de vida ambiental”, em tradução livre), de Vijay Kolinjivadi e Aaron Vansintjan, publicado em 2024. Quem quer que tenha sido o revisor ou revisora que fez essa indicação, sem saber me deu um grande presente.

O livro, aparentemente, ainda não possui tradução para o português nem para o espanhol — minhas línguas de origem —, o que o torna improvável de encontrar nas livrarias que costumo visitar. Talvez por isso a recomendação tenha sido ainda mais valiosa, um convite inesperado para atravessar fronteiras linguísticas e intelectuais, em plena sintonia com as questões que temos estado explorando em nosso trabalho acadêmico.

O livro é pouco convencional, pois não hesita em desconstruir mitos sobre a sustentabilidade, as transições contemporâneas e as chamadas “falsas soluções” — aquelas que muitas vezes produzem mais impacto midiático do que efetivo no enfrentamento das crises planetárias.

Os autores ilustram suas críticas com exemplos surpreendentes — alguns até então desconhecidos para mim — que traduzem de forma brilhante o sentido de suas argumentações, como os casos de The Line e Auroville. Mas vão além: convidam o leitor a refletir sobre os ritmos e tempos da natureza e sobre o papel do engajamento humano nas relações ecológicas que moldam os ecossistemas onde habitamos e que, inevitavelmente, transformamos.

Baseando-se em dados sólidos e contundentes, a obra discute sobre como as raízes das crises climática e socioecológica são estruturais e de longa duração, profundamente entrelaçadas aos modos de produção e consumo dominantes — cujas origens podem preceder até a formação contemporânea das nações latino-americanas.

O alerta é claro e contundente: enquanto essas bases não forem transformadas, mesmo ações movidas pelas melhores intenções podem acabar reforçando as próprias crises que pretendem enfrentar.

O pensamento crítico junto com uma visão holística, inter- e transdisciplinar, são fundamentais para enfrentar as crises planetárias. A título de exemplo — e a partir da minha aproximação com o campo da energia —, uma das passagens mais instigantes do livro ressalta que a eficiência não deve ser compreendida como um fim em si mesma, mas acompanhada pela noção de suficiência para se tornar, de fato, um instrumento realmente transformador diante das crises contemporâneas.

A eficiência isolada, quando subordinada à lógica da maximização do capital, pode inclusive aprofundar a exploração da natureza e, paradoxalmente, intensificar as próprias crises que pretende mitigar.

Um carro elétrico é, sem dúvida, mais eficiente que um a diesel; mas se continuarmos com a lógica de um veículo por pessoa, os ganhos globais permanecerão limitados em uma população crescente. Reduzir o consumo de matéria e energia é fundamental, especialmente nas nações mais ricas do Norte Global.

Questão da desigualdade é central

As discussões sobre desigualdades — que ultrapassam dimensões econômicas, infraestruturais e de risco, incorporando profundas dimensões ecológicas e culturais históricas — devem hoje ocupar um lugar central na agenda ambiental global.

Como destacam os autores Kolinjivadi e Vansintjan, o que a economia convencional classifica como “externalidades” dificilmente pode ser considerado realmente externo em um mundo único que demanda soluções globais urgentes.

Hoje percebemos como o lixo descartado em um canto do planeta produz efeitos que se espalham por todo o globo, lembrando-nos de que as crises contemporâneas não respeitam fronteiras. Mas os capitais, ganhos e danos sim, reproduzindo ou intensificando as desigualdades quando não direcionados. Uma real transição socioecológica justa exige mudanças profundas capazes de repensar os fundamentos sobre os quais organizamos nossas sociedades.

A leitura de The Sustainability Class foi, portanto, mais do que uma simples indicação acadêmica, tornou-se um lembrete de que a ciência, quando exercida com generosidade e espírito crítico, pode inspirar as transformações que o mundo tanto necessita — começando pelas próprias interações entre pares.

Mesmo partindo de disciplinas distintas, muitos de nós convergimos na inter- e transdisciplina, buscando diagnósticos e alternativas sistêmicas capazes de enfrentar os desafios globais com rigor e sensibilidade.

E, talvez o mais importante: fazemos isso desde lugares muitas vezes periféricos no debate global, mas repletos de saberes e perspectivas indispensáveis — como a nossa América Latina.

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