Desde seu retorno à presidência, Donald Trump tem adotado uma postura agressiva em relação a tarifas comerciais. Os 25% prometidos sobre produtos do México e Canadá para pressionar políticas de imigração, além de 10% sobre importações chinesas, com possibilidade de aumento para 60%, são apenas parte da carteira de imposições oferecidas indistintamente, e que afetarão também a União Europeia e o Reino Unido, todos acusados de práticas desleais, e ainda cogita taxar produtos dos BRICS em 100% – neste caso para conter o risco de desdolarização da economia mundial.
Nesse sentido, é consenso que o dólar desempenha papel central no sistema financeiro global, sendo a moeda utilizada de forma hegemônica no comércio, nas reservas internacionais e na liquidação de pagamentos. E é através desta hegemonia monetária que os EUA têm explorado, para além das taxações, instrumentos financeiros como sanções e bloqueios econômicos para pressionar governos que supostamente ameaçariam a sua agenda geopolítica.
É o exemplo do caso da Venezuela, alvo do antagonismo dos Estados Unidos devido à sua associação com políticas socialistas – e os ataques ao país, inclusive, são tidos como parte de uma “missão messiânica” para combater o comunismo.
Rede SWIFT, mecanismo de sanções e coerção enconômica
Para além destes mecanismos mais tradicionais, também deve ser considerada a rede SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), intermediária de transações comerciais transnacionais, que foi utilizada para impor sanções econômicas unilaterais e arbitrárias contra países ‒ como foi o caso da Rússia, em 2022, em resposta às operações militares na Ucrânia, e do Irã, que foi excluído do SWIFT em 2012 devido a sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia relacionadas ao seu programa nuclear, bem como empresas e indivíduos considerados adversários – e em geral sem consenso internacional.
As consequências das sanções econômicas, seja via SWIFT ou através da restrição de outros mecanismos de acesso ao sistema financeiro internacional, são severas para as populações afetadas. Para além de perdas geopolíticas, estas medidas afetam de forma catastrófica a vida das pessoas, restringindo o acesso a bens essenciais, serviços de saúde e oportunidades econômicas, exacerbando crises humanitárias, freando o desenvolvimento dos países afetados e aumentando o sofrimento da população civil.
Já as tarifas impostas por Trump seguem a mesma lógica de coerção econômica, impactando diretamente as populações – sejam elas norte-americanas ou internacionais – encarecendo bens de consumo, minando a liberdade econômica ao restringir cadeias produtivas, e claro, aprofundando desigualdades globais.
A Declaração de Kazan, assinada ano passado sob a presidência russa dos BRICS, reconhece os impactos negativos causados pelo uso unilateral de sanções econômicas como ferramenta de pressão geopolítica.
Protecionismo reacionário
Agora, a escalada tarifária, especialmente contra países do BRICS e aliados estratégicos, não representam um protecionismo embasado no dito nacionalismo Trumpista, e sim, numa tentativa de coerção econômica que vai contra os próprios princípios de livre mercado historicamente defendidos pelos EUA.
Em vez de promover a competitividade, essas medidas favorecem monopólios e corroem a tão sagrada livre concorrência, ao impedir que produtos e moedas concorram em igualdade de condições.
Esse protecionismo reacionário não só enfraquece o comércio global como expõe a fragilidade da hegemonia do dólar, que, ao invés de se sustentar pelo mérito, precisa ser imposta pela força. Adereçando esta questão, a declaração destaca como mecanismo o BRICS Pay, bem como o desenvolvimento do New Development Bank (NDB, Novo Banco de Desenvolvimento) – também conhecido como o Banco dos BRICS – como mecanismos estratégicos para a emancipação econômica das nações através do processo de desdolarização da economia.
O BRICS Pay, por exemplo, é projetado como uma plataforma de pagamento transfronteiriço ligada aos países BRICS+, possibilitando transações diretas entre os países do bloco através do uso de moedas locais, reduzindo a dependência a sistemas dominados por potências externas. Assim, o NDB consolida-se como instituição através do desenvolvimento sustentável e do fomento ao desenvolvimento de infraestrutura nos países membros, igualmente promovendo o uso de financiamento em moedas locais de maneira a reduzir a vulnerabilidade cambial e as dependências externas – tudo isso enquanto simultaneamente expande a cooperação financeira no bloco.
A busca por soberania se conecta intimamente com a emancipação econômica e a construção de uma ordem mundial multipolar. Um sistema de poder internacional caracterizado pela distribuição equilibrada de influência entre múltiplos estados ou blocos, na medida em que a independência financeira é fundamental para garantir que as nações possam tomar decisões alinhadas aos seus interesses internos, sem subordinação a estruturas hegemônicas.
Uma emancipação econômica promovida por meio de iniciativas como as intermediações comerciais baseadas em moedas locais, bem como a cooperação financeira regional, permitirá que os países retomem o controle sobre suas políticas monetárias e comerciais. Promovendo maior autonomia nas negociações internacionais, sustentando a agenda de desdolarização da economia e potencialmente driblando as sanções unilaterais norte-americanas.
Essas medidas importam pois o dólar, que funciona como moeda mediadora no arranjo internacional, exerce uma influência desproporcional sobre a economia de virtualmente todos os países do mundo.
O importante papel dos BRICS+ na desdolarização
Diante de tal conjuntura, os esforços dos países BRICS+ pela desdolarização e construção de uma ordem multipolar soberana surgem como uma resposta necessária e estratégica aos desequilíbrios do sistema financeiro global, que hoje tem face norte-americana e monopolista.
A desdolarização, assim, consiste num projeto político e estratégico para resgatar a soberania das nações, promover justiça econômica e assegurar a integridade da vida humana, e não apenas assegurar os interesses do Norte Ocidental.
A presidência russa dos BRICS transiciona, agora em 2025, para o Brasil, com a agenda prioritária de facilitar o comércio e investimento entre os países através do desenvolvimento de meios de pagamento enquanto promove projetos de cooperação entre os países do Sul Global.
Geopoliticamente, esta transição posiciona o Brasil tanto como representante das economias emergentes, quanto como mediador entre os interesses diversos dos países membros. Historicamente reconhecido por sua diplomacia multilateral e capacidade de mediação, o Brasil encontra agora a possibilidade de desempenhar um papel de liderança ao articular uma agenda que priorize a integração econômica e financeira dos países BRICS+ enquanto promove os interesses do Sul Global. Através, por exemplo, de instrumentos como o BRICS+ Pay e a consolidação do NDB como uma instituição financeira capaz de mediar transações econômicas internacionais.
Mais do que nunca, o bloco tem a oportunidade de consolidar sua relevância geopolítica e econômica, fortalecendo os laços entre os países do Sul Global e propondo alternativas viáveis à hegemonia do dólar.
Perante o aparente desespero protecionista de Trump, bem como sua retórica maximalista, esperamos o surgimento de um movimento acelerado de desdolarização e reorganização econômica, com os BRICS fortalecendo suas próprias instituições financeiras e diversificando suas fontes de financiamento, sinalizando o esgotamento do modelo americano baseado em coerção e sanções arbitrárias.
Hoje, os países dos BRICS+ são protagonistas do sonho de uma ordem internacional mais justa, equilibrada e inclusiva. E em solo brasileiro, o bloco pode se tornar o catalisador de uma nova era de soberania econômica, emancipação financeira e cooperação global, desafiando estruturas hegemônicas e pavimentando o caminho para um futuro verdadeiramente multipolar.