É fato: o Brasil ainda tem preconceito contra a Educação a Distância (EaD). Apesar do crescimento exponencial da modalidade, ela ainda é vista por muitos como uma alternativa de “segunda linha”. Mais fácil, menos exigente, menos prestigiada.
Essa percepção, embora pareça inofensiva à primeira vista, tem efeitos concretos e profundos sobre os estudantes que a utilizam. Um estudo que realizamos com alunos de uma das instituições privadas de ensino mais bem avaliadas do país revelou que o estigma contra a EaD pode prejudicar diretamente os desempenhos acadêmicos. E mostrou também que isso acontece não por causa da qualidade das aulas, mas devido a mecanismos psicológicos, ativados por esse julgamento social preestabelecido.
Popularização, preconceito e contradição
A Educação a Distância vive, no Brasil, uma contradição fundamental. Por um lado, tornou-se a principal porta de entrada para o ensino superior, respondendo por cerca da metade das novas matrículas em 2023, segundo o Inep. Por outro, ainda carrega o peso de uma desvalorização social persistente.
Estudos anteriores já haviam apontado que cursos EaD, mesmo em universidades de excelência, são muitas vezes percebidos como inferiores em qualidade, rigor e prestígio. Essa percepção não apenas é injusta, mas tem efeitos reais — e mensuráveis — sobre a autoestima, a motivação e o desempenho dos estudantes.
Nosso estudo foi realizado com cerca de 700 estudantes de EaD de uma única instituição, distribuídos por vários estados do pais. Testamos o impacto do estigma ativado de forma sutil. Os participantes foram convidados a realizar uma prova com questões de alta dificuldade. Para um grupo, informamos que o objetivo do teste era comparar o desempenho de alunos de cursos EaD com os de cursos presenciais.
Estereótipo que gera estigma imediato
Essa simples frase foi suficiente para ativar o estereótipo: a ideia de que estudantes EaD seriam, de antemão, menos capazes. Outros grupos receberam versões diferentes da instrução, com ou sem menções à reputação da instituição de ensino.
Os resultados foram claros e consistentes. Aqueles que foram expostos ao estereótipo performaram pior no teste. A ativação do julgamento externo foi suficiente para provocar insegurança e afetar a capacidade de concentração e raciocínio. Por outro lado, estudantes que também receberam o estereótipo, mas foram lembrados da reputação da instituição antes da prova, tiveram desempenho significativamente melhor, inclusive superando os outros grupos. Isso mostra que, embora o preconceito prejudique, seu impacto pode ser neutralizado quando os alunos se sentem pertencentes a um grupo valorizado.
Esses resultados também foram confirmados por indicadores emocionais. Medimos os níveis de ansiedade e o foco preventivo — um estado psicológico caracterizado por cautela excessiva e autocensura, que prejudica o desempenho acadêmico. Estudantes lembrados da reputação da instituição apresentaram níveis significativamente menores desses estados negativos.
Isso reforça a hipótese de que o sentimento de pertencimento a um grupo reconhecido é uma ferramenta poderosa de proteção psicológica. Essas descobertas se alinham à literatura sobre ameaça de estereótipos, que mostra como o simples fato de ser associado a um grupo estigmatizado pode sabotar a performance de indivíduos, mesmo em contextos meritocráticos. Também se conectam a estudos que indicam que símbolos positivos de identidade coletiva, como a reputação de uma instituição, podem reverter esse efeito.
O que torna esse fenômeno ainda mais grave é sua invisibilidade. Muitas vezes, os alunos não verbalizam o sentimento de inadequação. Mas internalizam o julgamento. Acreditam que, por serem estudantes de EaD, precisam “provar” mais, justificarem-se mais, esforçarem-se mais para serem levados a sério. E isso mina confianças, motivações e, como demonstramos, as próprias capacidades cognitivas diante de um desafio.
Importa lembrar que esse preconceito contra a educação a distância não nasceu com a pandemia. Já existia antes e foi registrado em diferentes contextos, tanto no Brasil quanto no exterior. O que a pandemia fez foi massificar a experiência do ensino remoto — inclusive em instituições tradicionalmente presenciais — e, assim, tornar o debate mais urgente. A naturalização da ideia de que o EaD é mais fácil ou menos legítimo impacta especialmente estudantes de classes sociais mais baixas, que dependem dessa modalidade para acessar o ensino superior.
Crescimento de 300% que merece mais atenção pedagógica
Hoje, o ensino a distância (EaD) já representa praticamente metade do ensino superior no Brasil, e quase 80% da oferta de novas vagas em cursos superiores, segundo os dados mais recentes do Censo da Educação Superior.
Enquanto, no Brasil, as matrículas de cursos presenciais caíram cerca de 30% entre 2013 e 2023, as matrículas de cursos a distância cresceram mais de 300%. A grande maioria dessas matrículas ocorre na rede privada, mais de 95%. Por terem mensalidade mais barata do a que cursos presenciais, essa modalidade de ensino se reforça com papel central na porta de acesso ao ensino superior para as classes C, D e E, que historicamente têm menos acesso a universidades públicas.
Essas tendências revelam que o estigma contra o EaD atinge justamente os grupos que mais dependem dele para ascensão social e educacional. Portanto, combater o estigma contra essa modalidade é de alta relevância. E, como mostra nossa pesquisa, isso pode ser feito com ações simples. Como por exemplo lembrar aos estudantes que pertencem a uma instituição de prestígio, para aqueles que fazem parte de uma.
O preconceito contra o EaD não é um obstáculo ao desempenho. E a solução começa com o reconhecimento, e com o compromisso das instituições de ensino em proteger, valorizar e incluir todos os seus estudantes, independentemente da modalidade que escolheram para aprender.