As projeções mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que o Brasil deverá registrar aproximadamente 704 mil novos casos de câncer por ano no triênio 2023-2025, além de um número ainda significativo de mortes anuais associadas à doença. No entanto, a real incidência do câncer no país não é diretamente medida, uma vez que nem todos os municípios mantêm sistemas estruturados de notificação e registro da doença.
O Instituto Nacional de Câncer adota metodologias baseadas na razão incidência/mortalidade para estimar os casos novos, a partir de dados de óbitos. Essa abordagem segue referências consolidadas na literatura. No Brasil, a estimativa de curto prazo é feita a partir da média simples dos três anos mais recentes disponíveis, servindo de base para o planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos três anos seguintes.
Segunda causa de morte no Brasil
Apesar das dificuldades impostas pela ausência de dados completos e em tempo real, estimar corretamente a incidência de câncer é uma tarefa essencial. A doença permanece como a segunda principal causa de morte no Brasil e no mundo. Em 2022, segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC/OMS), o câncer foi responsável por cerca de 9,7 milhões de óbitos globalmente. No contexto nacional, estudo publicado na Revista Brasileira de Cancerologia aponta um crescimento de 20% na incidência da doença na última década.
Para 2030, projeta-se mais de 25 milhões de casos novos em todo o mundo. Diante desse cenário, torna-se evidente que as estimativas de incidência são ferramentas indispensáveis para o planejamento de políticas públicas e para a alocação eficiente de recursos. Sobretudo no câncer, uma doença tempo-dependente, onde os prognósticos são sensíveis ao momento de início do tratamento.
Atentos a essa necessidade, em nosso Laboratório de Engenharia e Gestão em Saúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) realizamos um estudo em parceria com a Fundação do Câncer, utilizando séries temporais reais sobre câncer no Brasil, com base nos dados divulgados pelo INCA e IBGE.
Realidade desafiadora
A realidade enfrentada pelos municípios é desafiadora: há escassez de dados, falhas de articulação entre esferas de gestão e longos tempos de espera para diagnóstico e tratamento, apesar da Lei 12.732/2012 “dos 60 dias”. Em termos práticos, isso significa que muitos pacientes enfrentam barreiras evitáveis, simplesmente, porque os gestores locais não dispõem de informações confiáveis sobre a demanda futura.
Nosso objetivo foi aplicar e comparar diferentes modelos de previsão para os sete tipos de câncer mais prevalentes no Brasil: mama, próstata, pulmão, colorretal, colo do útero, cabeça e pescoço e câncer infantil. As abordagens utilizadas foram agrupadas em três categorias principais: modelos estatísticos clássicos, modelos de espaço de estados e modelos baseados em aprendizado de máquinas. As informações populacionais utilizadas no estudo foram obtidas a partir do Censo Demográfico de 2022.
Particularmente nos casos de câncer de mama e de colo do útero, os modelos oficiais geraram resíduos enviesados, o que compromete a confiabilidade das estimativas. Isso pode resultar em decisões menos precisas por parte dos gestores de saúde e em respostas menos eficazes no enfrentamento da doença.
Projeto piloto em Niterói
A partir desses dados, propusemos um novo método para subsidiar a Atenção Oncológica, inédito no Brasil por incorporar três classes distintas de modelos preditivos aplicadas simultaneamente. O projeto-piloto foi realizado no município de Niterói (RJ). Utilizando dados epidemiológicos locais, georreferenciamento da oferta de serviços e modelagem das linhas de cuidado, construímos um plano integrado que permite aos gestores responder perguntas cruciais como: Quantos casos o município deverá atender? Onde estão os vazios assistenciais? Quais recursos precisam ser reorganizados ou contratados?
Esse plano oferece uma ferramenta técnica robusta para o planejamento de investimentos, qualificação da regulação de vagas no SUS e aprimoramento do acesso com base em evidências científicas e foco na experiência do paciente. Ao comparar os modelos desenvolvidos com o método atualmente utilizado no país, observamos que a abordagem vigente apresentou desempenho inferior em todos os tipos de câncer testados.
Diante desses achados, sugerimos, em artigo publicado no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, que os métodos avaliados em nosso estudo sejam incorporados à metodologia de previsão do INCA. A adoção de técnicas mais modernas e sensíveis pode proporcionar estimativas mais acuradas e úteis para o planejamento em saúde pública.
Para futuras investigações, recomendamos também o aprofundamento da comparação entre modelos baseados em aprendizado de máquina.
Esperamos que os resultados obtidos estimulem o debate em torno da necessidade de ações antecipatórias e de uma vigilância oncológica mais precisa, com foco na prevenção e no diagnóstico precoce dos tipos de câncer mais comuns. Um sistema de saúde mais preparado, com base em evidências e projeções confiáveis, é um passo essencial na luta contra o câncer.
A divulgação deste estudo contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).