Nunca, na história da civilização, nossa atenção foi tão disputada. Redes sociais, aplicativos e empresas de tecnologia competem para nos manter conectados usando sistemas que capturam nosso tempo para gerar lucro. Essa sobrecarga afeta a memória, a aprendizagem e a saúde mental.
A crise de atenção, muitas vezes confundida com lapsos de memória, revela um modelo de vida exaustivo, com estímulos constantes e sem pausas. Enfrentá-la exige intenção e ambientes que favoreçam o foco, o silêncio e o pensamento crítico. Em tempos de dispersão, refletir sobre o papel da atenção no cotidiano e na aprendizagem é essencial para recuperar a concentração, o bem-estar e a capacidade de aprender de maneira significativa. A hiperconexão acelerou nosso ritmo, causando ansiedade e adoecimento. O filósofo e urbanista francês Paul Virilio (1932-2018) chamou essa urgência de “Dromologia”, ou o impacto da velocidade nas nossas vidas. Virilio é autor de diversos livros sobre as tecnologias da comunicação.
Crianças e adolescentes estão cada vez mais cansados, dormem mal e se sentem sozinhos. Em seu best-seller “A Geração Ansiosa” (Ed. Companhia das Letras), o filósofo e psicólogo social Jonathan Haidt revela que a “infância baseada no celular” rouba tempo livre, imaginação e o brincar. Meninas enfrentam pressão por validação; meninos buscam refúgio em videogames e pornografia. O resultado é uma geração fragilizada, que precisa de cuidado, calma e foco.
Em seus estudos, Haidt aponta que, entre 2010 e 2015, com a popularização dos smartphones, a depressão entre meninas nos Estados Unidos dobrou e a automutilação quase triplicou. Adolescentes que passam mais de três horas diárias nas redes têm o dobro do risco de ansiedade e depressão, agravado pelo uso precoce, que expõe o cérebro vulnerável à dependência da validação social.
A minissérie Adolescência (Netflix) também mostra essa realidade: Jamie, 13 anos, sofre bullying e cyberbullying, tem o sono interrompido por notificações e vive disperso, isolado mesmo em família. Isso evidencia a urgência de resgatar espaços de calma, escuta e presença, para evitar perder tempo de qualidade, capacidade de sonhar e vínculos verdadeiros. A lógica dos feeds infinitos e das microrecompensas bloqueia o foco profundo, a reflexão e o pensamento crítico. O cérebro fragmentado fica mais suscetível à manipulação e menos capaz de análises complexas.
Em síntese, expostos à vulnerabilidade das comparações digitais e sujeitos à captura contínua da atenção pelos dispositivos eletrônicos, crianças e jovens estão ansiosos e acelerados, em uma sobrecarga que nenhum cérebro aguenta.
Porta de entrada da aprendizagem
A atenção vai além da simples concentração; é cuidado, respeito e presença, um gesto de afeto e zelo. A palavra vem do latim attendere, que significa “estar presente”, e está historicamente ligada ao foco em algo importante, como o conhecimento ou Deus. Já no século XIX, para o filósofo e psicólogo americano William James, “focalização, concentração da consciência são sua essência”. Implica o afastamento de algumas coisas para ocupar-se efetivamente de outras; uma seleção crucial para o aprendizado, porque sem atenção o cérebro não filtra estímulos nem cria memórias duradouras.
Em 1971, o economista Herbert Simon alertou que “uma riqueza de informação cria uma pobreza de atenção”. O excesso de dados disputa nossa limitada capacidade de foco, tornando vital saber para onde direcioná-la. De fato, ela pode ser guiada por professores, contextos ou perguntas instigantes, ativando os processos cerebrais que consolidam novas conexões. Héctor Ruiz Martín, psicólogo cognitivo, reforça que a atenção ativa fortalece as conexões cerebrais e facilita a memória de longo prazo. Assim, a qualidade do nosso foco é preponderante para o quanto aprendemos e aplicamos.
Ambientes propícios
Cultivar a atenção, portanto, é a porta de entrada para qualquer processo de aprendizagem. E isso exige cuidado, intencionalidade e escolhas pedagógicas. A médica, educadora e cientista italiana, Maria Montessori, pioneira na pedagogia moderna, já compreendia esse princípio quando criou os “ambientes preparados”: espaços organizados com materiais sensoriais e mobiliário acessível, que convidam à exploração livre e favorecem o foco sustentado. Nesse cenário, a criança desenvolve os circuitos neurais responsáveis pelo controle atencional, aprendendo a dirigir sua própria curiosidade com a mediação sensível do educador.
Não por acaso, para o neurocientista francês Stanislas Dehaene, atenção é o primeiro dos quatro pilares da aprendizagem, a porta de entrada do conhecimento que determina o que será processado profundamente. Ela se soma ao engajamento ativo, o feedback de erros e a consolidação. Esses pilares operam de forma interdependente. Sem atenção, nada é registrado. É ela que abre para o engajamento, que transforma o ato de aprender em uma construção ativa. O feedback de erros, por sua vez, fortalece as conexões quando há retorno da aprendizagem durante o próprio processo. E tudo isso só se consolida quando o cérebro descansa, no sono ou em pausas, fixando o que foi construído.
Como afirmou Haidt no best-seller já mencionado, o mundo digital vem comprometendo seriamente esse ciclo. Notificações constantes rompem o foco, substituem o engajamento profundo por respostas rápidas e superficiais, e ainda prejudicam o sono, etapa essencial para consolidar qualquer aprendizagem. O resultado é um cérebro hiperestimulado, mas desconectado dos processos que sustentam o aprendizado.
Transformar esse cenário é urgente. Pensadores importantes para a educação, como Paulo Freire e John Dewey, reforçam que o interesse do estudante é o motor para a construção de conhecimento, o que passa por redesenhar o cotidiano escolar e criar ambientes que promovam o diálogo, pilar estruturante da obra freireana.
Além disso, podemos considerar as pausas para respiração consciente, estações com materiais manipuláveis, interações com feedback imediato e, sobretudo, espaços sem telas, com descanso e integração e trocas do que foi vivido como práticas que contribuem para o processo atencional.
O cérebro é plástico. Ele se adapta ao ambiente que encontra. Nesse sentido, contextos que equilibram liberdade e estrutura, ação e pausa, concentração e descanso, oferecem o terreno fértil para que a curiosidade se transforme em reflexão e a reflexão, em aprendizagem relevante.
Como favorecer a atenção
Apesar dos avanços da neurociência, faltam pesquisas que relacionem diretamente atenção e aprendizagem em contextos diversos do Brasil. Ainda assim, professores criam, na prática, pequenos laboratórios em sala de aula, onde observam, testam e revisitam estratégias que alimentam seu saber e melhoram a atenção dos alunos.
A atenção é uma habilidade aprendida, construída nas relações e no sentido de pertencimento que a escola oferece. Fanny Sznelwar Minerbo, especialista em Desenvolvimento de Metodologias e Projetos, e Beatriz Peres Rios, professora de Projetos de Humanidades, ambas da Educação Básica, defendem que desenvolver o foco exige práticas intencionais: rotina clara, ambientes organizados, materiais acessíveis e estratégias que acolhem diferentes perfis, como o uso de mensagens (postits) para reforçar etapas. Propõem também preparar o cérebro com respiração guiada, música calma, pausas e utilização de blocos de atenção, a exemplo do método Pomodoro. E valorizam Rotinas do Pensamento (Project Zero – Harvard) como práticas que ajudam a organizar o raciocínio, aprofundar a atenção e favorecer a construção do pensamento crítico.
A atenção não surge do comando, mas de um ciclo que envolve organização, relações, regulação emocional e construção de sentido. Portanto, promover a atenção é criar experiências que combinem vínculo, participação e sentido, fundamentos indispensáveis para uma aprendizagem viva e significativa.