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Estudo brasileiro comprova que vírus da zika pode causar resistência à insulina no cérebro

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Estudo brasileiro comprova que vírus da zika pode causar resistência à insulina no cérebro

Faz 10 anos que o Brasil enfrentou uma grave epidemia do vírus da zika. O alerta foi dado em 2015. Os estados do Nordeste do país estiveram no centro da crise, registrando, de uma hora para outro, um número fora da curva da normalidade de notificações de casos de microcefalia em recém-nascidos.

A obstetra Adriana Melo trabalhava na maternidade do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida, em Campina Grande, no estado da Paraíba, quando percebeu um número incomum de casos de microcefalia em fetos durante exames de rotina com ultrassonografia. Desconfiada de uma possível relação com o vírus da zika, que havia começado a circular no Brasil, ela coletou amostras de líquido amniótico e, com a ajuda de laboratórios parceiros, conseguiu confirmar a presença do zika, sendo uma das primeiras a estabelecer a conexão entre a infecção pelo vírus e a má-formação cerebral.

Esse achado foi fundamental para que autoridades de saúde brasileiras e internacionais reconhecessem a relação causal entre o zika vírus e a microcefalia, o que levou à mobilização global para o enfrentamento da epidemia.

Zika e resistência à insulina

Embora o impacto do vírus da zika (ZIKV) sobre o hipotálamo, uma área do cérebro que regula o metabolismo, em cérebros maduros nunca tenha sido diretamente investigado, relatos frequentes de casos já descreviam manifestações de sintomas que sugeriam esses danos.

O hipotálamo é uma estrutura complexa que desempenha papéis fundamentais no controle de várias funções corporais, como temperatura, frequência cardíaca, fome, comportamento sexual e metabolismo.

Transcorrida uma década, muito se avançou sobre as pesquisas do vírus. E nós dos institutos de Ciências Biomédicas e de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com pesquisadores do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e do Wallenberg Centre for Molecular Medicine, da Universidade de Lund, na Suécia, acabamos de descobrir que o ZIKV pode também infectar o hipotálamo e causar resistência à insulina de forma duradoura.

O estudo, financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), também teve coordenação das pesquisadoras Giselle Passos e Iranaia Assunção-Miranda, da Faculdade de Farmácia e Instituto de Microbiologia da UFRJ, respectivamente, e acaba de ser aceito para publicação na revista Cell Death and Disease, do grupo Nature, e levanta preocupações sobre possíveis efeitos metabólicos a longo prazo em pessoas que já tiveram a infecção.

Neste estudo, investigamos se a infecção do sistema nervoso central pelo vírus da zika está associada a alterações na sinalização da insulina especificamente no hipotálamo e se isso leva, em última instância, à desregulação do controle da glicose.

Constatamos que o ZIKV atinge o hipotálamo, provocando aumento na produção de mediadores inflamatórios, ativação da micróglia e uma disfunção persistente na sinalização da insulina.

Esses achados fornecem novas evidências do impacto potencial do ZIKV sobre o cérebro maduro e sugerem que infecções por esse vírus podem atuar como um novo fator de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 em pacientes que se recuperaram da infecção.

O estudo foi feito com camundongos adultos. Nossos achados demonstraram, pela primeira vez, que o ZIKV invade o hipotálamo, desencadeando uma resposta inflamatória robusta que prejudica a sinalização da insulina e altera a expressão de neuropeptídeos criticamente envolvidos no equilíbrio da glicose.

Embora os marcadores inflamatórios retornem aos níveis normais até 30 dias após a infecção, a resistência insulínica no hipotálamo persiste, sugerindo uma disfunção metabólica de longo prazo. Esses resultados destacam o hipotálamo como um alvo da neuroinvasão pelo ZIKV, implicando infecções virais como potenciais fatores de risco para distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes tipo 2.

Nossos achados estabelecem uma ligação direta entre a neuroinvasão pelo ZIKV e a resistência insulínica hipotalâmica persistente, demonstrando que infecções virais podem provocar consequências metabólicas de longo prazo, mesmo após a resolução da fase aguda.

Propomos que a neuroinflamação precoce e a reprogramação metabólica neuronal são os fatores subjacentes a esse comprometimento persistente. Dado que a resistência insulínica hipotalâmica é uma característica central da obesidade e do diabetes tipo 2, esses resultados sugerem que a infecção por ZIKV pode contribuir para alterações fisiológicas que aumentam o risco de distúrbios metabólicos.

Compreender esses mecanismos pode ajudar no desenvolvimento de estratégias para mitigar as consequências metabólicas duradouras da neuroinvasão viral.

Estudos anteriores

O vírus zika é um membro da família Flaviviridae, conhecido por causar danos neurológicos tanto no sistema nervoso central em desenvolvimento quanto no maduro. Embora os primeiros estudos tenham se concentrado em descrever as consequências da exposição viral congênita, agora está claro que, em alguns indivíduos adultos, o ZIKV também pode invadir o sistema nervoso central, causando mielite aguda, encefalomielite, entre outras condições.

Estudos anteriores já tinham demonstrado que o hipotálamo é um alvo do ZIKV, onde o vírus pode se replicar e persistir. Em um modelo de infecção pós-natal por ZIKV em camundongos lactentes, que se assemelha à exposição viral cerebral nos estágios finais da gestação humana, foi descrita uma disfunção completa e persistente do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, resultando em comprometimento da função tireoidiana, crescimento corporal limitado e desenvolvimento testicular atrasado, impactando, por fim, a fertilidade.

Nós, pesquisadores da UFRJ, já tínhamos descrito em um modelo murino com camundongos infectados pelo ZIKV os mecanismos subjacentes ao comprometimento da memória e ao dano sináptico no cérebro adulto. Constatamos que o vírus atinge seu pico no cérebro dos camundongos por volta de seis dias após a infecção e decai até 30 dias. Também demonstramos que o vírus atinge preferencialmente regiões cerebrais específicas, incluindo o córtex, hipocampo, corpo estriado e hipotálamo.

Além disso, em animais em desenvolvimento, foi demonstrado que o ZIKV infecta células neuroendócrinas do hipotálamo, afetando o eixo hipotálamo-hipófise e causando prejuízos no crescimento e metabolismo a longo prazo.

Um estudo recente também demonstrou que a infecção pós-natal pelo ZIKV resulta na detecção precoce de RNA viral no hipotálamo por até sete dias após a infecção, levando a deficiências hormonais persistentes ao longo, o que, por sua vez, prejudica o desenvolvimento testicular, a qualidade do esperma e os comportamentos sociais.

Essas alterações sugerem que a infecção pelo ZIKV pode ter efeitos significativos além da fase aguda, perturbando a homeostase neuroendócrina e levando potencialmente a disfunções fisiológicas duradouras.

Outros distúrbios prejudicam a insulina

Distúrbios semelhantes na sinalização da insulina já foram relatados durante os estágios agudos de infecção por diversos vírus, incluindo influenza, SARS-CoV-2, HIV, vírus da hepatite C e vírus da dengue, outro flavivírus transmitido por mosquitos e associado a alterações metabólicas e resistência insulínica induzida por inflamação, demonstrando a importância da vigilância constante sobre vírus circulantes e surtos, epidemias e saúde pública.

As pesquisadoras fazem parte do Instituto Nacional da Glia (iGLIA do INCT/CNPq) e do Instituto Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (INCT/CNPq).

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