A obesidade infantojuvenil configura-se como uma epidemia global crescente, com efeitos profundos sobre a saúde física, mental e emocional, além de gerar impactos econômicos substanciais. Entre 1974 e 2009, a prevalência de obesidade em crianças de 5 a 9 anos saltou de 2,4% para 14,2%, no Brasil. Dados de 2023 do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) indicam que 14,3% das crianças nessa faixa etária e 12,6% dos adolescentes entre 10 e 19 anos apresentam obesidade. O Atlas Mundial da Obesidade projeta um crescimento anual de 1,8% nesses índices.
Se as tendências atuais persistirem, o número de brasileiros com obesidade, entre 0 a 79 anos, poderá saltar de 26,7 milhões, em 2024, para 38,6 milhões, em 2060. No grupo infantojuvenil, esse número poderá quase dobrar: de 4,7 milhões para 5,9 milhões de meninos e de 2,8 milhões para 3,8 milhões de meninas.
Alíquota irrisória para refrigerantes só piora o cenário
Para piorar este cenário, na noite do dia 30 de setembro, o Senado Federal aprovou um limite de irrisórios 2% ao imposto seletivo sobre refrigerantes, contrariando organizações da sociedade civil em defesa do direito à alimentação adequada e saudável.
Esta alíquota baixíssima, inserida no projeto de lei sobre o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (PLP 108/2024), não guarda qualquer relação com o debate do imposto seletivo, criado pela Reforma Tributária para reduzir o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Refrigerantes são produtos nocivos à saúde e associados a doenças como diabetes tipo 2, obesidade, hipertensão, doenças renais crônicas e diversos tipos de câncer. E impactam a saúde de milhões de famílias brasileiras.
Além disso, custam caro aos cofres públicos. Os benefícios fiscais concedidos às indústrias de refrigerantes alcançam patamar anual de R$ 3,1 bilhões de reais, segundo a Receita Federal. E o custo das doenças crônicas atribuíveis aos refrigerantes ao Sistema Único de Saúde é da ordem de R$ 3 bilhões por ano.
Em 2024, divulgamos os primeiros resultados de um estudo econométrico, encomendado pelo Instituto Desiderata e desenvolvido em parceria com a Fiocruz, que estimou custos da ordem de R$ 225,7 milhões da obesidade infantojuvenil no Sistema Único de Saúde (SUS), entre 2013 e 2022.
Partindo da primeira fase deste estudo, projetamos o impacto da obesidade entre crianças e adolescentes no SUS até 2060. O estudo Impactos da Obesidade Infantojuvenil no Brasil: Projeções de morbimortalidade e custos até 2060 revelou números preocupantes. Se nenhuma medida for adotada, os custos diretos atribuíveis à obesidade passarão de R$ 83,2 milhões, em 2024 para R$ 115,5 milhões em 2060, totalizando R$3,84 bilhões, em 36 anos. E quem paga essa conta?
Distribuição dos custos por faixa etária
A distribuição das despesas por faixa etária será de 33,2% entre crianças de 5 a 9 anos; 18,8% de 10 a 14 anos; e 48,1% entre adolescentes de 15 a 19 anos, indicando uma complexidade do manejo da obesidade na faixa etária dos jovens, além do potencial aumento de comorbidades associadas à obesidade em idades mais avançadas.
De acordo com as projeções, a distribuição dos custos será de 94,4% hospitalares, 2,7% não hospitalares, 2,2% com medicamentos e 0,4% em atendimentos ambulatoriais. A predominância de custos hospitalares sinaliza a gravidade dos casos e a necessidade urgente de estratégias preventivas. Intervenções precoces poderiam mitigar complicações severas, reduzir internações e aliviar a sobrecarga nos serviços hospitalares.
Apesar do cenário preocupante, os dados apontam oportunidades. A implementação de políticas públicas eficazes pode reduzir significativamente a obesidade ao longo da vida: Uma redução de 10% na obesidade infantojuvenil, poderia impedir 82% do aumento projetado da obesidade adulta até 2060. Se a redução for de 5%, o impacto seria de 76%, e mesmo uma diminuição de apenas 2% nos casos infantis já resultaria em uma queda de 73% na projeção de adultos com obesidade.
Esse impacto positivo também se refletiria nas contas públicas. A redução de 10% na obesidade infantojuvenil geraria economia de R$ 1,274 bilhão para o SUS, até 2060. Do ponto de vista sanitário, os benefícios vão além da economia financeira. Com uma redução de 10%, seria possível evitar cerca de 70,8 mil mortes e 244,6 mil casos de doenças crônicas associadas à obesidade entre adultos brasileiros. E mesmo diante de uma redução modesta de 2% na obesidade infantojuvenil, evitaríamos cerca de 58,7 mil mortes e 201,9 mil casos de doenças crônicas nesse mesmo período.
No contexto de desigualdade em que vivemos e diante das práticas das indústrias, ações estatais se mostram mais eficazes do que simples recomendações de mudanças de hábitos individuais. Precisamos de mecanismos que ajudem a população a fazer escolhas mais saudáveis.
A Organização Mundial de Saúde recomenda que a taxação de bebidas adoçadas aumente o preço final do produto em, no mínimo, 20%. Experiências internacionais comprovam que alíquotas mais elevadas sobre bebidas açucaradas são eficazes para desestimular o consumo, promover escolhas alimentares mais saudáveis e, simultaneamente, gerar receitas adicionais para o financiamento de políticas de saúde pública.
No começo deste ano, a reforma tributária foi sancionada no Brasil. Entre as inovações aprovadas destacamos o imposto seletivo para artigos que fazem mal à saúde e ao ambiente, como bebidas alcoólicas e açucaradas, derivados de tabaco, e combustíveis fósseis.
A aprovação do PLP 108/2024 sem a supressão do artigo que limita a alíquota do imposto seletivo sobre bebidas açucaradas representa um retrocesso no cumprimento do direito à saúde e na política de tributação de produtos nocivos, cujo objetivo é prevenir doenças e salvar vidas. Seguimos, portanto, como sociedade civil, pressionando a Câmara dos Deputados, para que os parlamentares corrijam essa terrível distorção e retirem a trava que pretende sabotar o imposto seletivo sobre refrigerantes antes mesmo do início da sua vigência.
Metodologia do estudo econométrico
Para a realização deste estudo, utilizamos duas abordagens metodológicas para estimar o impacto econômico da obesidade. A primeira examinou os gastos hospitalares entre 2013 e 2022, comparando os custos entre crianças e adolescentes com obesidade e aqueles com peso adequado. Foram avaliadas taxas de internação, causas principais, valores médios e prevalência ajustada a partir de dados do SISVAN. A análise também incluiu projeções de índice de massa corporal (IMC), estimativas do impacto da obesidade em 11 doenças crônicas não transmissíveis, além da modelagem de cenários com diferentes percentuais de redução da obesidade.
A segunda abordagem aprofundou-se nos custos adicionais de internações atribuíveis à obesidade, comparando-os com os de pacientes com IMC considerado adequado. O objetivo foi oferecer um panorama detalhado dos impactos econômicos e sanitários passados e projetados decorrentes do excesso de peso na infância e adolescência.
Diante desse panorama, torna-se evidente que a prevenção da obesidade infantojuvenil deve ser uma prioridade na ampliação das políticas públicas de saúde, incluindo alíquota adequada na tributação de alimentos e bebidas nocivas à saúde, regulação de venda de alimentos em escolas, e da publicidade de alimentos, e no aprimoramento das informações nutricionais nos produtos.
Investir em alimentação saudável e educação nutricional nas escolas e outros ambientes podem não apenas preservar a saúde das novas gerações, mas também garantir a sustentabilidade econômica do SUS.
À medida que novas gerações substituem as anteriores, os benefícios dessas intervenções se acumulam, reforçando a importância de ações imediatas e eficazes. A prevenção não é apenas uma resposta à crise atual, mas um compromisso com o futuro da saúde pública no Brasil.