Esse texto é a busca de uma forma franca de diálogo em relação a política ambiental que vem sendo tocada e gestada no Brasil, após mais de dois anos e meio de governo Lula 3. Trata-se de um balanço inicial e parcial das condições e contradições da gestão, como fiz em relação ao lamentável governo Bolsonaro.
Já estou há algum tempo “matutando” sobre isso, participando de espaços, conversando com militantes, pesquisando, analisando o cenário e aguardando a ação do governo diante do “PL da devastação”.
Contradições históricas
Cabe considerar que a política ambiental no Brasil é atravessada por uma série de contradições históricas e estruturais que ao longo do tempo é alvo da pressão constante de interesses econômicos hegemônicos nacionais e internacionais, como do agronegócio, da mineração, do setor energético ou das empreiteiras. Esses interesses tensionam e limitam a atuação das instituições ambientais e oferecem mitigação a partir de uma educação ambiental que muitas vezes legitima os empreendimentos.
Essa tensão é visível no próprio modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil, baseado em uma lógica extrativista, agroexportadora e de infraestrutura pesada. O mesmo Estado que formula políticas ambientais e de conservação é também responsável por concessões para megaprojetos que desmatam, poluem, exploram bens naturais e desterritorializam comunidades tradicionais e povos originários.
O discurso da preservação coexiste com a prática da destruição sistemática dos biomas brasileiros. Mesmo governos considerados progressistas, como os de Lula e Dilma, combinaram avanços na criação de unidades de conservação, na diminuição de índices de desmatamento altíssimos (sem apresentar os índices de restauração) e demarcações de terras indígenas ao mesmo tempo que ocorre o desmantelamento de instituições indigenistas, quilombolas e ambientais no Brasil.
Nos últimos anos, o Brasil também embarcou na lógica do chamado “neoliberalismo verde”, apostando em mecanismos de mercado, como pagamento por serviços ambientais, créditos de carbono e fundos de investimento ambiental. Essa transição do ambientalismo público para o ambientalismo financeiro tem ampliado a presença de grandes corporações nas decisões ambientais, muitas vezes em detrimento de comunidades locais.
O governo Bolsonaro agravou esse cenário. Entre 2019 e 2022, o país assistiu a um desmonte sistemático da política ambiental, com cortes orçamentários, perseguição a servidores públicos, estímulo à grilagem e ao garimpo ilegal, aumento dos conflitos fundiários e uma explosão no desmatamento. O discurso negacionista e antiambientalista do então presidente criou um ambiente de impunidade e violência nos territórios, especialmente na Amazônia.
Lula 3 e política ambiental
Com a eleição de Lula em 2022, surgiu a expectativa de reconstrução da política ambiental e do papel do Brasil como potência ecológica. E, no atual governo, o desmatamento efetivamente apresentou um recuo, mas ainda num um ritmo insuficiente diante da meta de zerar o desmatamento até 2030, sobretudo considerando que 43% da supressão ocorreu com autorização, muitas vezes dentro de Unidades de Conservação. Isso sem falar que ainda não há discussão sobre recuperação de áreas anteriormente desmatadas e exploradas.
A nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) sinalizou, simbolicamente, o retorno de um projeto mais comprometido com a sustentabilidade, com foco na redução do desmatamento e na reaproximação com organismos internacionais. No entanto, mesmo com essa simbologia, o MMA enfrentou e segue enfrentando limitações profundas ao longo do governo Lula 3.
Uma das principais contradições está no fato de que Marina Silva chefia uma pasta estratégica, mas é politicamente isolada dentro de um governo que, para garantir maioria no Congresso, fez concessões sistemáticas à bancada ruralista, da energia, da mineração e outras, quando não é abandonada pela base do governo ao ser insultada nas audiências no Congresso.
A retirada da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da gestão do Ministério do Meio Ambiente, passando-os para aliados do Centrão, é outro exemplo desse esvaziamento institucional.
Nesse mesmo contexto, emergiu de forma atravessada a “política de transformação ecológica” lançada pelo Ministério da Fazenda. Liderada pelo atarantado Fernando Haddad, essa política buscou impulsionar a economia verde por meio de instrumentos de mercado, reestruturação industrial e estímulo a investimentos “sustentáveis”.
No discurso, trata-se de promover um novo ciclo de crescimento com base na descarbonização e na bioeconomia. Na prática, porém, a política tem se mostrado marcada por um viés tecnocrático, financeiro, que atropela outras instâncias de governo e distante das agendas socioambientais históricas e populares.
Atualmente, o orçamento do MMA para 2025 está fixado em R$4,5 bilhões, valor que representa uma ligeira queda de 1% em relação a 2024. O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) complementa essa cifra com um pacote de R$11,2 bilhões, embora apenas R$4,46 milhões sejam alocados diretamente pelo MMA para projetos não reembolsáveis. O restante é canalizado via linhas de crédito do BNDES. O MMA enfrenta, além disso, déficit de execução orçamentária, com parte significativa dos recursos aprovados não sendo efetivamente utilizados.
A maior das contradições, no entanto, se revela no próprio arcabouço fiscal, que é o principal projeto de governo na gestão Lula 3. A âncora fiscal limita os investimentos públicos e impõe restrições severas à expansão dos gastos sociais e ambientais. Ou seja, mesmo que se reconheça a urgência de uma transição ecológica, o teto de investimentos impede que essa transição seja liderada pelo Estado e pautada pela justiça climática.
Os recursos para políticas públicas estruturantes – regularização fundiária, apoio à agroecologia, fiscalização ambiental e infraestrutura para populações tradicionais, seguem minguados – enquanto o discurso oficial prioriza parcerias público-privadas e mercados de carbono. Assim, o governo promete uma transição ecológica sem reformar a estrutura fiscal, sem questionar com ações efetivas o rentismo e sem reforma agrária.
Além desse quadro, também cresce a intensidade de conflitos socioambientais relacionados à água e à mineração, de acordo com o Mapa dos Conflitos no Campo de 2024, da Comissão Pastoral da Terra. Então, fica a pergunta: onde está no governo Lula 3 a política ambiental construída a partir da soberania popular, da justiça social e ambiental para a sociedade brasileira?