Após dois dias de negociações intensas em Londres, Estados Unidos e China anunciaram neste dia 11 de junho um novo acordo comercial que promete aliviar as tensões tarifárias e reorganizar o fornecimento de minerais estratégicos, como as terras raras.
Embora o foco esteja nas duas maiores economias do mundo, os efeitos indiretos desse pacto devem ser sentidos em países como o Brasil, que ocupa papel ambivalente na geoeconomia global: potência agrícola, mas dependente de insumos externos para tecnologias avançadas e energias limpas.
O pacto estabelece a manutenção de tarifas de 55% dos Estados Unidos sobre produtos chineses e de apenas 10% por parte da China sobre bens norteamericanos, uma assimetria que, segundo o presidente Donald Trump, reflete a “vantagem negociada” por Washington. O ponto mais relevante do anúncio é o compromisso chinês de garantir o fornecimento antecipado de terras raras e ímãs industriais — matérias-primas essenciais para a fabricação de veículos elétricos, turbinas eólicas, chips e equipamentos de defesa.
Consequências para o Brasil não serão boas
Para o Brasil, esse reposicionamento global gera três consequências principais: a pressão sobre sua capacidade de competir em mercados agrícolas, a urgência de investir em cadeias tecnológicas independentes e a oportunidade de se tornar fornecedor alternativo de minerais estratégicos.
A primeira consequência já se manifesta no setor que tradicionalmente sustenta o superávit comercial brasileiro: o agronegócio. A redução de tarifas chinesas para produtos norteamericanos tende a gerar uma substituição parcial de fornecedores, sobretudo em grãos e carnes. Ainda que a China mantenha altos volumes de importação do Brasil, a maior competitividade dos produtos de Estados Unidos levaria à queda de preços, exigindo do produtor brasileiro mais eficiência em logística, tecnologia e diplomacia comercial.
Em um momento em que o Brasil enfrenta entraves para renovar acordos com a União Europeia e impasses dentro do Mercosul, a perda relativa de espaço no mercado chinês — seu maior parceiro comercial — tende a enfraquecer a estabilidade de sua balança externa. O pacto entre Washington e Pequim não retira o Brasil da mesa, mas obriga o país a mudar de posição no tabuleiro.
A segunda implicação do acordo é mais estrutural. O Brasil depende da importação de componentes eletrônicos e minerais como nióbio, terras raras e lítio procesado ou refinado para desenvolver suas indústrias de transição energética, inteligência artificial e defesa. Como as novas diretrizes preveem que os EUA terão prioridade no fornecimento chinês de terras raras, países que não participam diretamente do pacto, como o Brasil, sofreriam com atrasos, encarecimento e escassez desses insumos.
Aumento da dependência dos commodities
Esse risco revela a fragilidade da inserção brasileira em cadeias globais de valor. Mesmo possuindo reservas minerais expressivas, o país carece de uma política industrial capaz de transformar riqueza geológica em capacidade produtiva e tecnológica. Enquanto China e EUA negociam acesso, volume e previsibilidade, o Brasil continua refém da exportação de commodities brutas e da importação de produtos de alto valor agregado.
A terceira consequência concerne ao próprio realinhamento sino-americano, que deve incentivar a busca por fornecedores alternativos. O Brasil, se agir com visão estratégica, pode ocupar esse espaço como exportador de minerais críticos e insumos industriais, especialmente se agregar valor à sua produção e firmar acordos bilaterais com países asiáticos e europeus que buscam diversificação de fontes.
Há precedentes promissores. Em 2023, o Brasil assinou memorandos de entendimento com a Índia e a Coreia do Sul para pesquisa conjunta em mineração verde. Em 2024, discutiu com a Alemanha a instalação de centros de processamento de lítio e terras raras em Minas Gerais. Se essas iniciativas forem aceleradas e acompanhadas de incentivos à industrialização, o país teria condições de transformar a vulnerabilidade atual em vantagem geoeconômica.
O novo acordo EUA-China sinaliza uma reorganização das rotas do comércio global, especialmente nos setores mais sensíveis da economia verde e da alta tecnologia. O Brasil não pode mais depender exclusivamente de sua posição como fornecedor de alimentos e minérios básicos. É preciso articular uma estratégia de Estado que abarque diplomacia comercial, política industrial e investimento em ciência aplicada.
Não se trata de escolher entre China e Estados Unidos, mas de construir autonomia em um mundo cada vez mais fragmentado. O Brasil tem os recursos naturais, o capital humano e o mercado interno para se tornar protagonista — desde que abandone o papel de espectador e assuma uma posição mais ativa e estratégica diante das mudanças globais.