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Falsificações em museus: múmias vingativas, assassinatos rituais e memes na cultura popular

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Falsificações em museus: múmias vingativas, assassinatos rituais e memes na cultura popular

Os museus não apenas preservam objetos, mas também nossa memória coletiva. Na era digital, um grande inimigo dos objetos do patrimônio não é tanto a passagem do tempo, mas o “Photoshop com wifi”: memes, montagens e hoaxes que, com humor ou confusão, alteram nossa percepção da história.

Um exemplo recente de como o cinema se alimenta do patrimônio histórico – e de seus mistérios – é Os Crimes da Caverna (2025), apresentado em março no Festival de Cinema de Malaga e lançado em 30 de julho na Netflix. Inspirado em um romance de Manuel Ríos San Martín, o filme se passa no sítio de Atapuerca e no Museu da Evolução Humana e inclui diálogos sobre fraudes contra o patrimônio.

Um assassinato ritual entre restos mortais de um Neandertal e uma réplica do local do enterro que funciona como cena do crime são a desculpa perfeita para museus, mídia e redes brincarem com o ancestral para seduzir, na fronteira entre o lendário e o real e científico.

Múmias amaldiçoadas e múmias viajantes

Howard Carter (1874-1939) foi um famoso arqueólogo e egiptólogo inglês, mais conhecido por ter descoberto a tumba de Tutancâmon no Vale dos Reis, no Egito, em 1922. Wikimedia Commons.

Um dos contextos que inspirou a maioria dos hoaxes é o Egito faraônico. O mais conhecido, sem dúvida, é a maldição de Tutancâmon. Após a descoberta de sua tumba em 1922, várias mortes entre os membros da equipe do arqueólogo britânico Howard Carter alimentaram a ideia de uma vingança do além-túmulo. Na realidade, as inscrições nas tumbas egípcias raramente emitiam maldições espetaculares: eram avisos simbólicos contra saqueadores. Mas o mito era tão difundido que, décadas mais tarde, Hollywood o imortalizou em Indiana Jones: Caçadores da Arca Perdida (1981), em que abrir uma tumba poderia ser letal.

Outro exemplo viral é o passaporte de uma múmia. Uma imagem de um passaporte egípcio em nome de Ramsés II, com a profissão “rei (morto)”, está circulando nas mídias sociais. Na verdade, ele é inspirado na viagem de sua múmia a Paris, em 1976, para ser tratada por restauradores devido à contaminação por fungos. Ele recebeu um documento diplomático, não um passaporte, mas a história deu origem a uma montagem bem-humorada que continua a circular até hoje. O meme funciona porque se conecta com o imaginário popular de múmias viajantes, alimentado por filmes como A Múmia (1999).

Passaporte falso de Ramsés II.

Estátuas com vida própria

O busto de Nefertiti também foi objeto de controvérsia. Em 2009, o historiador Henri Stierlin sugeriu que ele poderia ser uma falsificação moderna. Embora a análise científica tenha descartado essa hipótese, o alarde da mídia lembrou filmes de suspense como O Último POrtal (1999), em que o autêntico e o falso são confundidos com consequências perturbadoras.

O mistério também chegou ao Museu de Manchester, onde uma estátua egípcia de 25 cm foi registrada por câmeras de segurança girando sozinha em sua vitrine. Teorias paranormais foram divulgadas em toda a web. Mas a explicação era mais simples: vibrações do solo combinadas com uma base ligeiramente convexa. Ainda assim, o caso inevitavelmente evocou cenas de Uma Noite no Museu (2006), em que as peças ganham vida quando o museu fecha.

Uma Noite no Museu é um filme de comédia americano de 2006. 20th Century Fox.

Pizzas e estigmas

Mas o Egito não é o único cenário de fraudes sobre o patrimônio. Durante uma restauração dos restos de Pompeia, um afresco deteriorado com manchas vermelhas foi interpretado nas redes como “a primeira pizza da história”. Na verdade, era um motivo geométrico. Entretanto, o meme já havia feito seu trabalho, demonstrando como é fácil deturpar o passado se ele não for contextualizado.

A esfera religiosa também está repleta de milagres duvidosos: esculturas que choram sangue, suam óleo ou piscam. Embora geralmente possam ser explicados pela ciência ou por fraudes, eles continuam a alimentar o cinema, com obras como Stigmas (1999) ou O Ritual (2011), em que o inexplicável se torna uma narrativa fundamental.

O objetivo do Rei Arthur

Por outro lado, de tempos em tempos, outro mito recorrente reaparece: a descoberta do Santo Graal por amadores com detectores de metal. Embora quase sempre sejam restos sem valor, o poder simbólico do Graal é tão forte que qualquer xícara enferrujada pode se tornar notícia. Sua lenda inspirou tudo, desde O Cálice Sagrado (1954), estrelado por um jovem Paul Newman, até filmes de grande sucesso de bilheteria como Indiana Jones e a ùltima Cruzada (1989) e O Código Da Vinci (2006). Em 2024, o filme britânico Holy Grail revisitou o mito em um tom contemporâneo.

O filme O Cálice Sagrado gira em torno da lenda do Santo Graal. WB.

Como podemos ver, ambientes arqueológicos e peças de museu são suscetíveis a riscos de interpretação errônea ou sensacionalismo. É por isso que, na era da desinformação, a função social dos museus como guardiões da memória coletiva é mais crucial e relevante do que nunca.

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