Cientificamente, uma floresta pode ser observada de duas formas. A mais comum é analisá-la do ponto de vista espacial, que foca na distribuição horizontal e vertical das suas espécies de plantas e animais.
Ou você pode estudá-la pela ótica temporal.
Embora menos utilizada que o estudo espacial, a análise temporal é mais inovadora, pois examina como as florestas estão organizadas temporalmente quanto aos seus chamados ciclos repetitivos. Essa análise temporal próxima foca, sobretudo, nos eventos recorrentes na vida das plantas e animais, como a floração, frutificação e mudança de folhas ou a migração das aves.
Fenologia, uma análise através do tempo
Essa abordagem é chamada fenologia. A análise fenológica é crucial, porque conecta a floresta com seus habitantes, por meio dos recursos que as plantas oferecem (como flores e frutos), e com os ciclos biogeoquímicos (como água, carbono e nutrientes).
Portanto, ao analisar a ecologia temporal das florestas, conseguimos conhecer as relações existentes e como elas se mantêm. Por exemplo, a maioria das plantas nas florestas tropicais depende de animais para polinização das flores e dispersão de sementes.
Nossa pesquisa fenológica investiga quando as espécies florescem e frutificam, a duração desses eventos, além da interação e dependência dessas plantas com os polinizadores e dispersores. Também é possível analisar os gatilhos ambientais para esses eventos, como os recursos estão distribuídos ao longo do ano e como isso afeta as guildas (como chamamos os grupos de animais que utilizam de forma similar os recursos de um ecossistema).
Dessa forma, a fenologia, com sua análise dos padrões temporais, destaca a importância de manter não apenas a estrutura física das florestas, mas também suas interações, com polinizadores e dispersores de sementes, essenciais para a reprodução das plantas e a saúde das florestas.
Isso porque, mesmo que a estrutura da floresta pareça intacta, a ausência das interações, seja pela defaunação devido à caça ou fragmentação que acarreta perda de plantas-chave na oferta de recursos, pode levar à deterioração silenciosa da floresta.
Daniel Janzen, um renomado ecólogo, levantou esse problema já na década de 1970. É fundamental entender como os recursos estão estruturados e distribuídos ao longo do tempo (fenologia) para planejar a conservação e restauração, não apenas focando na diversidade de espécies, mas também na dinâmica de oferta de recursos.
Mudanças climáticas e os gatilhos do clima
Entretanto, atualmente temos um problema adicional. Como os gatilhos do clima determinam quando as flores, frutos e folhas serão produzidos, as alterações causadas pelas mudanças do clima alteram a época de ocorrência desses eventos e, consequentemente, a dinâmica temporal das florestas.
O estudo da fenologia das florestas está, portanto, diretamente relacionado às mudanças climáticas e é considerado a forma mais simples de monitorar as respostas das plantas às alterações do clima.
Nesse sentido, a folha é um componente crucial, porque realiza a fotossíntese, captando carbono e liberando oxigênio e água, indispensável para a vida na Terra. O estudo dessa dinâmica — ou fenologia das folhas — busca entender a estação de crescimento das florestas, a produtividade do ecossistema e como ele capta e emite carbono.
Para isso, é preciso analisar desde florestas úmidas, que mantêm folhas o ano todo, até florestas sazonalmente secas, como a caatinga, cujas árvores perdem todas as folhas por longos períodos de tempo.
Redes de monitoramento
Para compreender essa dinâmica, criamos a primeira rede tropical de monitoramento da fenologia foliar de árvores, a rede e-phenology, que começou em 2011 e se expandiu para trópicos sazonalmente secos em 2015. Essa rede usa câmeras digitais que fotografam diariamente a vegetação para entender sua mudança foliar.
Queremos entender como o clima e as mudanças climáticas afetam a dinâmica de produção foliar e as estações de crescimento das florestas, já que a folha é vital para todas as funções das plantas, incluindo fotossíntese e respiração.
Essa rede já produziu conhecimento essencial sobre as nossas florestas, suas estações de crescimento e associações com o clima. Por exemplo, quais os gatilhos que determinam o início, o fim e a duração das estações de crescimento na floresta úmida, seca e cerrados no Brasil.
Em 2022, a rede foi ampliada para além dos biomas brasileiros. Iniciamos uma rede de monitoramento de florestas sazonalmente secas no Brasil e em quatro países da África, chamada PhenoChange. Essa rede busca compreender como as respostas das florestas funcionam em um contexto transcontinental e se existe diferença na resposta entre o componente lenhoso (estrutura das árvores e arbustos, como galhos e troncos) e o herbáceo (plantas baixas, que crescem no chão da floresta) dessas florestas e savanas.
Ambas as redes nos ajudam a entender e conservar as florestas, principalmente as sazonalmente secas, que são essenciais e dominam as paisagens tropicais através do globo, apesar de parecerem menos relevantes devido à sua aparência seca em parte do ano.
O Brasil possui a maior área de floresta seca do mundo, conhecida como caatinga, localizada principalmente nas regiões nordeste e norte de Minas Gerais, com pequenas áreas espalhadas por outros estados. Esse ecossistema semiárido é extremamente importante e abriga espécies altamente adaptadas ao clima inóspito.
No entanto, há incertezas sobre a capacidade dessas plantas de se adaptarem às mudanças climáticas previstas, com temperaturas ainda mais altas e secas cada vez mais prolongadas. A rede e-phenology, somada à derivada rede PhenoChange, buscarão essas respostas.
Para além das florestas, nossa rede de pesquisa e-phenology também faz o monitoramento dos campos rupestres na cadeia do Espinhaço. Esse ecossistema único e megadiverso, composto por um mosaico de vegetações localizado nos topos de montanhas (em geral acima de mil metros de altitude), são monitorados desde 2014 pela rede, buscando entender suas mudanças sazonais e respostas ao clima. Mas essa é outra história…