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Financiamento dos objetivos sustentáveis: é preciso repensar como o mundo distribui recursos contra pobreza, desastres e clima

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Financiamento dos objetivos sustentáveis: é preciso repensar como o mundo distribui recursos contra pobreza, desastres e clima

Os investimentos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) têm sido objeto de intensas discussões. Desafios como o combate à pobreza e mudanças climáticas ganham cada vez mais atenção, diante do fato de que milhões de pessoas permanecem em situação de vulnerabilidade. Relatórios das Nações Unidas destacam a dimensão dessa lacuna: para alcançar os ODS, seriam necessários aproximadamente USD 4 trilhões anuais até 2030, um montante muito superior ao que atualmente é mobilizado.

A literatura acadêmica reforça que a alocação de ajuda internacional nem sempre acompanha as necessidades mais urgentes. Pesquisas clássicas, como as dos economistas Alberto Alesina e David Dollar, publicada nos anos 2000, já evidenciavam que a distribuição de recursos frequentemente segue interesses estratégicos, políticos ou históricos, em detrimento do nível de pobreza. Estudos recentes, como o de Sritharan e colaboradores (2024), confirmam que esse padrão persiste, perpetuando desigualdades globais.

Diante desse contexto, nossa equipe, do laboratório HANDs – Humanitarian Assistance and Needs for Disasters, da PUC-Rio, se perguntou: como os recursos poderiam ser distribuídos de forma mais eficaz e equitativa, considerando que as necessidades são enormes e os recursos disponíveis permanecem limitados?

Para onde vão os financiamentos climáticos

O primeiro passo de nossa investigação foi examinar os fluxos de financiamento climático global. A análise de mais de 230 mil projetos reportados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 2018 e 2023 confirmou tendências já apontadas pelo Relatório Tracking Climate Finance, da OCDE. Verificamos que a maior parte dos recursos foi destinada a projetos de mitigação, especialmente em energia limpa e transporte, majoritariamente em países de renda média.

Já a adaptação, essencial para proteger comunidades pobres contra enchentes, secas e outros desastres causados pelos estragos no ciclo global da água, recebeu menor volume de recursos. Esse resultado reforça as evidências de que os impactos das mudanças climáticas recaem de forma desproporcional sobre países de baixa renda, sobretudo na África e na Ásia. Em síntese, os mais vulneráveis são os que menos recebem apoio.

Esse desequilíbrio reforça uma crítica recorrente: os fluxos de financiamento climático são influenciados não apenas por critérios de vulnerabilidade, mas também pela capacidade institucional dos países e por interesses geopolíticos.

Além disso, ao analisar a relação entre o financiamento climático e os ODS, constatamos que alguns objetivos são mais contemplados, como o ODS 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura) e o ODS 13 (Ação Climática), enquanto outros, como o ODS 4 (Educação de Qualidade) e o ODS 14 (Vida na Água), permanecem subfinanciados.

Um modelo para equilibrar equidade e eficiência

Na segunda etapa da pesquisa, avançamos para o desenvolvimento de uma ferramenta de alocação de recursos para desenvolvimento. Há uma tradição consolidada que propõe modelos mais racionais de distribuição. Paul Collier e David Dollar, por exemplo, surgiram em 2002 que a combinação de indicadores de pobreza com capacidade institucional poderia ampliar substancialmente o impacto da ajuda. Já David Rea e colaboradores (2021) defendem a incorporação explícita do princípio de equidade como critério normativo de alocação.

Inspiradas por essas abordagens, desenvolvemos um modelo matemático baseado na abordagem “prever e depois otimizar” (Smart Predict-then-Optimize). Em termos simples, o modelo opera em duas etapas:

Primeiro, prevê-se o nível de pobreza de cada país por meio de variáveis como PIB per capita, desigualdade, histórico de ajuda recebida e exposição a desastres, em consonância com um importante trabalho de economistas dos bancos Mundial e Inter-Americano, que destaca a relação entre desastres e o agravamento da pobreza.

Em seguida, esses valores previstos são utilizados como pesos em um modelo de otimização que distribui um orçamento fixo de ajuda, respeitando a capacidade de absorção de cada país, isto é, o limite máximo que pode ser recebido sem gerar desperdícios.

O diferencial desse modelo está em não apenas buscar eficiência, mas também garantir equidade. Evita-se, assim, a concentração excessiva de recursos em alguns países enquanto outros permanecem desassistidos. Nossos resultados demonstraram que é possível equilibrar equidade e eficácia, fornecendo aos formuladores de políticas uma ferramenta prática para simular cenários de alocação mais justos.

Aplicação ao contexto brasileiro

Por fim, analisamos a alocação de recursos em defesa civil no contexto brasileiro, um país historicamente marcado por desastres de diferentes naturezas: secas prolongadas, enchentes, deslizamentos de terra e rompimentos de barragens. Observamos que a maior parte dos recursos públicos continua direcionada à resposta pós-desastre, em detrimento de medidas preventivas.

Para explorar alternativas, utilizamos uma abordagem de simulação, testando diferentes cenários de investimento em municípios, estados e no nível nacional. As mais de 18 mil simulações realizadas revelaram que investir em prevenção salva mais vidas e reduz custos. Como ações de prevenção destacam-se drenagem urbana sustentável e execução de projetos e obras de contenção de encostas, porém no modelo não separamos os investimentos por ações, sugerindo como estudo futuro.

Decisões mais transparentes

Ao longo dessa trajetória – que contou com apoios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes), e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) – compreendemos que a forma como o mundo distribui seus recursos não é apenas uma questão técnica ou financeira. Trata-se de uma decisão ética, com consequências diretas sobre a vida de milhões de pessoas. Globalmente, o financiamento climático ainda privilegia países mais capazes, deixando de lado os mais vulneráveis.

Metodologicamente, mostramos que é viável propor modelos de apoio à decisão que integrem dados e critérios de equidade para orientar decisões mais transparentes e efetivas. No Brasil, as evidências confirmam que a prevenção é mais eficaz e econômica do que depender exclusivamente da resposta emergencial.

Como perspectiva para pesquisas futuras, pretendemos desenvolver uma ferramenta prática que integre os modelos propostos, de modo a apoiar tomadores de decisão na definição de estratégias de doação mais eficazes e transparentes. Além disso, há espaço para aprimorar os modelos já sugeridos, incorporando maior granularidade nos tipos de ajuda analisados, o que permitiria compreender de forma mais precisa o impacto específico de cada modalidade de recurso sobre os países receptores.

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