Pesquisadores, ambientalistas e entidades da sociedade civil alertam para os riscos hídricos, climáticos e sanitários da técnica de fraturamento hidráulico (fracking) usada na exploração de gás natural não convencional. Posicionamentos sobre o tema foram apresentados na quinta-feira (11), em audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
O fraturamento hidráulico usa água, areia e produtos químicos em tubo de alta pressão para causar fissuras em rochas do tipo folhelho (ou xisto). Elas têm esse nome porque lembram um acúmulo de folhas, com permeabilidade baixa. Por meio da técnica, o gás que estava preso nas rochas flui para o tubo e chega à superfície. É um processo com grau de dificuldade diferente da exploração do gás natural convencional.
Desde 2013, interessados na técnica tentam achar meios de estimular os primeiros passos no Brasil. Naquele ano, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou uma licitação para pesquisa e extração através do fraturamento hidráulico. Blocos foram concedidos no Paraná e em São Paulo. O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ações civis públicas nas regiões, o que, na prática, tornou nulos os efeitos da licitação.
A audiência convocada ontem pelo STJ tem o objetivo de levantar informações para posterior julgamento sobre o tema.
O Instituto Arayara, organização ambiental sem fins lucrativos, denuncia que o fracking exige um consumo hídrico extremo para fraturar as rochas (entre 5,7 até 61 milhões de litros de água por poço), e envolve substâncias tóxicas e cancerígenas que podem contaminar aquíferos e mananciais.
Outros impactos incluem poluição do ar com liberação de metano e compostos orgânicos voláteis (COVs), e tremores de terra causados pela injeção de fluidos em grandes profundidades.
“Pedimos que a Corte faça uma análise primorosa, baseada na ciência e no cuidado com a vida das pessoas. Para que possamos evitar terremotos espalhados pelo Brasil, evitar piscinas com produtos químicos e radioativos vindos do subsolo espalhados por centenas de cidades. Sabemos muito bem que os municípios não têm capacidade de fiscalização sobre esse tipo de atividade”, diz o engenheiro ambiental Juliano Bueno de Araujo, diretor técnico do Instituto Arayara e da Coalização Não Fracking Brasil (Coesus).
Dados da instituição indicam que mais de 524 cidades em 17 estados do Brasil aprovaram leis municipais que restringem o uso de água de superfície e emissão de alvarás para atividades que usam o fraturamento hidráulico.
Segurança ambiental
A bióloga Moara Menta Giasson, diretora do Departamento de Políticas de Avaliação de Impacto Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, afirmou que não existem padrões de segurança ambiental para uso do fracking.
“O ministério tem reiteradamente apontado os altos riscos e os impactos negativos da técnica, pontuando como fundamental a elaboração de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). Essa avaliação ainda não foi efetivamente implantada”, diz Giasson.
“A literatura científica é unânime em indicar altos índices de emissões fugitivas, especialmente de metano, que é um dos piores gases em severidade para aumento do efeito estufa. Isso torna a exploração não convencional incompatível com as metas climáticas do país, no sentido de reduzir as emissões de poluentes”, complementa.
Giasson também destaca o alto consumo de água e os riscos para os aquíferos nacionais.
“Segundo a Política Nacional de Recursos Hídricos [Lei 9433/1997], a água tem natureza de bem público, sendo o uso prioritário para consumo humano e animal. E a água do fracking se torna imprópria para os usos prioritários após a mistura com fluidos e compostos tóxicos”, diz a bióloga.
“Apesar das regras de exploração serem rígidas, acidentes acontecem. Se eu aplicar o fracking em uma área de escassez hídrica ou área com aquífero extremamente importante, qualquer acidente vai contaminar a água que é dos nossos filhos e dos nossos netos”, complementa.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou estudos que falam dos impactos à saúde humana. Bianca Dieile da Silva, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, listou efeitos adversos já documentados.
“O que vemos nos territórios quando conversamos com as pessoas e quando analisamos os dados, é que há um impacto maior no sistema respiratório. Em estados que adotaram o fracking nos Estados Unidos, em comparação com os que não adotaram, temos aumento de 25% de internação de crianças com asma”, diz a pesquisadora.
“Temos comprovação de câncer, principalmente do trato urinário, impactos nos disruptores endócrinos e problemas com recém-nascidos. Temos muitos desfechos desfavoráveis, nascimentos de prematuros, problemas congênitos e até morte”, acrescenta.
Outro lado
Representantes do setor de petróleo e gás defendem que a técnica pode ser aplicada com segurança e gerar benefícios econômicos. O diretor-geral da ANP, Artur Watt Neto, diz que o órgão estabeleceu padrões seguros para a execução do fracking.
“As nossas normas estão entre as mais rigorosas do mundo. Criamos requisitos adicionais para essa atividade da perfuração. Só autorizamos a técnica quando há camada considerável de isolamento entre a terra mais porosa e os nossos recursos hídricos no local onde seria feita a exploração”, diz o diretor.
Artur Watt Neto defende que a exploração de gás segue licenças e exigências dos órgãos de controle ambiental. E afirma que obter novas fontes energéticas é uma questão de desenvolvimento nacional e atende às necessidades do mercado.
“Precisamos nos preocupar com a questão das emissões. Mas devemos considerar a demanda de combustíveis, e não a oferta e a produção. Quando a gente não faz a produção, o mercado que é líquido e global vai fazer essa produção em outros lugares. As emissões vão continuar ocorrendo. A atmosfera é uma só”, diz Neto.
Adriano Pires Rodrigues, consultor e cofundador da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), defende que a exploração por meio do fracking é essencial para lidar com as novas demandas tecnológicas.
“O que a gente está vendo hoje é um consumo gigantesco de energia por conta de data centers e da inteligência artificial, que exigem repensar o que é transição energética. Nesse contexto de quarta Revolução Industrial, precisamos entender que não dá para abrir mão de uma fonte de energia”, diz Rodrigues.
O diretor do Instituto Arayara rebate os argumentos sob demanda energética nacional.
“O gás natural representa 9,6% da matriz energética brasileira e 6,3% da matriz elétrica em 2024. Ouvimos que existe uma necessidade de produzir mais gás. Mas boa parte do que é produzido não é utilizado. Em 2024, 54,3% da produção de gás do Brasil foi reinjetada por ausência de demanda. Em 2025, de janeiro a outubro, 54,4% já foi reinjetada”, diz Juliano Bueno de Araujo.
Cenário internacional
Os Estados Unidos lançaram, em 2010, a Iniciativa Global de Gás de Xisto. Em 2011, a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês) publicou um relatório, atualizado em 2013, sobre as principais reservas globais.
Foram identificados 41 países e um total de 7.299 trilhões de pés cúbicos de reservas de gás de xisto recuperáveis. Depois dos EUA, o destaque é a Argentina, com a segunda maior reserva do gás. O Brasil tem a décima maior reserva.
No Estados Unidos, a técnica só começou a ser empregada com intensidade a partir dos anos 2000. Na Argentina, o governo contou com o apoio de petroleiras e iniciou a exploração por meio do fracking em 2013 na Patagônia. A principal região é Vaca Muerta, na Bacia Sedimentar de Neuquén.
Na audiência do STJ, a advogada Marcella Torres, da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA), trouxe dados de problemas em Neuquén, tendo como fonte o próprio governo argentino. Segundo ela, os acidentes ambientais na região saltaram de 863 em 2015 para 2.049 seis anos depois. Entre maio de 2021 e abril de 2022, foram gerados cerca de 389 mil litros de líquido contaminados por dia em Vaca Muerta.
“Os riscos do fracking não são apenas hipotéticos. Eles se encontram amplamente documentados em diversas regiões, com evidência empíricas da contaminação da água, do ar, do solo, impactos na saúde, uso intensivo de água e sismicidade. Na experiência do nosso trabalho, os riscos são altíssimos e, quando há danos, eles são irreversíveis”, disse Torres.







