A intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, marcada por tarifas punitivas e restrições à exportação de minerais críticos, tem provocado uma reconfiguração das cadeias de suprimentos e das alianças estratégicas globais. Nesse cenário, o Brasil encontra-se diante de uma interessante oportunidade para redefinir seu papel no cenário internacional, assumindo uma postura de maior protagonismo e autonomia.
Com a imposição de tarifas de até 245% pelos Estados Unidos sobre produtos chineses e as retaliações de Pequim, como restrições à exportação de minerais essenciais, países buscam novos fornecedores para garantir o abastecimento de commodities e insumos industriais.
O Brasil, como grande produtor agrícola e detentor de vastos recursos naturais, está bem posicionado para suprir essa demanda. No primeiro trimestre de 2025, o país exportou 22,8 milhões de toneladas de soja, sendo 17,7 milhões destinadas à China, um aumento significativo em relação ao mesmo período do ano anterior.
Além disso, as exportações de minerais críticos, como o carbonato de lítio, têm crescido, com destaque para os embarques destinados ao gigante asiático. Nesse contexto, o Brasil pode posicionar-se como fornecedor estratégico em cadeias produtivas ligadas à transição energética global, como é o caso das baterias para carros elétricos. Não ignoremos que Bolívia já celebrou um acordo público-privado com uma grande empresa chinesa com relação ao lítio.
No Brasil, o Vale do Jequitinhonha concentra aproximadamente 85% do lítio brasileiro, que interessa profundamente tanto à União Europeia (devido a sua política de transição energética) como à China (empresas Yahua, CATL e, logicamente, BYD). De qualquer forma, Argentina e Chile também possuem um potencial enorme, tanto que, com Bolívia, conformam o denominado “Triângulo do lítio”.
A relação entre Brasil e China tem se aprofundado nestes últimos tempos, com conversas frequentes entre os presidentes Lula e Xi Jinping, fortalecendo os laços bilaterais e assinando acordos em áreas como infraestrutura, energia e agronegócio. Essa relação estratégica permite ao Brasil diversificar suas parcerias e reduzir a dependência de mercados tradicionais, aproveitando as brechas deixadas pela disputa entre as potências. Ao mesmo tempo, o país tem buscado manter relações comerciais e diplomáticas pragmáticas com os Estados Unidos, enfatizando uma política externa multivetorial.
Diante da pressão para escolher entre EUA e China, o Brasil tem adotado uma diplomacia de “não-alinhamento ativo”, buscando manter relações equilibradas com ambas as potências. Essa postura permite ao país preservar sua autonomia e aproveitar oportunidades de cooperação econômica e política. O governo brasileiro tem enfatizado a importância de uma política externa independente, evitando subordinação a qualquer potência global. Em um mundo multipolar, essa estratégia fortalece a imagem do Brasil como um ator confiável e disposto ao diálogo em vários foros.
A instabilidade nas relações comerciais entre EUA e China tem levado empresas a buscar – ou ao menos a ponderar- alternativas para suas cadeias de produção. O Brasil, com seu mercado interno robusto e políticas de incentivo à indústria, pode se beneficiar desse movimento. O programa “Nova Indústria Brasil” prevê investimentos de R$ 3,4 trilhões até 2033, com foco em setores estratégicos como defesa, energia e tecnologia.
Além disso, empresas como a já mencionada BYD têm investido na produção de veículos elétricos no país, aproveitando os incentivos oferecidos pelo governo. Com infraestrutura logística em expansão e acordos bilaterais em andamento, o Brasil pode consolidar-se como um destino estratégico para a relocalização de plantas industriais. Essa possibilidade ganha força diante da estratégia de “friendshoring” adotada por empresas ocidentais, que buscam parceiros política e economicamente confiáveis para evitar riscos geopolíticos, conforme analisado por estudos recentes publicados em diversas revistas, relatórios e, incluso, pelo próprio Banco Central Europeu.
A crise nas instituições multilaterais tem aberto espaço para que países como o Brasil assumam papéis de liderança em fóruns internacionais. Em 2025, o país sediará a cúpula do BRICS no Rio de Janeiro (6 e 7 de julho), com foco em temas como reforma das instituições de governança global, combate à fome e promoção do desenvolvimento sustentável.
Por outro lado, o Brasil tem defendido a inclusão de novos membros no grupo BRICS+ como forma de ampliar sua relevância política e econômica. Ao assumir a presidência rotativa do BRICS e do G20, o país demonstra capacidade diplomática e assume um papel ativo na articulação de propostas concretas sobre segurança alimentar, financiamento verde e regulação digital. A agenda da diplomacia climática também ganhará destaque, especialmente no caminho para a COP30, que ocorrerá em Belém do Pará no mês de novembro.
Diante desses cenários, o Brasil tem a oportunidade de transformar desafios em vantagens estratégicas, consolidando-se como uma potência intermediária influente e respeitada no cenário internacional. Com uma estratégia bem articulada, o país pode promover um desenvolvimento econômico sustentável e reforçar sua posição como um ator relevante nas negociações globais. É nesse momento de transição da ordem mundial que o pragmatismo, a coragem diplomática e a inteligência estratégica brasileira podem finalmente convergir para abrir um novo ciclo de liderança sul-americana com alcance global.