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Fronteiras fechadas no Azerbaijão: Medida de segurança ou violação dos direitos humanos?

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Fronteiras fechadas no Azerbaijão: Medida de segurança ou violação dos direitos humanos?

Imagem de Arzu Geybullayeva.

As fronteiras terrestres do Azerbaijão estão fechadas há quase cinco anos. A decisão de fechar todas as fronteiras terrestres com os vizinhos Irã, Rússia e Turquia (a fronteira com a Armênia foi fechada há mais de  30 anos) foi tomada durante o regime de quarentena, implantado após a detecção do primeiro caso de coronavírus em março de 2020. Desde então, o período do regime de quarentena especial teve várias prorrogações, sendo a mais recente em setembro de 2024. Durante estes anos, as autoridades mencionaram frequentemente a Covid-19 como principal razão, mesmo após a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter anunciado em maio de 2023 que a Covid-19 já não era uma emergência de saúde pública.

Fronteiras fechadas significam que os cidadãos do Azerbaijão não podem atravessar para países vizinhos a pé ou em veículo. No entanto, isto não se aplica ao tráfego de carga, que teve permissão para continuar sem impedimentos. Em julho de 2024, um funcionário do Departamento da Alfândega de Naquichevão revelou que em Sadarak, na remota República Autônoma do Naquichevão (fronteira com a Turquia), era a única fronteira terrestre aberta.

Desde medidas para a Covid-19 até medidas de segurança

Após o ataque terrorista mortal em Moscou, em março de 2024, as autoridades mudaram a narrativa sobre o fechamento de fronteiras pela primeira vez. Tentaram justificar a decisão citando a segurança nacional, mesmo com as críticas crescentes.

Meses depois, antes da COP29 em abril de 2024, o presidente Ilham Aliyev reiterou que, embora as fronteiras ainda estivessem fechadas devido às restrições impostas pela Covid-19, a essa altura tratava-se mais de uma medida de segurança.

“Fechar as fronteiras foi uma decisão tomada por causa da Covid-19. Ainda estamos formalmente na fase da quarentena. Mas, ao mesmo tempo, sejamos honestos, a decisão de manter  as fronteiras fechadas não é apenas por isso. Como presidente, como alguém que lida diariamente com assuntos de segurança nacional, posso dizer que vimos grandes benefícios para nossa segurança nacional após o fechamento das fronteiras”, disse o presidente em abril de 2024, durante um discurso no foro internacional na COP29, realizada na capital, Baku.

Em setembro, na abertura da sessão parlamentar, o presidente declarou, “… com toda a certeza, o fechamento das fronteiras terrestres nos salvou de grandes catástrofes. Ainda hoje, com as fronteiras fechadas, há situações perigosas que são evitadas [mantendo as fronteiras fechadas]”.

A decisão de manter as fronteiras fechadas recebeu apoio dos oficiais azerbaijanos. Durante a sessão plenária do Parlamento em 25 de novembro de 2024, o parlamentar Zahid Oruj vinculou o fechamento das fronteiras com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, e com as operações militares do Irã. Oruc alertou que a abertura das fronteiras traria 100 mil refugiados não azerbaijanos. “A colisão de diferenças humanitárias, sociais e culturais causada por uma onda de refugiados pode comprometer a estabilidade política”, alertou.

Os especialistas afirmam que a justificativa do governo para manter as fronteiras fechadas é infundada. Em 2024, quando as autoridades mencionaram preocupações com a  segurança pela primeira vez, Cavid Agha, renomado pesquisador e comentarista, escreveu no Facebook: “O fechamento das fronteiras terrestres no Azerbaijão é importante para nossa segurança. Como você sabe, os terroristas nunca vêm de avião; eles só passam pela alfândega terrestre”.

O político da oposição Jamil Hasanli questionou as declarações do governo sobre segurança, observando que a guerra na Ucrânia já dura três anos e o Irã enfrenta sanções que perdurarão por décadas. Se realmente houvesse uma ameaça de refugiados para entrar no Azerbaijão como resultado das condições existentes, isso já teria acontecido. “Por que essas centenas de milhares de refugiados ainda não chegaram ao Azerbaijão? E se a preocupação é com os refugiados da Rússia ou do Irã, por que as fronteiras terrestres com a Geórgia e a Turquia permanecem fechadas há quase cinco anos?”, questionou Hasanli.

Em uma entrevista à Global Voices, a especialista em política Alya Yagublu afirmou que, se há protocolos de segurança para viagens aéreas e as pessoas só podem entrar no país se passarem por determinadas verificações de segurança, o mesmo deveria ser feito com relação à entrada por terra.

Yagublu também descreveu os comentários de Oruc sobre a guerra na Ucrânia como uma desculpa.

Ela explicou que o governo do Azerbaijão, ao manter as fronteiras terrestres fechadas, estava impedindo que os migrantes azerbaijanos retornassem ao país.”Milhões de azerbaijanos vivem na Rússia e na Ucrânia. Milhões vivem no exterior. Para evitar a piora da situação econômica que já é difícil, as autoridades impediram que eles voltassem para casa”.

Em março de 2022, pouco depois da Rússia invadir a Ucrânia, segundo informações, centenas de trabalhadores migrantes azerbaijanos ficaram retidos na fronteira entre a Rússia e o Azerbaijão devido ao fechamento das fronteiras.

De acordo com Vladanka Andreyeva, coordenadora das Nações Unidas para o Azerbaijão, mais de um milhão de azerbaijanos viviam no exterior em 2022.

Conforme um um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), que analisou as tendências migratórias no Azerbaijão entre 2013 e 2021, a emigração de cidadãos azerbaijanos para o exterior está aumentando desde 2016 e 2017. Os três principais destinatários são a Federação Russa, a Turquia e a Alemanha, onde os azerbaijanos se estabelecem por meio de procedimentos migratórios temporários ou permanentes.

Yagublu acredita que ao manter as fronteiras terrestres fechadas, as autoridades estão violando os direitos humanos dos cidadãos azerbaijanos dentro e fora do país. “Está claro que aqueles que têm uma situação financeira menos favorável e enfrentam dificuldades, não podem viajar para nenhum lugar por via aérea. Para os azerbaijanos que vivem na vizinha Geórgia, as restrições impostas pelas autoridades nas fronteiras terrestres os deixaram sem opções a não ser usar aviões para se deslocar entre os dois países em situações de emergência”.

Esse foi o caso de Elshan Yagubov, um azerbaijano de 53 anos cujos pais vivem na região de Bolnisi, na Geórgia. Quando a mãe de Yagubov morreu, ele não pôde comparecer ao funeral por medo de voar. Ele não conseguiu visitar o túmulo de sua mãe até o final de 2024.

Khaliq Hasanov, 60 anos, trabalha como motorista de táxi na Rússia há muitos anos. Ele usou um ponto de passagem de fronteira para visitar o Azerbaijão e, quando as fronteiras foram fechadas, ele não pôde mais viajar. Hasanov sofre de problemas cardíacos que o impedem de viajar de avião. Em fevereiro de 2023, sua irmã faleceu e ele não pôde comparecer ao funeral devido a restrições.

Farida (nome fictício), 42 anos, sofre de talassemia e tem uma deficiência de segundo grau. Ela ganhava a vida vendendo perfumes e louças comprados no Irã.  Em uma entrevista com JamNews, Farida falou sobre as dificuldades que enfrentou desde então.

Altay Goyushov, professor de história e crítico das políticas do governo, escreveu no Facebook  sobre as consequências do fechamento das fronteiras para muitos azerbaijanos. “Dezenas de milhares de cidadãos aproveitaram essas passagens de fronteira quando elas estavam abertas. Conseguiram sustentar seus meios de vida precários trazendo alimentos e mercadorias mais baratos. Agora, dezenas de milhares de cidadãos enfrentam custos adicionais quando planejam viajar, seja para comemorações ou para funerais de amigos, conhecidos ou parentes”, escreveu Goyushov.

Em 2023, mais de mil pessoas de etnia azerbaijana que vivem em Geórgia assinaram uma petição on-line pedindo ao presidente Ilham Aliyev que “pelo menos restabelecesse o movimento limitado por meio da fronteira terrestre entre a Geórgia e o Azerbaijão”. Mas não foram ouvidos.

O fechamento da fronteira terrestre está agora em seu quinto ano, e não se sabe ao certo por quanto tempo poderá continuar assim, mas, de acordo com essa narrativa do governo sobre preocupações com a segurança e o terrorismo, parece que veio para ficar.

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